UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE O USO DE PROVAS SOBRENATURAIS NA ÁFRICA: SASSYWOOD, A ORDÁLIA NA LIBÉRIA ATUAL

11/09/2019

Dedico aos leitores, viajantes e desbravadores solitários que não se desencantaram do mundo.

“O tempo da vida humana: um ponto. Sua substância: um fluxo. Suas sensações: trevas. Todo o seu corpo: corrupção. Sua alma: um redemoinho. Sua sorte: um enigma. Seu renome: uma cega opinião. Resumindo, tudo, em sua matéria: precariedade. Em seu espírito: sonho e fumaça. Sua existência: uma guerra, a etapa de uma viagem. Sua glória póstuma: esquecimento.

Que nos pode então servir de guia? A filosofia, apenas isso. ”

Caesar Marcus Aurelius Antoninus Augustus, Meditações

O presente estudo tem como objetivo analisar historicamente a sassywood, modalidade de ordália por ingestão de veneno, em uso ainda hoje na Libéria, país da África Ocidental. A ordália, em termos gerais, é um tipo de prova judicial também conhecida como “Juízo de Deus”, que serve para determinar a culpa ou inocência do acusado por meio de experiências com elementos naturais. É aplicada dentro de um contexto solene e religioso, utilizando fogo, água ou ingestão de substâncias.

O resultado é considerado como prova de intervenção divina e aceito de forma praticamente unânime dentro da comunidade. Apesar de ser conhecida pelo grande público como um fenômeno restrito à Idade Média, esse tipo de procedimento teve o primeiro registro na Antiguidade, na região da Mesopotâmia, e ainda é utilizado hoje em dia em alguns países africanos e asiáticos.

A questão-problema que orienta a pesquisa é relativa à implicação legal, eficácia jurídica e legitimação popular da sassywood como meio de prova na resolução de conflitos na Libéria, observando a conjuntura histórica e social da região. É curioso, em pleno século XXI, existir procedimento judicial tão antigo ainda em pleno funcionamento – mesmo após proibição oficial e ataques de organizações internacionais.

 O estudo trabalha com a hipótese de que esta ordália, dentro do seu propósito, é relativamente eficaz em separar inocentes dos culpados. A solenidade coletiva, que tem resistido há séculos, fortalece o consenso, a paz e os laços da sociedade na qual é adotada. Na ausência de uma cultura jurídica ocidentalizada e instituições estatais fortes, os meios tribais e historicamente enraizados de administrar a justiça ainda são vistos com grande aceitação pela população.

O objetivo da pesquisa é revelar esse peculiar meio de evidência judicial que, por sua obscuridade ou distanciamento temporal e geográfico, é relegado a mera curiosidade pontual no ensino jurídico. Outro ponto é diminuir a pretensão e arrogância que o olhar contemporâneo tem sobre os costumes, hábitos e modos tradicionais das civilizações antigas ou de países menos desenvolvidos, enxergando-os de forma atrasada e irracional – embasados pela ideologia de que o tempo histórico anda acompanhado do progresso. Muitas vezes, é justamente o passado que oferece as mais sábias lições ao homem moderno de memória curta.

Na primeira parte é visto o conceito aprofundado da ordália, a natureza jurídica, a extensão histórica, as modalidades de realização e alguns casos históricos. É revelado que as ordálias existem desde o início das civilizações, já com os primeiros ordenamentos jurídicos escritos, e que seu método de execução está relacionado aos elementos culturais e simbólicos de cada comunidade.

Na segunda parte é estudada a história da Libéria e o seu contexto histórico, cultural e judicial. Explica a ausência de instituições estatais e o efeito da pobreza e guerras civis que levaram a falta de efetividade do poder jurisdicional.

Na terceira parte será analisada a ordália sassywood, a cerimônia em seu rito solene, a preparação do veneno, a execução e os possíveis desdobramentos. Examina a implicação legal, eficácia jurídica e o acolhimento popular da ordália, além dos efeitos sociais na comunidade. Aprofunda também o antagonismo entre a justiça local, enraizada no ethos tribal tradicional, a justiça oficial, de raiz ocidental, e os mecanismos psicológicos que levam ao resultado da experiência.

Como procedimento metodológico, a partir do método dedutivo, é utilizado a pesquisa bibliográfica, através da revisão da literatura sobre o tema.

2 ORDÁLIA

A palavra “Ordália”, adotada no vernáculo português, vem do Anglo-Saxão “ordǣl”, que significa “julgamento, veredito” e cuja origem mais antiga é o termo “uzdailjam” da língua proto-germânica que se traduz por “o que está tratado”. O termo latino equivalente, e muito usado durante a Idade Média, é “judicium Dei”, que significa “Juízo de Deus”.

A Ordália é um meio de prova usado em um processo de disputa para determinar se o acusado é inocente ou culpado, submetendo-o a experiências de risco com elementos provenientes do meio ambiente – geralmente o fogo, água ou ingestão de venenos naturais. Acompanhado do juramento e do testemunho, a ordália constitui o principal meio para alcançar uma decisão. Segundo José Domingues (2012) esse fenômeno representa a instrumentalização da justiça de Deus a serviço do processo judicial dos homens, originando um verdadeiro milagre judicial. O homem, ao reconhecer a sua incapacidade de alcançar a verdade, invoca Deus através dos ritos e interpretação de sinais para que Ele se pronuncie sobre a culpabilidade do acusado.

Essa forma de estabelecer a responsabilidade do acusado tem como pressuposto a crença religiosa da comunidade no qual o teste é realizado. Não só a fé é necessária, mas a certeza coletiva da perfeição divina – pois Deus (ou deuses, elementos espirituais, antepassados, dependendo do contexto local) tem onisciência e não deixaria um inocente ser reprovado, nem que para isso tenha que subverter a previsibilidade das leis físicas. O litígio não era solucionado pelos homens ou pelo sistema judicial tradicional, mas pelo elemento sobrenatural.

Na maioria dos casos, o presidente do processo era relegado a um papel secundário garantindo tão somente o controle do ritual e se abstendo da valoração das provas. Segundo Carl Mittermaier (1997, p.17): “Este sistema constitui meio de prova decididamente formal, obrigando o juiz, embora com convicção diretamente contrária ao resultado de tal, a aceitar esse resultado como base e motivo decisivo de sua sentença”. Não há relatos da atuação de advogados ou investigação preliminar pela autoridade. Pela própria natureza do teste, a ordália não tolera o contraditório. Na incapacidade de a autoridade judiciária provar a culpa do acusado, era este que deveria provar a sua inocência – exatamente o contrário do que está previsto nos modernos ordenamentos jurídicos. Aplicava-se a ordália, geralmente, em casos que não havia testemunhas ou indícios de autoria suficiente, apenas acusação oral. Como afirma o jurista Nilo Batista (2002, p.47):

