A sétima constituição brasileira está na ‘crise dos trinta’. Já se foi o tempo de amadurecer, tenha(mos) ou não feito isso. Algumas conquistas. Diversas derrotas. Ela começa a se perguntar pela primeira vez quanto tempo lhe resta para cumprir(mos) suas promessas. Talvez não muito, a depender das contínuas agressões do ‘homem econômico’.
Este, embora relativamente complexo, pode ser resumido por dois atributos. Ele é um maximizador da utilidade para seu próprio bem-estar; ele é o infalível juiz de suas preferências. Ele escolhe o que prefere, prefere o que quer, quer o que deseja, e deseja o que maximiza seu bem-estar subjetivo. Ele é, contudo, incapaz de fazer comparações intersubjetivas, sejam de utilidade, moralidade, política, etc. Desprovido, pois, de qualquer empatia.
O homem econômico tupiniquim tem ganhado muita força nos últimos anos. Diz ele que levanta a bandeira da liberdade. Uma liberdade alcançada somente com o sacrifício de partes vitais da constituição brasileira, como os seus direitos sociais, difusos e coletivos. Em sua companhia, a constituição é Júlia, a mulher de trinta anos de Honoré de Balzac, presa a um mundo mesquinho e limitado – do mercado e da competição. O homem econômico diz que a culpa da miséria brasileira é dela. Chega a acusá-la de comunista ou fascista, veja só. Ele já lhe arrancou alguns pedaços. ‘Congelou’ outros… E pode fazer muito mais.
Mas talvez não seja o fim. É que a ‘mulher literária’- assim como o homem econômico - está conquistando seu espaço nas terras brasileiras. Em contraste àquele, esta veio provar que não somos unimotivacionais. Não buscamos sempre o nosso bem. Ela, como qualquer um, pode ser egoísta, mas também altruista, sádica, autômata, masoquista, opressora e talvez, por que não, submissa. Seu caráter multivacional caçoa do solipsismo de mão única do homem econômico.
Enquanto para a mulher literária o raciocínio utilitarista-solipsista é de menor importância, o exercício da empatia – algo impossível ao homem econômico – constitui sua habilidade fundamental. Ela nos mostra que ao ler ou ouvir uma estória elaboramos comparações intersubjetivas, inclusive de utilidade, mas também de moralidade, especialmente em relação a experiências que não tivemos ou nunca teremos. Ela possui uma habilidade virtualmente infinita de compreender a subjetividade do outro, até mesmo quando tal empatia é mais dificultada, como nos casos entre ricos e pobres, mulheres e homens, negros e brancos, jovens e velhos, homossexuais e heterossexuais.
Enquanto o homem econômico só ensina a calcular, a mulher literária oferece a capacidade de compreender, o que equivale a sair do utilitarismo-solipsista e adentrar em um âmbito hermenêutico por excelência. Isso é abrigo e consolo à constituição, e a quem ainda a respeite. A figura da mulher literária serve como contraponto ao homem econômico porque prova que através da literatura podemos compreender os outros, inclusive os mais distantes, algo essencial para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária*.
*(Inspirado no artigo lançado por Robin West no mesmo ano da promulgação da constituição federal brasileira, intitulado Economic man and literary woman: one contrast, disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1846812).
Imagem Ilustrativa do Post: Constituição // Foto de: Gil Ferreira/Agência CNJ // Sem alterações
Disponível em: https://flic.kr/p/nZvST8
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode