Vinicius de Moraes na intimidade

22/12/2015

Por Luiz Ferri de Barros - 22/12/2015

"Um poeta é o poeta de sua poesia (...) Por que não sondar o elemento poético da poesia, em vez de estar fazendo conjeturas sobre o meu pobre self? Vontade de descobrir coisas..."  Assim escrevia Vinicius de Moraes a um amigo em 1939, comentando a "xaropada" dos críticos, quando tinha 26 anos e estudava literatura inglesa em Oxford.

Para conhecer o artista Vinicius, só mesmo voltando à sua obra poética e musical. Mas essa vontade de "descobrir coisas" sobre ele nos leva ao livro Querido Poeta – Correspondência de Vinicius de Moraes (Companhia das Letras, 2003; 372 págs.), organizado por Ruy Castro.

Essa correspondência contém cartas recebidas e enviadas por Vinicius, organizada em ordem cronológica e dividida por décadas, dos anos 1930 até 1970. Uma breve nota biográfica e uma foto do poeta na idade correspondente antecede as cartas de cada década.

Um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos e letrista excepcional da MPB, Vinicius foi também um personagem nacional. No final dos anos 1960, quando os militares e o AI-5 afastaram-no da diplomacia, assumiu plenamente a vida artística. Corporificou de forma carismática e sofisticada a malandragem e o romantismo, de um jeito todo seu, portando um indefectível copo de uísque a tiracolo e sempre ladeado por nova mulher.

A correspondência de Vinicius não revela nem o poeta nem o personagem. As cartas permitem conhecer um pouco do homem. A intimidade descortinada permite vislumbrar exemplos de sua genialidade estética e o extraordinário volume de energia, estudo e  trabalho, ao longo de anos e décadas, que Vinicius dedicou para chegar onde chegou.  Se a genialidade é atributo associado à sua imagem pública, o Vinicius laborioso não, exatamente porque ele cultivou o personagem folgazão.

Mas a intimidade de qualquer homem sempre revela lados sombrios. Nesse aspecto, as cartas também mostram um Vinicius diferente de sua imagem pública.  Deparamo-nos com uma pessoa insegura, sempre dependente da mãe e das irmãs para auxiliá-lo na gestão de suas confusas finanças e na acomodação de suas relações amorosas, em especial com as ex-mulheres.  Um homem genioso e manipulador que, segundo o acusa a irmã em uma carta, chegava a simular desmaios quando contrariado. Ele em geral deve dinheiro a todos os seus amigos e desacata quem ousar dizer-lhe que precisa do pagamento. Vinicius tem a sua turma, não é um sujeito aberto ao mundo como aparentava. Na poesia, na literatura, na música, tinha sua roda de amigos; os outros eram "caterva" e dessas intrigas do medíocre mundo dos intelectuais brasileiros as cartas estão cheias.  Enfim, as cartas também trazem ao nosso conhecimento muitas coisas a respeito de Vinicius que não valem a pena saber, porque no caso dele não há benefício na desmistificação do personagem.

A leitura das cartas é um trabalho de garimpagem: a maioria delas são triviais, mesmo as trocadas com outros artistas famosos, como Manoel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade, Tom Jobim, Chico Buarque etc. Mas há cartas maravilhosas, escritas com verve literária e que são agradáveis de se ler, da mesma forma que outras oferecem informações interessantes, tanto para compreender a biografia de Vinicius como diversos assuntos da época, entre os quais certos aspectos do cotidiano dos poetas da década de 1940.  Por exemplo, publicar poesia não era mais fácil então do que é hoje. Por isto vemos Vinicius promovendo uma subscrição entre amigos para editar 250 exemplares de um livro e também vemos a solução encontrada por João Cabral de Melo Neto: comprar uma pequena prensa manual em que ele mesmo imprimia seus livros.


Trecho de uma

Carta de Vinicius a Leta de Moraes, sua irmã,

em 1937 (o poeta, nascido em 1913, tinha 24 anos)

.

"Antigamente, é engraçado, eu adorava escrever cartas (...), achava enormemente bom dizer as coisas num tom mais interessante, as mesmas coisas que todos os dias se dizem em tom banal. Aliás, é isso que faz o prazer das cartas. Coisas tão simples assumem uma importância... extraordinária. (...) Hoje não consigo mais ser formal. Positivamente não. Tenho impressão que a idade (a idade!) me libertou dos últimos preconceitos e conservadorismos que eu tinha.  Minha vontade é escrever bem simples e falar mais simples ainda. Pouco e certo. E o essencial, apenas. Libertei-me de toda a literatura, graças a Deus. Tenho mesmo a impressão que, se continuar a fazer poesia, ela deve ser contada de hoje em diante como expressão do meu ser nu diante da vida, agindo o mais humanamente possível nas questões vitais e o mais desumanamente possível nas questões do instinto. (...) Quero a inteligência das coisas vindo a mim, e não minha inteligência arrancando delas compreensão e complexidade. A gente é complexo. As coisas são simples."


Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.

Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.                                        

E-mail para contato: barros@velhosguerreiros.com.br 


Imagem Ilustrativa do Post: Vinicius de Moraes - Samba da Bençäo (com letra) // Vídeo de: Club Brasil // Sem alterações

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1yPr_vIgxks

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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