O direito germânico praticou largamente a ordália, porque nenhum outro meio de prova se prestava tão completamente a extrair dos fatos incognoscíveis uma orientação sobre o futuro do acusado e do grupo, para transcender a ruptura que o crime provocara na paz. [...] a resistência das mãos humanas foi indubitavelmente experimentada muito mais por decisões judiciais e policiais que pelo juízo de Deus. Teriam as sociedades contemporâneas cristãs ocidentais renunciado à intervenção cotidiana da providência divina? Podemos ‘botar a mão no fogo’ pelo desaparecimento do costume de interpretar acontecimentos como manifestações superiores de graça, ou de invocar auxílio e proteção de Deus diariamente, e pelos mais variados empreendimentos? [...] A ordália é o ponto de partida de toda paleografia da dúvida judicial, dúvida que começa pela (in)competência do juízo humano, prossegue na polissemia das condutas desviantes e culmina na frequência com que os fatos costumam esquivar-se à reconstrução probatória

O historiador Peter Brown (1975) descreve o sistema das ordálias como um meio de prova capaz de garantir o consenso e evitar rupturas sociais através do emprego de rituais e invocação da autoridade sobrenatural. O aspecto teatral e místico causava grande impacto no imaginário da população e legitimava uma espécie de justiça comunitária reforçando a crença religiosa coletiva. A ordália funcionava porque a principal célula social, na época, era a família e a justiça era uma questão privada. Não existia um Estado organizado e detentor do monopólio da força para fazer prevalecer a Justiça. Somente com a legitimidade de uma autoridade divina os conflitos se resolviam, pois só ela se situava simbolicamente acima das partes em litígio.

Existem várias modalidades para realizar uma ordália.  Cada cultura ou época se utilizou dos meios acessíveis ou culturalmente relevantes. As ordálias realizadas com o uso de fogo foram populares em várias culturas ao redor do mundo – Pérsia, Índia e Europa Medieval. O simbolismo universal desse elemento de natureza purificadora e renovadora se aliava a novos significados locais. A água, por ser um elemento facilmente presente e de fácil manipulação, também se tornaria um meio usual. O significado místico relacionado à limpeza, renovação e purgação dos pecados era invocado para legitimar a decisão.

2.1 Ordálias na Antiguidade

Os registros iniciais de uso da ordália foram encontrados nas civilizações da Antiga Mesopotâmia, no período da Antiguidade, inscritos nos primeiros códigos legais da história da humanidade.  Essa forma de sistematização e codificação das normas representou um grande avanço na aplicação das leis e estabilidade social. Antes disso, prevalecia os costumes e tradições orais como fontes jurídicas, causando arbitrariedades e insegurança dentro da comunidade.                    

O código Ur-Nammu, criado por volta de 2.100 a.C, é o ordenamento jurídico escrito e organizado mais antigo do mundo. Foi descoberto nas ruínas dos templos dedicados ao imperador Ur-Nammu, reunificador da Mesopotâmia e famoso pela construção de monumentos e vitórias militares. A lei 14, talhada em pedra, determina que se um homem acusar a esposa de outro de promiscuidade e a ordália do Rio Sagrado a inocentar, o acusador deverá pagar moedas de prata ao acusado.

Os povos da Mesopotâmia acreditavam que o rio Eufrates, referido nos códigos como Rio Sagrado, tinha natureza religiosa, imaculada e mística e que, por isso, nunca poderia julgar errado. O acusado deveria se jogar no rio. Se afundasse, era considerado culpado, e flutuando, inocente.

O Código de Hamurabi, mais conhecido do que o seu antecessor Ur-Nammu, foi escrito por volta de 1.700 a.C, no período do reinado de Hamurabi e descoberto somente em 1901 pela expedição do arqueólogo francês Jacques de Morgan. O princípio orientador era conhecido como a “lei do talião”, que fundamentava a pena pela reciprocidade da ofensa e que, indiretamente, impedia a desproporcionalidade da punição aplicada. É a forma mais antiga de resolução de disputas na história do direito. Três leis do código demonstram o uso da ordália:

2. Se alguém fizer uma acusação a outrem, e o acusado for ao rio e pular neste rio, se ele afundar, seu acusador deverá tomar posse da casa do culpado, e se ele escapar sem ferimentos, o acusado não será culpado, e então aquele que fez a acusação deverá ser condenado à morte, enquanto que aquele que pulou no rio deve tomar posse da casa que pertencia a seu acusador.

108. Se uma dona de taverna não aceitar grãos de acordo com o peso em pagamento por bebida, mas aceitar dinheiro, e o preço da bebida for menor do que o dos grãos, ela deverá ser condenada e atirada na água.

132. Se o "dedo for apontado" para a esposa de um homem por causa de outro homem, e ela não for pega dormindo com o outro homem, ela deve pular no rio por seu marido.

Na Bíblia, o livro Números, do Antigo Testamento, menciona o ritual Sotah como ordália a ser realizada em caso de suspeita de adultério. Se acredita que foi escrito por volta de 1470 a.C, depois, portanto, dos códigos mesopotâmicos. Procedimentos detalhados sobre o ritual, também conhecido como “águas da amargura”, foram posteriormente relatados no Talmude, compilação antiga de estudos teológicos judaicos.

Esta ordália ocorria quando uma mulher suspeita de adultério deveria consumir uma água de sabor amargo e baseado nos efeitos da ingestão se constataria a culpa ou inocência da acusada. O Sotah é relatado nos seguintes versículos (Números, 5:11-31):

Então o Senhor disse a Moisés:  "Diga o seguinte aos israelitas: Se a mulher de alguém se desviar e lhe for infiel, e outro homem deitar-se com ela, e isso estiver oculto de seu marido, e a impureza dela não for descoberta, por não haver testemunha contra ela nem ter ela sido pega no ato; se o marido dela tiver ciúmes e suspeitar de sua mulher, esteja ela pura ou impura, ele a levará ao sacerdote, com uma oferta de um jarro de farinha de cevada em favor dela. Não derramará azeite nem porá incenso sobre a farinha, porque é uma oferta de cereal pelo ciúme, para que se revele a verdade sobre o pecado.

O sacerdote trará a mulher e a colocará perante o Senhor. Então apanhará um pouco de água sagrada num jarro de barro e colocará na água um pouco do pó do chão do tabernáculo. Depois de colocar a mulher perante o Senhor, o sacerdote soltará o cabelo dela e porá nas mãos dela a oferta memorial, a oferta pelo ciúme, enquanto ele mesmo terá em sua mão a água amarga que traz maldição. Então o sacerdote fará a mulher jurar e lhe dirá: Se nenhum outro homem se deitou com você e se você não foi infiel nem se tornou impura enquanto casada, que esta água amarga que traz maldição não faça mal a você. Mas, se você foi infiel enquanto casada e se contaminou por ter se deitado com um homem que não é seu marido - então o sacerdote fará a mulher pronunciar este juramento com maldição - que o Senhor faça de você objeto de maldição e de desprezo no meio do povo fazendo que a sua barriga inche e que você jamais tenha filhos. Que esta água que traz maldição entre em seu corpo, inche a sua barriga e a impeça de ter filhos. "Então a mulher dirá: Amém. Assim seja. 

