Por Rodrigo Wasem Galia – 06/10/2016
[...] se estamos sob a dominação do paradigma cognitivo, que prevalece no mundo científico, o sujeito é invisível, e sua existência é negada. No mundo filosófico, ao contrário, o sujeito torna-se transcendental, escapa à experiência, vem do puro intelecto e não pode ser concebido em suas dependências, em suas fraquezas, em suas incertezas. Em ambos os casos, suas ambivalências, suas contradições não podem ser pensadas nem sua centralidade e sua insuficiência, seu sentido e sua insignificância, seu caráter de tudo e nada a um só tempo. Precisamos, portanto, de uma concepção complexa do sujeito
Edgar Morin.[1]
Reza o art. 2º caput da CLT que se considera “empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. A CLT, ao vincular o empregador à empresa individual ou coletiva, optou por proteger o empregado e despersonalizar o empregador. Nesse sentido, o empregador pode ser empresa individual (pessoa física), ou empresa coletiva (sociedade empresarial, pessoa jurídica).
Desse modo, como a atividade empresarial é complexa, e tendo em vista a separação entre o patrimônio pessoal e o patrimônio social, geralmente acaba prevalecendo a sociedade empresarial como empregadora. Ao mesmo tempo em que é uma sociedade empresarial, é uma empregadora. Mas quem é o empregador é a pessoa jurídica, e não os seus sócios.
O art. 966 do Código Civil, por seu turno, enfatiza que se considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Mais uma vez, percebe-se clara interligação entre o Direito do Trabalho e o Direito Empresarial.
Do conceito acima fixado, aplicado o art. 966 do Código Civil subsidiariamente, por força do art. 8º, parágrafo único da CLT, que afirma ser o Direito Comum (civil e empresarial, neste caso, porque dentro este último daquele) fonte subsidiária do Direito do Trabalho, destaca-se em primeiro lugar o profissionalismo. Nesta senda, o empresário faz da atividade empresarial o seu ganha-pão, sua fonte de subsistência. Nesta medida, existe habitualidade no exercício da atividade empresarial. Ex: uma pessoa que vende seu próprio carro é diferente de um “picareta” de carros, que tem habitualidade e lucro, pois vive disso – portanto, é um profissional. O empregado também tem a habitualidade como uma característica sua: a não-eventualidade na prestação dos serviços.
Além disso, quando a CLT faz referência ao empregador como empresa individual, faz referência ao empregador pessoa física (pessoa natural). Já quando faz vinculação do empregador como empresa coletiva, refere-se ao empregador como pessoa jurídica.
No que tange à atividade, empresa é sinônimo de empreendimento. A empresa é a própria atividade, e nesse sentido a empresa é uma abstração (pois não tem corpo, nem essência corpórea). Por isso pode “pegar fogo” no estabelecimento empresarial, e não na empresa, como se costuma dizer. Ao contrário do estabelecimento empresarial, que é o conjunto de bens corpóreos (mesa, cadeira, computador, etc) e bens incorpóreos (marca, patentes, etc), a atividade empresarial é abstrata, e pode ser exercida em outros estabelecimentos empresariais.
A empresa tem caráter econômico, pois a atividade empresarial visa ao lucro, tem caráter especulativo. Pode ser que não tenha lucro, mas nem por isso deixa de ser uma empresa. Pode também entrar em falência, quando o passivo (débitos) for maior que o ativo (créditos). Mais uma vinculação do Direito do Trabalho com o Direito Empresarial.
A empresa tem que ser organizada, pois em um sistema capitalista, seguindo a doutrina comercialista de Fábio Ulhôa Coelho, são 4 (quatro) os fatores de produção. O primeiro é o capital - o dinheiro para investir no negócio. Pode ser próprio ou de terceiros (instituições financeiras, parentes, etc).
O segundo fator corresponde à mão de obra. A atividade empresarial é complexa, e por isso o empresário precisará do auxílio de empregados. A empresa é fonte de empregos, e isso é mais uma vinculação com o Direito do Trabalho. Nesse ponto, a dispensa coletiva de empregados de uma empresa interessa ao presente estudo não somente no que diz respeito à proteção ao emprego pelo direito coletivo do trabalho, mas também porque atinge direitos difusos e, com isso, o encerramento de inúmeros postos de trabalho com inúmeras rescisões contratuais, atingindo os familiares dos dispensados, os comerciantes de toda a região, pois sem emprego as pessoas perdem o seu poder de consumo, causando retração econômica de toda uma região. As dispensas em massa geram prejuízos a toda a coletividade, atingindo a terceira dimensão de direitos fundamentais, especialmente no que tange aos interesses difusos atingidos, pois não se consegue precisar com exata precisão todos os prejudicados com a perda de inúmeros postos de trabalho (empregados dispensados, familiares desses empregados, comércio local, economia de toda uma região e até mesmo do país).
