Velhos costumes, novos suspeitos – Por Léo Rosa de Andrade

26/10/2016

Não se saberá se Rich, ao providenciar para que Ilsa acompanhasse Lazlo em sua luta libertária, está decidido a permanecer desacompanhado pela vida, ou se, num rasgo de altruísmo, sacrificou a si, ao amor e à mulher amada.

Rich e seu sarcasmo ficaram em Casablanca; na companhia do capitão Renault, adentraram a noite. Bem, ocorrera uma morte. Aos ininvestigáveis não se investigariam, então: “prendam os suspeitos de costume”.

Nossos suspeitos de costume são levados à delegacia no estado de detidos para averiguação. A Constituição vigente não dá licença expressa a essa prática policial consolidada sobre uma clientela muito específica.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, entendeu que a Polícia tem implicitamente esse poder, o de supressão da liberdade de um cidadão para que, após condução forçada à delegacia, se lhe averigue identidade, antecedentes etc.

O critério para eleger o tipo suspeitoso sempre ficou no âmbito de uma seletividade lombroseana: a cara do sujeito. Mais ainda se a cara estiver mal acompanhada de traje, bairro ou hora que a autoridade policial desaprecie.

Na delegacia, desamparado de advogado e de qualquer outro direito, acontece o que sabidamente sói acontecer. No mínimo, o sujeito é lançado nos poucos metros quadrados de uma cela em que já não cabe mais ninguém.

Aí, de repente, esses modos, sob o (discutível) amparo de outra figura jurídica, o da prisão preventiva, principiaram a ser praticados contra outra freguesia: ricos e poderosos foram convertidos em objeto de investigação.

O juiz de Curitiba conduziu o foco para outro andar das classes sociais brasileiras. E não – cada vez mais se vê – o magistrado não está em ação persecutória a ladrões de direita ideologizados como de esquerda.

Moro, definitivamente, não seleciona petista. Sim, seu modo é, como costuma ser – regra ampla – o das autoridades policiais e judiciais brasileiras, autoritário. Mas seu autoritarismo é erga omnis. O Cunha que o diga.

Bem, agora, em decisão final, Justiça suíça autoriza envio de dados da Odebrecht à Lava Jato. São 2.016 páginas de extratos bancários, ordens de pagamentos e dados de contas envolvendo a empresa e políticos.

As evidências que envolvem Marcelo Odebrecht atinem não somente a ele, mas a diversos políticos talvez ainda não envolvidos em processo (Estadão, 19out16). O fluxo do maior propinoduto, parece, estará exposto.

Somando-se o que vem de lá ao que se encontra aqui, o clima pesa para muitas figuras eméritas da República. A alta corporatura de nosso sistema político está à beira de um desmanche sem precedentes.

Lula vê fechar-se ao redor dele e de seus enriquecidos filhos e sobre os próceres do PT um embaraço de dados incontestáveis; O PMDB tem seus líderes sendo atolados e atolando-se em lama movediça.

Os flagrados em documentos com nome, dia, hora, conta e valor sabem que serão condenados; penas altas. A amenização possível: o abraço de afogado, a delação dos cúmplices, que terão outros acumpliciados.

É algo que se espraia e ganha fôlego ao se espraiar. No dizer de Luiz Flávio Gomes, o condicionamento da Lava Jato é o apoio popular, o que não falta e nem faltaria, dado nosso índice de desconfiança de políticos.

Tal é a consubstanciação do miasma corruptivo, que o insuspeito Gilmar Mendes (STF) autorizou investigar Aécio Neves, citado em nove delações. Quem sobra? Quem será candidato? Quem fará o necessário papel de oposição?

É bom dar-se conta de uma coisa: cada um de nós, até pela impossibilidade contingenciada de outros, pode restar convidado a ser candidato. Se for o caso, um cuidado: a corrupção no Brasil é como uma atração fatal.

O sujeito entra honesto, discursa bonito, cai em tentação. Rouba, enriquece. Alega as condicionantes das relações políticas. Cai na nova modalidade de suspeição. É detido para averiguações. Algo está mudando nesta nação.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Fountain Silhouettes // Foto de: Dwayne Bent // Sem alterações

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