O sacerdote escreverá essas maldições num documento e depois as lavará na água amarga. Ele a fará beber a água amarga que traz maldição, e essa água entrará nela, causando-lhe amargo sofrimento. O sacerdote apanhará das mãos dela a oferta de cereal pelo ciúme, a moverá ritualmente perante o Senhor e a trará ao altar. Então apanhará um punhado da oferta de cereal como oferta memorial e a queimará sobre o altar; depois disso fará a mulher beber a água. Se ela houver se contaminado, sendo infiel ao seu marido, quando o sacerdote fizer que ela beba a água que traz maldição, essa água entrará nela e causará um amargo sofrimento; sua barriga inchará e ela, incapaz de ter filhos, se tornará objeto de maldição no meio do seu povo. Se, porém, a mulher não houver se contaminado, mas estiver pura, não sofrerá punição e será capaz de ter filhos. 

Esse é, pois, o ritual quanto ao ciúme, quando uma mulher for infiel e se contaminar enquanto casada, ou quando o ciúme se apoderar de um homem porque suspeita de sua mulher. O sacerdote a colocará perante o Senhor e a fará passar por todo esse ritual. Se a suspeita se confirmar ou não, o marido estará inocente; mas a mulher sofrerá as consequências da sua iniquidade.

Existem relatos de que os gregos, na Antiguidade, tinham conhecimento e esporádico uso das ordálias, mas não há indícios de que incorporaram oficialmente a seu sistema jurídico. Em Antígona, peça clássica de Sófocles escrita em 442 a.C, Creonte, rei de Tebas, ordena que o cadáver do seu inimigo político Polinice ficasse sem cerimônias fúnebres e exposto à ação de aves de rapina e cães como forma de humilhação final. Um dos guardas encontra posteriormente o corpo enterrado, contrariando o decreto, e informa ao soberano do fato. Quem havia enterrado era Antígona, irmã de Polinice, mas o rei suspeita que tenha sido o guarda, corrompido por suborno, que indignado pela acusação se dispõe a passar por uma ordália para provar sua inocência. Sófocles (2005, p.18-22) narra a cena:

O GUARDA

Nesse caso, eu falo. Um desconhecido acaba de sepultar o corpo de Polinice, e desapareceu, depois de ter depositado terra seca sobre a sepultura, realizando os ritos necessários.

CREONTE

Que dizes tu? Quem teve tamanha au­dácia?

O GUARDA

Não sei! Em parte alguma se ouviu a pancada da enxada, ou de cavadeiras; a terra é dura e seca, sem fendas, sem sinal das rodas; o culpado não deixou vestígios. Quando o primeiro guarda do dia ia entrar em serviço, descobriu o que estava feito, e todos nós ficámos estarrecidos pela surpresa! Nós, os guardas, proferimos recíprocas injúrias, cada qual acusando os demais, agredindo-nos mutuamente, sem que surgisse alguém para nos acalmar. [...] Já nos dispúnhamos a tomar nas mãos o ferro em brasa, e a saltar sobre o fogo, a fim de jurar pelos deuses como nenhuma culpa nos cabia... que não sabíamos quem ordenou, nem quem executou aquilo. [...] Eis por que venho à tua presença, bem contra a minha e a tua vontade, visto que ninguém gosta de um portador de ruins notícias.

O CORIFEU

Ó príncipe... Não teriam os deuses resolvido que isso acontecesse? É o que estou pensando desde algum tempo...

CREONTE

[...] Por acaso já viste honrarem os deuses a criminosos? Seria absurdo! Mas, das ordens que hei dado tem havido, desde alguns tempos, cidadãos que as ouvem de má vontade, e, logo que delas têm conhecimento, murmu­ram contra mim, sacodem a cabeça, às ocultas, em sinal de desacordo, e não querem sujeitar-se, como convém, à minha autoridade. Foram esses, eu sei muito bem! — os que corromperam os guardas, e os induziram a fazer o que fizeram! Não há, para os homens, invenção mais funesta do que o dinheiro! Ele é que corrompe as cidades, afasta os homens de seus lares, seduz e conturba os espíritos mais virtuosos, e os arrasta à prática das mais vergonhosas ações! Em todos os tempos tem ensinado torpezas e impie­dades! Quem quer que haja premeditado esse crime, mais cedo, ou mais tarde, será punido! [...] Os ganhos ilícitos têm causado muito maior número de prejuízos, do que de vantagens!

Não consta no Império Romano, antes das invasões das tribos germânicas, registros de ordálias em seu ordenamento jurídico. O direito romano era extremamente avançado para a época, com sistemas bem definidos e racionais para aferir o valor das provas e averiguar a culpabilidade dos acusados. 

Na Pérsia, durante a Antiguidade e Idade Média, há várias provas da ocorrência das ordálias, principalmente realizadas pelo fogo – que nessa cultura o tinha como elemento sagrado, considerado expressão visível das divindades. A historiadora Mary Boyce (2001) afirma que eram aplicadas em casos de perjúrio e quebra de contrato. Existiam aproximadamente trinta modalidades diferentes de realização do teste, como caminhar pelo fogo ou ter metal derretido despejado no corpo. A morte seria prova de culpa e caso o acusado sobrevivesse se considerava uma intervenção do deus Mithra para atestar a inocência. 

No Sudeste Asiático foram encontrados registros de ordálias realizadas onde o acusado e o acusador submergiam na água prendendo a respiração. Aquele que perdesse o fôlego primeiro e subisse à tona era considerado culpado e mentiroso nas suas alegações. 

Existe farta documentação histórica que o uso de ordálias na Índia foi bastante difundido e duradouro. O livro Ramayana, poesia épica da mitologia hindu, escrito em sânscrito por volta de 500 a.C,, narra uma famosa ordália.

Sita é a esposa de Rama, manifestação corporal do deus Vishnu. Os três são importantes divindades da mitologia e da religião hindu. Ela é sequestrada pelo demônio Ravana. Quando é resgatada pelo marido, ele duvida da sua castidade durante o longo período de cativeiro. Sita, ultrajada, pede para se submeter a ordália pelo fogo. Declara que se foi fiel ao marido não se queimaria. Enquanto caminha pelo fogo, sem nenhum ferimento, as chamas se transformam em flores. Sita prova sua inocência e o marido a aceita de volta.

O comentarista bíblico Adam Clarke (1832) argumenta que esta modalidade de ordália é ainda usada na Índia. Registros antigos se encontram no código de Gentoo, ordenamento consuetudinário que se manteve em vigor por centenas de anos, traduzido somente no século XVIII. O nome hindu para ordália é Purrah Reh, que significa literalmente “juramento”. O acusado juraria sua inocência e a veracidade da sua afirmação seria testada pelo kohi atesh, ou pilha de fogo.

 

2.2 Ordálias na Idade Média Ocidental

No mundo ocidental a ordália foi introduzida como prova judicial de uso sistemático após a queda do Império Romano. A invasão, vitória e consolidação das tribos germânicas ocasionou uma fusão de sistemas jurídicos e culturais. A cristianização e a eficácia do direito latino não foram barreiras suficientes para frear a expansão e aceitação popular da ordália – retrocesso bárbaro aos olhos dos civilizados romanos.