Na empresa pode-se utilizar insumos - é a matéria prima utilizada pelo empresário/ empregador, em sua atividade empresarial de produção e/ou circulação de bens e de serviços. Como exemplo tem-se o dinheiro para os bancos.
E por fim, como quarto e último fator de produção, tem-se a tecnologia - na atividade empresarial, o empresário deve ter conhecimento (know-how) para acelerar a sua produção e aumentar a sua lucratividade. A atividade é complexa e precisa de produção. Nesse sentido, são necessárias máquinas modernas e tecnologia de ponta.
Ainda, é necessário referir que as vinculações não terminam por aqui. A falência, por exemplo, que é matéria de Direito Empresarial, tem a ver com o Direito do Trabalho.
Nesse sentido, quando a empresa entra em falência, ela será administrada por uma massa falida, através de um síndico. Os créditos trabalhistas vão ter que ser pagos em primeiro lugar, porque são créditos preferenciais, até o valor de 150 salários mínimos.
No que diz respeito à circulação de bens e de serviços, a circulação de bens é a intermediação na troca, com o intuito de lucro. Dessa forma, representa o comércio em seu sentido originário. O exemplo aqui seria o de uma loja que faz intermediação na troca entre o produtor e o consumidor. O comerciante compra para revender. E com isso obtém lucro para sobreviver e manter o negócio.
Já a circulação de serviços pode ser exemplificada através de uma agência de turismo. Não produz nem bens, nem serviços, apenas faz circular os serviços já existentes, muitas vezes na forma de um pacote turístico (um pacote de viagem: reserva de hotéis, passagens de aviões, passeios turísticos locais, etc).
A produção de bens pode ser exemplificada através de uma montadora de veículos, que origina um bem novo, durável (origina algo novo, ao contrário do que acontece na circulação de bens). A produção de serviços origina serviços novos, como acontece nas instituições bancárias, seu exemplo típico. Assim, a diferença entre a produção e a circulação é a seguinte: a produção origina um produto ou serviço novo, ao passo que na circulação não há produto ou serviço novo, apenas intermediação.
O novo conceito de empresário engloba o antigo conceito de comerciante, assim como a teoria da empresa italiana, de 1946. Apesar de estar situado dentro do Código Civil, é matéria é de Direito Empresarial.
Notas e Referências:
[1] MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 8ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 128.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 25ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 8ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
Rodrigo Wasem Galia é Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Advogado Trabalhista. Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER/RS, nas disciplinas de Direito do Trabalho I e Direito do Trabalho II. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da PUCRS. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da FADERGS. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário do IDC. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Advocacia Cível e Trabalhista do IDC. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho do IDC. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário do Verbo Jurídico. Professor dos Cursos Preparatórios para a OAB (1ª fase e 2ª fase – Prática Trabalhista) e Concursos Públicos do IDC e do Verbo Jurídico. É membro do Grupo de Pesquisa Estado, Processo e Sindicalismo PUCRS-CNPQ, liderado pelo Professor Doutor Gilberto Stürmer. Foi membro do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional, liderado pelo Professor Doutor Ricardo Aronne. Foi Professor convidado dos cursos de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Foi Professor dos Cursos de Direito da PUCRS (2002-2004), da ULBRA (2005), do IPA (2006-2009), da Dom Alberto (2010), da UFRGS (2010-2012), da São Judas Tadeu (2012-2013), da UNISINOS (2012-2016). Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Parecerista da Revista Quaestio Iuris da UERJ. Parecerista da Revista CEJ – Centro de Estudos Jurídicos da Justiça Federal (Brasília). Parecerista da Revista Pensar – UNIFOR. Membro do Conselho Editorial da Revista VOX LEX: Direito e Processo do Trabalho. Membro do Conselho Editorial da Revista da Justiça do Trabalho, da HS Editora. Palestrante.
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