Considerando que as provas do inquérito policial não são produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, “os elementos trazidos pela investigação não constituem, a rigor, provas no sentido técnico-processual do termo, mas informações de caráter provisório”[1].
Porém, inobstante o inquérito policial tenha o caráter de meramente indiciário, as provas nele produzidas servem para o exercício da ação penal, aplicação de medidas cautelares, aplicação de medidas assecuratórias e outras providências.
De acordo com o art. 155 do CPP considera-se prova apenas aquelas produzidas em contraditório judicial e elementos de informação aquelas produzidas no inquérito policial.
O inquérito policial não pode ser considerado como prova, pois se trata apenas de um elemento de informação, mormente porque o inquérito policial não se submete ao contraditório.
A respeito do valor probatório do inquérito policial, o professor Aury Lopes Júnior[2] explica a diferença entre atos de prova e atos de investigação. Lopes Júnior enumera algumas características que diferenciam a prova dos atos de investigação. Por exemplo, considera-se ato de prova aqueles que servem à sentença; que são praticados na presença do Juiz que julgará o processo e que estão a serviço e integram o processo. Já atos de investigação servem a um juízo de probabilidade, pois se prestam para formação da opinio delicti do acusador; não são destinados à sentença e apenas indicam uma probabilidade do fumus comissi delicti e que não se exige a publicidade, contradição e imediação.
Porém, na prática o Juiz tem pleno acesso, durante a instrução probatória da ação penal, aos elementos produzidos no inquérito policial (art. 12, CPP) e muitas vezes os Magistrados acabam condenando alguém com base na mera confirmação dos elementos obtidos na fase extrajudicial, em que pese isso já tenha sido vedado pelo STJ no julgamento do habeas corpus 183.636/ES[3].
Machado aponta que no processo penal brasileiro o Juiz pode valorar a prova de acordo com a livre convicção, “logo, este último poderá muito bem formar a sua convicção e até emprestar um grande peso probante aos elementos do inquérito”[4], porém, Machado adverte que o Juiz não poderá sustentar uma condenação exclusivamente com a prova inquisitorial, mas poderá absolver o réu com base no inquérito policial, tendo em vista a máxima do in dubio pro reo.
O Código de Processo Penal e a Constituição Federal não considerem o inquérito policial como fonte de prova, tal procedimento ainda assim serve para restringir a liberdade de outrem, em razão disso, conforme aponta Aury Lopes Júnior:
O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5º e o inciso IX do art. 93 da nossa Constituição, bem como o art. 8º da CADH, o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação.[5]
Portanto, em que pese exista no aspecto normativo a diferenciação entre a prova produzida no inquérito policial para com a prova judicial, no sentido de que a primeira apenas corrobora elementos indiciários e de informação, de extrema importância destacar que tais indícios se prestam para o oferecimento da denúncia, para medidas cautelares, assecuratórias, quebra de sigilo em geral e outros pedidos que afetam às garantias individuais constitucionais[6].
Os atos de investigação extrajudicial são utilizados no processo como suporte à denúncia e permanecem anexados ao procedimento judicial (art. 12, CPP), de maneira que acabam afetando toda a estrutura constitucional do processo.
Notas e Referências
[1] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 154.
[2] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 331.
[3] A produção da prova testemunhal é complexa, envolvendo não só o fornecimento do relato, oral, mas também, o filtro de credibilidade das informações apresentadas. Assim, não se mostra lícita a mera leitura pelo magistrado das declarações prestadas na fase inquisitória para que a testemunha, em seguida, ratifique-a. 3. Ordem concedida para anular a colheita da prova testemunhal, mediante a regular realização das oitivas, com a efetiva tomada de depoimento, sem a mera reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus n. 183.636/ES, da 6ª Turma, Brasília, DF, 27 de janeiro de 2012, D.J 27 jan. 2012. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=ANULAR+A+COLHEITA+DA+PROVA+TESTEMUNHAL&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 13 mar. 2020.
[4] MACHADO, Antônio Alberto. Curso de Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Atlas S.A, 2014. p. 122.
[5] LOPES JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 333.
[6] “Por outro lado, incoerentemente, sustenta-se que eventuais vícios existentes na instrução prévia não contaminariam a ação penal, pois o inquérito policial seria peça simplesmente informativa e não probatória. Ora, tais linhas argumentativas são inconciliáveis. Se os elementos probatórios decorrentes do inquérito policial são aproveitados na ação penal, ele deixa de ser apenas informativo e as irregularidades porventura existentes na fase preliminar maculam também o processo.” MACHADO, André Augusto Mendes. A Investigação Criminal Defensiva. 2009. Dissertação (Mestre em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 43.
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