No processo histórico não há garantias de que os vencedores incorporem criações e descobertas dos vencidos, mesmo quando explicitamente mais eficientes e racionais. Hábitos enraizados de natureza tribal e mística dificilmente podem ser extirpados, pois estão sedimentados em uma cosmovisão de mundo completamente diferente.

Foi no período da Alta Idade Média, do século V ao XI, que houve maior incidência das ordálias – por inexistência de um Estado forte e instituições judiciais desenvolvidas.

Em termos gerais, o rito processual na época era de natureza privada. O ofendido ou seu parente fazia uma acusação oral, sob juramento ao juiz, contra o suspeito. Havendo confissão ou provas era dada a sentença. No caso de não haver, invocava-se a ajuda de Deus para fornecer um sinal através da ordália ou era sugerido um duelo com armas, de natureza judicial, entre os litigantes. 

No século XI, aconteceu um famoso caso de “juízo de Deus” envolvendo Ema da Normandia, mãe do rei inglês Eduardo, o Confessor. Casada pela terceira vez, foi acusada de adultério com o bispo de Winchester. Para provar sua inocência se submeteu a uma modalidade popular de ordália anglo-saxônica, onde se colocavam no chão de uma igreja arados de ferro enfileirados aquecidos pelo fogo. A acusada deveria andar descalça sobre eles e sair sem ferimentos, o que fez, segundo ela, com a ajuda de São Swithun, padroeiro da cidade. Foi declarada inocente e reabilitada pelo próprio filho.

A historiadora Eva Tappan (2005) afirma que na teoria era Deus que interferia nos testes para sempre salvar o inocente; na prática, muitas explicações foram sugeridas por estudiosos para justificar o alto número de acusados que passavam pelas ordálias sem ferimentos. Os artefatos usados na experiência, como, bastões ou arados de ferro, eram esquentados no fogo e deixados no chão da igreja para dar início ao ritual da ordália, com longas orações e cerimônias religiosas pedindo a ajuda divina. O tempo da liturgia e o fato de que o ferro ficava em contato com o chão de pedra, que é frio, causava um considerável esfriamento do material, minimizando os danos. Nos casos das experiências se realizarem com água fervente, os padres poderiam fortalecer a pele do acusado com unguentos protetores de queimaduras. Truques e mecanismos ocultos poderiam ser usados pelos administradores das ordálias para inocentar o acusado, se assim quisessem.

Durante a Primeira Cruzada, no ano de 1098, no cerco de Antióquia, Pedro Bartolomeu, monge e soldado, começou a ter visões místicas sobre a relíquia “Lança do Destino”, a arma que teria ferido Cristo durante a crucificação. Seguindo suas visões, escavou o chão de uma igreja local e disse ter encontrado o artefato – o que causou grande comoção e aumento na moral das tropas cruzadas. Visto por muitos céticos como falsificador e charlatão, Bartolomeu se dispôs a passar pela ordália de fogo para provar a veracidade da sua descoberta. Foi construído um caminho cercado por piras de fogo onde ele deveria caminhar intacto com a ajuda de Deus. Relatos históricos do que aconteceu são conflitantes. Há uma versão dizendo que ele teria morrido de queimaduras resultantes da experiência e outra de que teria saído sem ferimentos, mas linchado pela população descrente das suas visões.

No século XV, o frei dominicano Savonarola, líder de um movimento reformista em Florença e que afirmava ter visões místicas, tentou provar a veracidade das suas profecias dizendo que passaria pela ordália do fogo, caminhando sobre ele, e com a ajuda de Deus sairia intacto. Quando foi desafiado a efetivamente realizar o teste, o dominicano recusou-se e um amigo se voluntariou a ir no seu lugar. Todos os preparativos foram feitos e a atenção de Florença estava voltada para esse espetáculo que não acontecia na cidade há muitos anos. Quando o fogo já estava aceso, as partes entraram em um debate teológico sobre a possibilidade de enfrentar a ordália carregando a hóstia consagrada. Foi suspenso o teste, o povo ficou revoltado e Savonarola perdeu rapidamente a influência e terminou sendo executado como herege.

Os inquisidores da Igreja Católica Heinrich Kramer e James Sprenger (1991) relataram um curioso incidente, no século XV, para reforçar a inutilidade das ordálias frente aos poderes sobrenaturais das bruxas e hereges. Na diocese de Constance, perto da Floresta Negra, vivia uma bruxa que era motivo de grande insatisfação popular pelas feitiçarias que realizava. Foi capturada pelo Conde de Fürstenberg, administrador da região, e submetida ao interrogatório e tortura. Para provar sua inocência ela requisitou que fosse submetida a ordália pelo bastão de ferro quente, que consistia em andar três passos carregando o metal incandescente sem graves ferimentos ou queimaduras. O conde, inexperiente nesses assuntos espirituais, consentiu. Ela não só conseguiu andar os três passos, como seis, e se ofereceu para caminhar ainda mais. Terminou sendo libertada pelo Conde da prisão e continuou praticando seus malefícios.

Esse caso foi usado como exemplo para advertir os futuros inquisidores que se uma acusada de bruxaria não confessar e pedir pela ordália o juiz deve negar tal feito e tome este pedido como prova da sua culpa pois é sabido entre as bruxas que o demônio impedirá os ferimentos durante a experiência. Essa recomendação foi estendida aos acusados de outros delitos, pois os criminosos em virtude da íntima familiaridade com forças demoníacas poderiam subverter as leis naturais e manipular os resultados.

A ordália pela cruz, usada principalmente no Império Carolíngio na Alta Idade Média, era realizada quando o acusador e o acusado tinham que manter o braço levantado, em forma de cruz, pelo maior tempo possível. Aquele que desistisse seria considerado culpado, desfavorecido por Deus. Outro teste, segundo Fernando Tourinho (1999, p.240), seria este:

Prova da cruz: quando alguém fosse morto em rixa, escolhiam-se sete rixadores, que eram levados à frente de um altar. Sobre este se punham duas varinhas, uma das quais marcadas com uma cruz, e ambas envolvidas em pano. Em seguida tirava-se uma delas: se saísse a que não tinha marca, era sinal de que o assassino não estava entre os sete. Se, ao contrário, saísse a assinalada, concluía-se que o homicida era um dos presentes. Repetia-se a experiência em relação a cada um deles, até sair a vara com a cruz, que se supunha apontar o criminoso.

A ordália do cadáver, conhecida em inglês como Cruentation e em latim como Ius Cruentationis, era de origem germânica e foi bastante utilizada na Idade Média para provar casos de difícil resolução. O acusado do homicídio deveria colocar a mão sobre o cadáver da vítima. Se o corpo sangrasse ou aparecesse algum sinal estranho, significaria que Deus tinha dado sua sentença: o acusado era o verdadeiro assassino.

