Quando se pensou em elaborar uma nova codificação processual civil para o Brasil, a comissão encarregada pela elaboração do seu anteprojeto, lá no ano de 2010, buscou, durante toda sua confecção, aplicar cinco primordiais objetivos, quais sejam: 1) “estabelecer expressamente e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal”; 2) “criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa”; 3) “simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como por exemplo, o recursal”; 4) “dar todo rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado”; e, por fim, 5) “imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão”.[1]
Para a discussão aqui proposta, interessa-nos o terceiro objetivo, ou seja, simplificar e resolver problemas existentes em subsistemas, como o sistema recursal do Código de Processo Civil.
Ao bom estudioso, a mera leitura comparativa entre o vigente código e o código revogado faz observar que se alcançou tal objetivo. Poderia ter sido melhor? Poderia! Todavia, essa discussão fica para outro artigo. Prosseguimos.
Curioso é que, além dessa simplificação de problemas e redução da complexidade de subsistemas, apresentou-se uma preocupação real pela redução significante de recursos interpostos (especialmente nos Tribunais Superiores), isso com uma finalidade: empregar maior celeridade à prestação jurisdicional, todavia sem descuidar da segurança jurídica e do direito ao efetivo contraditório.[2]
O problema é quando o “feitiço se vira contra o feiticeiro”, o que, de certo modo, percebo aqui, conforme ficará claro ao decorrer desta discussão.
Uma das formas de contemplar esse objetivo de drástica redução na quantidade de recursos interpostos, foi modificar o recurso de Agravo de Instrumento (art. 1.015 do CPC), dando-lhe um novo perfil, o qual pode ser resumido como taxativo e irrecorrível de imediato em alguns casos.
Mesmo havendo posições para todos os lados quanto ao caráter contido no rol do art. 1.015 do CPC, se taxativo ou meramente exemplificativo, cumpre destacar que a posição doutrinária majoritária é a de que se trata de um rol taxativo, admitindo-se a recorribilidade de imediato de apenas as situações contidas em cada inciso daquele artigo. Penso que nos objetivos propostos para o Código de Processo Civil de 2015, não poderia ser outra senão essa posição, todavia, sua rigidez me preocupa.
O “X” da questão é que se a decisão judicial em questão não estiver prevista como uma das hipóteses agraváveis, não significa dizer que a mesma está preclusa, pelo contrário, cria-se, com o vigente código, um mecanismo que visa acobertar essas hipóteses, possibilitando-as de serem arguidas em sede de preliminar de recurso de apelação (art. 1.009, § 1º, do CPC). Aqui a minha preocupação.
Imaginemos, por exemplo, que determinada decisão interlocutória não seja agravável (isso numa análise estrita do texto do art. 1.015 do CPC), não há a preclusão do inconformismo com a referida decisão na medida em que poderá ser suscitado em sede de preliminar de recurso de apelação (art. 1.012 do CPC), todavia, caso esse último recurso venha a ser provido e reconhecida a tese acerca da impugnação da decisão que não pode ser agravada muito antes no momento da interposição do recurso de apelação, tal questão será reformada, correndo-se o risco até do processo ser anulado até o momento daquela decisão que poderia ter sido agravada num olhar mais flexível do art. 1.015 do CPC.
Aí eu pergunto, como que fica a razoável duração do processo nessa história?
Não poderia falar de processo sem pontuar que, numa visão contemporânea, o termo “efetividade jurisdicional’ é algo que está constantemente em voga, afinal, mais do que um mero processo, deve servir como instrumento que atinja a real pretensão para com o direito material, especialmente quando versar sobre direitos fundamentais.
A efetividade jurisdicional está ligada diretamente ao presente caso.
