“Vacinas, reserva do possível fática e um possível eficiente”

21/12/2020

Muitas manchetes indicam que ‘países ricos compraram todas as vacinas disponíveis’, que ‘o instituo Butantan conseguirá produzir um milhão de doses de vacina por dia’, etc.
O que tais notícias indicam?
Para imunizar mais de 7 bilhões de pessoas, faz-se necessário, basicamente, dois elementos que estão distantes do controle absoluto do homem:
i) tempo;
ii) espaço.
Ora, a partir do momento que foi alcançada uma fórmula científica de vacina minimamente segura, o cronômetro para sua aplicação nas pessoas que serão imunizadas é iniciado.
Contudo, deve-se considerar que, para que tal fórmula tenha eficácia prática, uma série de providências políticas, obrigacionais, econômicas, logísticas (dentre outras), precisam ser tomadas, coordenadamente entre os atores responsáveis pelo bem estar e pelo desenvolvimento humano, atualmente.
De forma geral, considerando a proporção global da pandemia da COVID-19, os principais atores responsáveis por tais deveres de imunização de seus cidadãos são os países de alguma forma afetados pela pandemia.
Porém, o destaque a reflexão aqui é o seguinte: morrerão ainda mais pessoas em razão dos elementos não passíveis de controle absoluto dos representantes dessas nações?
Isso é, caso respondamos de forma positiva a questão anterior, será que a correspondente responsabilização de agentes públicos - pelo menos, no Brasil - estará limitada ao aspecto “possível” de gestão da vacinação da população?
Ou, tendo em vista as novas características apresentadas pela pandemia da COVID-19, tais agentes públicos que possuem o dever de providenciar a adequada (breve e eficaz) imunização da população brasileira poderão ser responsabilizados por elementos que não estão sobre o seu controle absoluto?
Por exemplo, caso, eventualmente, comprovem que fizeram um ótimo plano nacional de vacinação e demonstrem que tal plano funciona maravilhosamente bem na realidade concreta de todo o país. Contudo, mesmo assim, pessoas morram de COVID-19 em razão de algo absolutamente incontrolável, como o tempo e o espaço, há possibilidade jurídica de promover a responsabilização de tais agentes?
Como imaginar que a população de grandes centros urbanos será vacinada com a mesma eficiência do que a população de lugares desprovidos de infraestrutura mínima para o transporte e a aplicação de tais vacinas?
Aparentemente, nesse exemplo estaria uma possível ocorrência da “reserva do possível fática”, que indica que, mesmo aplicando os melhores esforços razoáveis e proporcionalmente possíveis, por questões fáticas insuperáveis, o objetivo esperado não foi passível de ser alcançado por quem deveria tê-lo realizado.
Aparentemente, então, há uma salvaguarda “garantida” para os gestores brasileiros.
“Só que não”.
De fato, não é razoável imaginar que uma pandemia nessas proporções ocorreria e que, assim, por problemas de infraestrutura seculares do Estado brasileiro, ainda mais pessoas morreriam em razão da COVID-19.
Contudo, é de simples constatação que a falta de zelo com a infraestrutra logística nacional, apenas como um dos possíveis exemplos, é o suficiente para se demonstrar o nexo causal entre várias mortes decorrentes da COVID-19 e o sucateamento notório da máquina pública que deveria promover o desenvolvimento dos cidadãos, não seus respectivos assassinatos.
Logo, para o gestor público da crise da pandemia no Brasil, “reserva do possível fática” não é ‘desculpa’, tampouco justificativa jurídica minimamente sustentável.
Aliás, o foco é evitar mais mortes. Então, o tempo e o espaço, se incontroláveis de forma absoluta, que sejam contornáveis, na medida do “possível eficiente” (conceito esse de fácil compreensão de todos), por meio de um terceiro elemento humano: agilidade/ velocidade.
Se está longe e demora para chegar a vacina, boa vontade, criatividade e comprometimento certamente diminuirão os desafios impostos pelo tempo e pelo espaço.
Para tanto, a ciência política deve ser usada para políticas de Estado, não de governo.
Evitar mais mortes é dever e, caso não atendido por quem competente para tanto, deve gerar responsabilização civil, criminal e administrativa.
Para nós, o dever de cobrar o bem feito e a responsabilização decorrente do mal feito, tampouco é opção, mas, sim, obrigação.
 
 
 

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