Na peça Ricardo III, de William Shakespeare (2008, p.8), escrita em 1592, imortalizou o Cruentation. No ato I, cena II, Ana é a esposa do recém falecido Eduardo, príncipe de Gales que junto com seu pai, Henrique VI, rei da Inglaterra, foram mortos pelo malvado Ricardo III, duque de Gloucester. No cortejo fúnebre do seu sogro, Ana profere a seguinte maldição ao perceber o cadáver sangrando após o assassino se aproximar do caixão para prestar falsas condolências:

Demónio imundo, vai-te por amor de Deus, e não nos atormentes; que da terra feliz fizeste o teu inferno, encheste-a com gritos de maldição e com profundos clamores. Se te deleitas em contemplar teus feitos odiosos, põe os olhos neste exemplo de tua carnificina.

Oh, senhores! Olhai, olhai as feridas do Rei Henrique sem vida abrindo bocas congeladas e de novo sangrando. Vergonha para ti, vergonha, ó tu, massa informe de sórdida disformidade, pois que é tua presença que aqui faz verter o sangue das veias geladas e vazias onde o sangue já não tem morada! O teu feito inumano e contrário à natureza provoca este dilúvio contrário a toda natureza.

Oh, Deus! Tu que criaste este sangue, vinga a sua morte. Oh, terra! Tu que bebes este sangue, vinga a sua morte. Ou que os relâmpagos dos céus se abatam sobre o assassino, ou que a terra se abra e de súbito o devore, tal como tu, ó terra, sorves todo o sangue deste bondoso Rei que seu braço comandado pelo inferno tão cruelmente matou.

Há registros também na Europa medieval de ordálias realizadas usando pão seco e queijo abençoados por um padre, conhecidas em latim como Iudicium Offoe e de uso majoritário pelos anglo-saxões. Outra forma seria usando a hóstia consagrada. Se o acusado se engasgasse, tivesse dificuldade ao engolir ou passasse mal era considerado culpado.  Seria uma prova de que estava mentindo ou que tinha pacto demoníaco, pois um alimento abençoado estava sendo rejeitado pelo corpo do pecador condenado.

Um dos casos emblemáticos de ordália pelo fogo foi retratado pelo pintor Dieric Bouts, célebre artista do período quatrocentista holandês. Pintado no século XV, o quadro “The Ordeal by Fire” retrata um episódio que aconteceu ao imperador Otto III, do Sacro Império Romano Germânico, no século X.

Apesar de dúvidas sobre a exatidão histórica do ocorrido, Jacopo de Varazze, Arcebispo de Gênova e compilador da obra medieval “Legenda Áurea”, relatou que a Imperatriz tinha se apaixonado por um conde e o havia cortejado. O conde, muito fiel à sua esposa e à sua honra, negou os avanços da soberana. Ela, enraivecida e com espírito vingativo, denunciou ao imperador dizendo que ela que fora insolentemente assediada pelo conde. Otto III mandou decapitar imediatamente o homem inocente, que antes de morrer pediu para sua esposa se submeter a ordália do bastão de ferro quente para provar a sua inocência e resgatar sua honra no post mortem. A viúva, segurando a cabeça perdida do falecido marido, solicitou uma audiência com o imperador para se sujeitar ao teste e provar que tudo tinha sido armação da imperatriz mentirosa. Ao perceber que a viúva teve sucesso na ordália e tinha dito a verdade, se deu conta da grande injustiça que cometeu, e para compensar, deu-lhe, então, títulos de nobreza, terras e o prazer de ver a morte da própria imperatriz, queimada viva por suas mentiras.

Mares, rios e lagos eram também usados para realizar os testes. Em uma das modalidades o acusado era jogado na água e se afundasse era considerado inocente – sendo depois içado pelas testemunhas; aquele que flutuava era considerado culpado. Dependendo do contexto e cultura local, poderia ser o inverso. Esse foi um método popular usado esporadicamente até o século XVII, na Europa, para aferir a responsabilidade de mulheres acusadas de bruxaria ou feitiçaria. Estudiosos afirmam que o alto teor de gordura corporal das mulheres – ligadas à sua função reprodutiva - favoreciam a flutuação, sendo considerada culpadas. Homens e crianças afundavam por possuírem menor quantidade de tecido adiposo.

O duelo, como modalidade de ordália de natureza sobrenatural, só entrou em declínio a partir do século XVI. Já o embate de habilidades e técnicas de luta sem o elemento sagrado persistiu por muito mais tempo. No Uruguai, por exemplo, o duelo foi objeto de regulamentação pela lei 7253 de 1920 e só foi formalmente revogado em 1992, havendo nesse intervalo vários confrontos históricos, principalmente entre membros da elite em questões relacionadas à política, assuntos empresariais ou defesa da honra.

Na Idade Média, o duelo era usado em casos que não havia testemunhas ou confissões para disputas relacionadas a terras, dinheiro, honra e crimes graves, como homicídio, perjúrio, traição e deserção. De origem germânica, possui ampla documentação histórica dos milhares de casos que aconteceram. O procedimento era especial, muitas vezes regulado por leis jurídicas que organizava os pormenores do combate. Não há registro histórico de que essa forma de resolver questões judiciais tenha sido utilizada sistematicamente nas civilizações orientais, é algo único do Ocidente. Acreditava-se que Deus enviava ao inocente a força necessária para os golpes e destreza para se defender. Os participantes deveriam estar dispostos a morrerem pela sua causa.

O duelo foi amplamente rejeitado pela Igreja Católica e teve muitos detratores que deixaram sua desaprovação em vários documentos, ressaltando a inutilidade de tantas mortes causadas por questões, muitas vezes, insignificantes baseadas em orgulho e vaidade. Os inquisidores Kramer e Sprenger (1991, p.445) fizeram uma importante distinção entre o duelo e as ordálias:

Há, todavia, uma diferença entre um duelo e o ordálio pelo ferro em brasa ou por água fervendo. O duelo se afigura mais humanamente razoável - por serem os combatentes de força e de habilidade semelhante - do que a prova pelo ferro em brasa. Pois embora o propósito de ambos seja o de descobrir alguma coisa oculta através de um ato humano, no caso do ordálio pelo ferro em brasa busca-se um efeito miraculoso, o que não acontece no caso de um duelo, em que o máximo que pode acontecer é a morte de um ou de ambos os combatentes. Portanto, a prova do ferro incandescente é absolutamente ilícita; não obstante o duelo não o seja no mesmo grau.

Há de reparar-se que, em virtude das palavras de S. Tomás ao fazer a distinção mencionada: [...] Seu primeiro argumento é de que o duelo, como as demais provas pelo ordálio, tem por finalidade o julgamento de algo oculto, que há de ser confiada ao juízo de Deus, como já dissemos. [...] Seu segundo argumento é de que os Juízes devem especialmente observar que num duelo o poder, ou pelo menos uma licença, é dada a cada uma das partes para se matarem. Mas como um dos dois é inocente, tal poder ou licença é dado para que se mate um inocente; e isso é ilícito por ser contrário ao que ditam a lei natural e os ensinamentos de Deus. Portanto, o duelo é absolutamente ilícito, não só por parte de quem a ele apela e por parte de quem lhe responde, mas também por parte do Juiz e de seus conselheiros, que passam a ser todos considerados igualmente homicidas culposos. Em terceiro lugar, acrescenta que o duelo é o combate único entre dois homens, cujo propósito é o de que a justiça do caso se elucide pela vitória de uma das partes, como se fosse por juízo Divino, não obstante uma dessas partes lutar por causa injusta; e é nesse sentido que se desafia a Deus. Portanto, é ilícito pela parte do apelante e do respondente. Mas ao considerarmos o fato de que o Juiz não possui outro meio de chegar a um bom termo na disputa, justo e equânime, caso não se faça uso desse recurso, e recomenda ou mesmo permite o duelo, está a consentir a morte de uma pessoa inocente.