Sua definição, no entanto, é algo relativamente abstrato, haja vista que sua compreensão – e até mesmo sua obtenção – decorre de um conjunto de características do processo (especialmente em um cenário neoconstitucional), como efetivo contraditório (art. 9º do CPC), paridade no tratamento dos jurisdicionados da relação processual (art. 7º do CPC), proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência (art. 8º do CPC), fundamentação adequada (art. 11 do CPC), boa-fé (art. 5º do CPC), duração razoável do processo (art. 4º do CPC), dentre tantos outros que aqui poderiam ser apresentados.[3]
Veja-se, a efetividade da tutela jurisdicional tem ligação direta para com a duração razoável do processo, ou seja, carecendo dessa duração razoável, não vejo o processo como atingindo o grau de efetividade que dele se espera (ou pelo menos esperaria), como no exemplo meramente hipotético apresentado a alguns parágrafos.
Se desde o início, ou seja, no momento da prolação da respectiva decisão judicial que não comporta a interposição de agravo de instrumento fosse possibilitado recorrer, de fato, talvez – e quase que certo – o processo não perduraria tanto quanto agora terá de perdurar (ter de ser feito todo o iter processual novamente).
Aqui não se faz menção ao termo “celeridade processual”, mas “prazo razoável”, afinal, isso se dá por um simples motivo, não existe um “princípio da celeridade” (ressalvadas as disposições contidas em leis especiais, como é o caso da Lei dos Juizados Especiais), afinal, o processo não tem de ser rápido, isso é uma falsa premissa, mas deve “demorar o tempo necessário adequado à solução do caso submetido”.[4]
A preocupação que se tem pelo prazo razoável do processo, em choque à taxatividade do art. 1.015 do CPC, se dá na proporção de que a análise estrita dos incisos desse artigo poderá gerar dilações processuais desnecessárias, quando não indevidas.
Dessa forma, a análise do rol do art. 1.015 do CPC como sendo estritamente taxativo, mesmo que indiretamente, resulta, em certo ponto, numa demora processual desnecessária (com base no exemplo acima exposto), ou seja, numa dilação indevida que decorre do apego exacerbado ao texto processual sem o seu confronto à prática, o que vai em contrariedade com as perspectivas contemporâneas do processo[5] e acarreta na sua formalização desnecessária[6], inclusive, e na maioria dos casos, afetando o direito material buscado pelos jurisdicionados.
Esse problema resultaria, também, no retorno do mandado de segurança contra atos do processo, o que agravaria ainda mais a situação aqui exposta, afinal, de determinada questão que não foi analisada em confronto com a prática, deu-se início a mais um processo.[7]
Há a necessidade de observar até que ponto a rigidez do rol do art. 1.015 do CPC é positiva, com isso quero dizer, até que ponto ela não prejudicará a duração razoável que espera para o processo.
Referências
ARENHART, Sério Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. 3ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, v. I.
BAHIA, Alexandre Melo Franco; NUNER, Dierle; PEDRON, Flávio Quinaud; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Novo CPC: Fundamentos e sistematização. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. I.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Apontamentos sobre o novíssimo sistema recursal. In: Revista de Processo. Vol. 250/2015. p. 265-286. Dez/2015.
PARENTONI, Leonardo Netto. A celeridade no Projeto do Novo CPC. In: Revista da Faculdade de Direito UFMG. Belo Horizonte. n. 59, p. 123 a 166, jul./dez. 2011.
[1] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 56-57.
[2] PARENTONI, Leonardo Netto. A celeridade no Projeto do Novo CPC. In: Revista da Faculdade de Direito UFMG. Belo Horizonte. n. 59, p. 123 a 166, jul./dez. 2011, p. 3.
[3] ARENHART, Sério Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. 3ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, v. I.
[4] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. I, p. 96.
[5] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. I, p. 96.
[6] BAHIA, Alexandre Melo Franco; NUNER, Dierle; PEDRON, Flávio Quinaud; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Novo CPC: Fundamentos e sistematização. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
[7] OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Apontamentos sobre o novíssimo sistema recursal. In: Revista de Processo. Vol. 250/2015. p. 265-286. Dez/2015, p. 3.
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