As ordálias, segundo Jeffrey Richards (1993), poderiam ser classificadas como o primeiro método de policiamento comunitário e reflexo de uma administração popular da Justiça. A sua gradual inutilização proporcionou um deslocamento da justiça local para uma espécie de justiça oficial, composta de tribunais estruturados por uma autoridade centralizada. Se antes o crime tinha a natureza privada, de ofensa contra um indivíduo, no novo sistema passou a ser uma ofensa contra toda sociedade - simbolizada pelo rei, e com o castigo proporcional a tal afronta. Operando através do método processual inquisitório, a concentração do poder jurisdicional, levaria mais tarde, ao nascimento das monarquias absolutistas da Idade Moderna.

Partindo do pressuposto do equilíbrio de crenças entre os participantes da ordália e usando a teoria das escolhas racionais, o economista Peter Leeson (2012, p.691) argumenta que as ordálias não eram tão absurdas quanto parecem. Elas foram, na maioria das vezes, eficazes em atingir o seu objetivo. A crença religiosa era tão enraizada que apenas os efetivamente inocentes se dispunham a enfrentar o teste, confiando na proteção divina. O administrador da ordália, geralmente um padre, conhecendo bem o caso, o contexto, os antecedentes do acusado, quantas vezes ia à missa, se participava da comunhão ou tinha outros problemas, poderia direcionar os resultados da experiência. Através de mecanismos ocultos, o padre poderia inocentar ou culpar o acusado - baseado na sua intuição ou conhecimento. Mandar o acusado colocar o braço no caldeirão de água quente um pouco antes da ebulição ou benzê-lo, antes do teste, com água benta misturada a substâncias cicatrizantes seria uma das formas utilizadas para decidir a questão.  

A maioria dos acusados efetivamente culpados, entretanto, confessavam ou faziam acordos antes de passar pela ordália. Era menos custoso e doloroso sofrer a pena justa ou pagar a reparação do que suportar os graves ferimentos e a ira expressa de Deus. 

A ordália e a tortura coexistiram por algum tempo no período medieval, mas não podem ser confundidas. Os julgamentos baseados nos “juízos de Deus”, segundo o historiador Jeffrey Richards (1993), tinham a vantagem de sempre obter um resultado palpável e definitivo, algo que não acontecia nas torturas e no sistema inquisitório que se desenvolveu posteriormente. Geralmente o dano causado pela ordália era consideravelmente inferior ao da tortura e da pena sucedânea da confissão, mesmo que falsa.

Em relação à confissão mediante tortura, o papa Gregório I, no século VI, já havia declarado que seria inválida e assim foi reafirmado no Decretum de Graciano no século XII, instrumento jurídico de fundamental importância no direito canônico. Para muitos, a Igreja e o poder secular ignoravam a própria lei, pois o uso da tortura continuou após a declaração papal. O filósofo Cesare Beccaria (2007, p.37) no seu afã iluminista não fez distinções entre ordálias e torturas:

Esse meio infame de chegar à verdade é um monumento da bárbara legislação de nossos avós, que honravam com o título de “julgamento de Deus” as provas de fogo, aquelas da água fervente e a sorte oscilante dos combates. Como se os elos dessa corrente eterna, a origem da qual reside no seio da Divindade, pudessem ser desunidos ou partir-se a cada momento, ao sabor dos caprichos e das frívolas instituições humanas. A única diferença que existe entre a tortura e a prova de fogo é que a tortura apenas prova o delito quando o acusado quer confessar, ao passo que as provas que queimam deixavam uma marca exterior, tida como a prova do crime.

Contudo, tal diferença é mais aparente do que real. O acusado é tão capaz de não confessar o que se exige dele quanto o era antigamente de obstar, sem fraude, os efeitos do fogo e da água fervente. Todos os atos de nossa vontade são proporcionais à força das impressões sensíveis que os causam, e a sensibilidade de todo o homem é limitada. Ora, se a impressão da dor se faz muito forte para assenhorar-se de todo o poder da alma, ela não deixa a quem a sofre qualquer outra atividade que exercer a não ser tomar, no momento, a via mais curta para obstar os tormentos atuais. Assim o réu não mais deixar de responder, pois não poderia fugir às impressões do fogo e da água. O inocente gritará, então, que é culpado, para que cessem as torturas que já não mais aguenta; e o mesmo meio usado para distinguir o inocente do criminoso fará desaparecer qualquer diferença entre ambos.

Beccaria, criador das bases do Direito Penal da modernidade, lutava por uma mudança de paradigma acerca da pena, buscava uma modernização do sistema e a extinção de métodos supersticiosos.

2.3 O Fim das Ordálias no Ocidente

A Igreja Católica administrava as ordálias oferecendo legitimidade religiosa e controlando indiretamente os rumos das disputas judiciais. Tinha também um importante papel em minimizar e humanizar as consequências dos danos físicos causados pela experiência, além de domar a imprevisibilidade passional da justiça popular, como os frequentes linchamentos. Isso não impediu a forte postura crítica de papas, teólogos e documentos religiosos que buscavam banir esse meio de prova. Segundo José Domingues (2012, p.6):

A partir do século XII, sobretudo, o processo de racionalização da justiça vai insur­gir-se contra estes rudes procedimentos ordálicos. Marques dos Santos destaca o con­tributo decisivo da ciência romano-canónica e da própria Igreja na lide contra estas formas irracionais de obtenção da prova, desde a voz crítica de Agobardo - bispo de Lyon (816-840) e autor do Liber contra iudicum Dei , à insurgência dos papas do século XII, Alexandre III e Celestino III, contra o duelo ou combate judiciário e finalmente o importantíssimo cânon 18 saído do IV Concílio de Latrão, proibiu os clérigos de benzer e consagrar objetos utilizados nesses ritos e de neles participar.

Em 1215, mesmo ano do IV Concílio de Latrão, é registrado na Magna Carta da Inglaterra a instituição do Tribunal do Júri e a prova testemunhal coletiva. O sistema britânico se tornou mais racional e as ordálias entraram rapidamente para os livros de história. Após a retirada da legitimidade da Igreja, a Europa continental desenvolveu um processo penal inquisitorial, centrado nas investigações conduzidas pelos inquisidores que privilegiavam os testemunhos individuais. Segundo Jeffrey Richards (1993), nesse novo sistema um acusado só podia ser condenado com base no depoimento de duas testemunhas oculares ou por confissão. As provas parciais ou circunstanciais não poderiam ser usadas de maneira prejudicial contra o réu.

Sobre a retomada do formalismo processual e a reabilitação do direito latino, Antonio Wolker (2002, p.415) afirma:

A grande  recuperação  do  direito  romano  no  período  medieval  dá-se,  portanto, num sistema político particular. Avultaram, nos séculos XI  e  XII, as disputas entre Igreja e Império, ou entre o  corpus fidelium  e os poderes laicos. Os  juristas tomaram-se intelectuais a serviço  de  uma  nova  ordem,  fosse  ela  a  das  nascentes  cidades  burguesas,  fosse  das  cortes (eclesiásticas  ou  seculares).  Essa  disputa  terminou  por  forçar  o  abandono  das  formas tradicionais  de  julgamento,  a  favor  de  formas  mais  burocratizadas  e  formais.  O  modo tradicional,  então  em  uso,  era  o  do  julgamento  leigo,  por  juízos  de  Deus,  ordálios,  muitas vezes  na  esfera  da  aldeia.  O  grande  salto  qualitativo  dado  na  direção  do  formalismo  e  da burocracia estava no direito canônico:  não apenas  o  julgamento se formalizou e o processo passou a adquirir fases precisas, como também a justificativa para as diversas reformas passou a carecer de razões e explicações que seriam dadas pelos juristas.

A atitude da Igreja de condenar as ordálias foi movida mais por motivos pragmáticos do que humanitários. A adoção de um novo sistema de procedimentos probatórios era mais eficiente para combater o exponente crescimento dos crimes de heresia, que ameaçavam o poder religioso oficial. 

A ordália, na Europa, acabou sendo progressivamente substituída pela tortura a partir da segunda metade do século XIII até o final do século XVIII. A tortura, ao obter testemunhos e confissões, garantia o funcionamento efetivo da justiça criminal e o andamento dos processos. Alguns poucos casos de ordálias, até o século XVII, são registrados nas colônias americanas e no leste europeu, relacionados ao crime de bruxaria.

O historiador George Duby (1966) observou as transformações psicológicas do homem medieval causada pelo desuso da ordália e a racionalização não só do processo judicial, mas de toda a sociedade. Na descoberta da própria individualidade e consciência dos valores morais interiores, algo inédito na época, o homem agora sabe que não se redime por atos mágicos ou provas rituais, mas através de suas atitudes e intenções íntimas, pelo amor, razão e sentimentos. 

O teólogo Marie-Dominique Chenu (2006) sustentava que a ordália operava uma alienação da consciência, transferindo ao metafísico, sobrenatural, aquilo que se referia verdadeiramente ao homem, o discernimento da inocência ou culpa de um acusado. A descontinuidade desse tipo de procedimento contribuiu para a crescente liberação da mentalidade mágica do homem medieval.

2.4 Ordálias na Atualidade

O fim da Idade Média proporcionou a retomada de uma visão antropocêntrica, focada na evolução das garantias e liberdades individuais, direitos humanos e modernização dos ordenamentos jurídicos. As ordálias foram se tornando cada vez mais raras em todo o mundo, resistindo atualmente em localidades e tribos remotas, de utilização dispersa e não sancionada pelos governos oficiais.  

No Brasil, não há registros do uso de ordálias, mas o historiador do folclore nacional Câmara Cascudo (2009, p.48), fez uma interessante observação sobre uma expressão popular que deriva das ordálias medievais:

“Não meto a mão no fogo” por alguém é não se responsabilizar pela inocência alheia.

Uma das justificações nos ordálios da Idade Média era a prova do ferro caldo. Quem alegava inocência submetia-se a pegar numa barra de ferro aquecida ao rubro e caminhar com ela na mão por alguns metros. Envolvia-se a mão em estopa, selada com cera, e três dias depois abria-se a atadura. Se a mão estivesse ilesa, sem sinal de queimadura, era evidente e provada a inocência. Se tivesse queimadura, provada estava a culpabilidade e era imediata a punição pela forca. Um episódio tradicional em Portugal verificar-se-ia em Leça do Balio, ao redor de 1324, com Marina, esposa de Estêvão Gontines, acusada de adultério, levando o ferro caldo sem que a mão sofresse a menor injúria. Motivou o romance de Arnaldo Gama (1828-1869), Balio de Leça. A prova do ferro caldo ainda foi empregada em Portugal ao correr do século XIV. Um índice da permanência dessa purgação no espírito do povo é a frase, comuníssima no Brasil, em Portugal, Espanha e França: Não boto ou boto a mão no fogo, referindo-se à inocência ou culpa de alguém.

Na África, no século XIX, na ilha de Madagascar, há registros de que a ordália da Tangena, por ingestão de mistura venenosa, foi responsável pela morte de milhares de pessoas. Era usada sistematicamente como política de Estado (inclusive para perseguir opositores) e meio de prova de grande legitimação popular, principalmente no período da rainha Ranavalona I, na metade do século XIX.

O veneno era extraído de uma árvore local e colocado numa mistura líquida com três pedaços de pele de galinha. Depois era testado em um cão e um galo. Se os animais morressem, o veneno estava pronto para consumo humano e a cerimônia se iniciaria com o acusado bebendo todo líquido tóxico. A pessoa que se submetia à Tangena, para ser considerada inocente, deveria vomitar o veneno junto com os três pedaços de galinha – faltando um, seria considerada culpada. Se não vomitasse, morreria dos efeitos causados pela toxina e seria considerada culpada, não podendo ser enterrada em cemitérios comuns mas em lugares  inóspitos com a cabeça apontada para o sul - símbolo de desonra na cultura local. Na mesma ilha existem registros de ordálias realizadas onde o acusado deveria atravessar nadando um rio infestado de crocodilos e chegar na outra margem sem ferimentos para provar sua inocência.

Em algumas regiões da Nigéria ainda se produz veneno de uma leguminosa local chamada Calabar bean, que é usada para realizar as ordálias - geralmente em acusações de bruxaria e feitiçaria. Se ao ingerir, o acusado vomitar e sobreviver, é inocentado perante a justiça tribal. A ingestão de substâncias venenosas para realizar ordálias é um método registrado somente na África.

O canal de televisão National Geographic produziu uma série de documentários chamado Taboo. O primeiro episódio da segunda temporada intitulado Justice, filmado em 2003, mostra um caso real de ordália por óleo fervente que acontece no Togo, país da África Ocidental. No caso, um vizinho acusa o outro de ter roubado parte da sua produção agrícola e a questão é levada para o chefe tribal que decide pela realização da ordália. É colocado no meio da aldeia um caldeirão de óleo fervente onde o acusador e o acusado devem retirar um objeto do fundo sem queimar a pele. Aquele que conseguir tal feito é considerado o que falou a verdade, o inocente. O acusador consegue retirar o objeto e é aclamado pela população. O acusado tenta algumas vezes mas acaba desistindo, então é levado ao chefe da tribo onde termina confessando o roubo. É obrigado, na frente dos líderes da comunidade, a devolver o que roubou e a ouvir uma longa reprimenda moral, talvez a maior das penas para tribos baseadas em códigos de honra. 

Na China antiga e no Japão não há registros da incorporação da ordália em seus ordenamentos jurídicos, entretanto, um pequeno relato em um jornal americano, o The Woodivlle Republican (1921, p.2) conta a história de um caso que se assemelha a uma ordália, sem o elemento religioso, mas com iguais objetivos. Relata que em algumas partes do Japão se ocorrer um roubo à residência, todos os empregados e serviçais são solicitados a escrever certas palavras, formadas pelos complexos ideogramas japoneses. Escrever esses caracteres exigem tanta concentração e consciência tranquila que esse pequeno teste, geralmente, leva a descoberta da pessoa culpada pela caligrafia irregular causada pelo nervosismo.

No Oriente Médio, os beduínos são um grupo de povos nômades, habitantes do deserto, que possuem um sistema cultural e judicial próprio – cada vez menos praticado após larga adesão ao islamismo. A Bisha’a é uma modalidade de ordália para crimes mais graves e ainda se encontra em uso de forma dispersa e rara.

Nela, o acusado deve lamber três vezes uma colher metálica esquentada longamente no fogo. Depois sua boca é lavada com água. O administrador da ordália, especialista no ritual, inspeciona sua língua em busca de sinais de queimadura e ferimento. Se houver, é considerado culpado e estava mentindo. O ritual nunca foi admitido como meio de prova legal nos países em que os beduínos vivem. O militar inglês e profundo conhecedor da cultura beduína, John Glubb (1969) afirma que, na prática, mais da metade dos acusados perderam a calma enquanto a colher era longamente aquecida no fogo e voluntariamente confessaram sua culpa, sem terem a língua queimada. Da metade restante, a metade queimou a língua e a outra metade foi inocentada. A eficiência do processo depende do administrador da ordália e da sua perspicácia em ler os sinais corporais do acusado.

O escritor e preposto político inglês James Forbes (1834), que viveu muitos anos na Índia no século XIX, registra que muitas vezes foi obrigado a admitir na administração colonial o julgamento pelas ordálias. Ele relata um caso de um homem acusado de roubar uma criança coberta de joias, moda comum de ornamento entre os hindus abastados. Mesmo com indícios desfavoráveis que apontavam sua autoria, o suspeito pediu para passar por uma ordália, o que foi consentido pelos líderes locais e aceito a contragosto pelo poder oficial inglês. Um caldeirão de água fervente foi trazido e depois de uma curta cerimônia pelos sacerdotes locais o acusado colocou o braço até o final para retirar uma moeda de prata. Aparentemente não sofreu nenhuma dor ou ferimento. A família da criança que tinha acusado o homem ficou satisfeita com a prova de inocência e o caso se encerrou ali.

Uma notícia de 2006 relata que após um roubo de arroz e trigo de uma escola local, os líderes de um vilarejo no interior da Índia, ordenaram que cento e cinquenta habitantes suspeitos mergulhassem suas mãos no caldeirão de óleo fervente para pegar um anel e assim provarem sua inocência. Os cinquenta homens que se recusaram foram responsabilizados pelo crime.

Em países anglo-saxões que possuem o sistema jurídico da Common Law é possível ocorrer situações interessantes onde uma das partes pode invocar um costume ou precedente judicial antigo para fundamentar seu direito nos tribunais, já que, muitas vezes, não há revogações expressas de leis e costumes antigos.        

No caso de Ashford vs Thornton de 1818 na Inglaterra, Abraham Thornton foi acusado de matar Maria Ashford. Apesar da opinião pública considerá-lo culpado, ele foi rapidamente absolvido pelo tribunal do júri por falta de provas. O irmão de Maria, William Ashford, apelou da decisão e o acusado foi preso novamente. Então Thornton solicitou o antigo direito medieval de ser julgado por combate, desafiando o seu acusador, o irmão da vítima. O tribunal se viu obrigado a aceitar o pedido pois essa modalidade de prova nunca tinha sido abolida pelo poder legislativo. Ashford rejeitou o duelo e Thornton foi libertado. No ano seguinte, o Parlamento extinguiu expressamente o julgamento por combate.

Em 2002, o jornal inglês Telegraph noticiou a rejeição de uma corte britânica a um pedido feito por um cidadão indignado de invocar o antigo direito inglês de ser julgado pelo combate, o antigo duelo judiciário. Após ser multado por uma infração de trânsito ele solicitou que o departamento de trânsito enviasse o seu representante onde lutariam até a morte para decidir sobre a legalidade da multa. 

Com o avanço da globalização e homogeneização cultural, as ordálias se transformaram de prática usual para mera curiosidade histórica em quase todo o mundo. Nos lugares que continuaram o seu uso é combatida pelos governos oficiais, que, geralmente, possuem sistemas judiciais de origem ocidental e incompatíveis com métodos tradicionais de justiça.  É o que se verá de forma mais aprofundada nos próximos capítulos. 

3 HISTÓRIA DA LIBÉRIA

A Libéria é um país da África Ocidental que faz fronteira com Serra Leoa, Guiné e Costa do Marfim. Possui uma população de quatro milhões de pessoas e dezesseis grupos étnicos, cada um com seus dialetos. A língua oficial é o Inglês, com sotaque e palavras locais.

O nome Libéria significa “Terra Livre” e a capital se chama Monróvia, inspirado no sobrenome do presidente americano James Monroe, defensor da colonização liberiana e quinto presidente dos Estados Unidos (1817 – 1825). O país foi fundado em 1822 como lugar para recomeçar a vida dos escravos libertos dos Estados Unidos. Se tornou em 1847 a primeira república e o primeiro país independente da África.

Na sua primeira constituição, de inspiração norte-americana, foi definido que a nacionalidade liberiana seria concedida somente a pessoas de raça negra – lei que permanece em vigor até hoje e é motivo de controvérsia na população. Junto com a Etiópia, foram os únicos dois países africanos não dominados por europeus no período neocolonialista do século XIX e XX. Foi também o primeiro país da África a eleger uma mulher presidente em 2006, a economista Ellen Johnson Sirleaf, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2011 pelos seus esforços na reconciliação nacional pós-guerra civil, promoção do desenvolvimento econômico e proteção à mulher. A cultura e a sociedade são marcadas pela rivalidade entre os descendentes dos colonos fundadores do país, os chamados américo-liberianos, e as etnias nativas que já se encontravam estabelecidas na região.

A geografia do país é basicamente plana, com baixas altitudes e grandes extensões de florestas tropicais, cerca de 40% de toda a África Ocidental. O clima é equatorial com temperatura média de 25 °C com chuvas constantes e alta umidade. Os principais problemas na esfera ambiental que a Libéria enfrenta são o desmatamento, a poluição da costa marítima, a erosão dos solos e a extinção de espécies animais ameaçadas. Faz parte da tradição local comer carne de primatas, hipopótamos, elefantes e leopardos.

A Libéria é organizada politicamente como uma república presidencialista e democracia representativa estabelecida pela Constituição de 1986 em substituição ao texto original de 1847. Possui os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. O chefe do Estado e Governo é o Presidente, eleito a cada seis anos. O poder legislativo é exercido pela Assembleia Nacional, parlamento bicameral constituído pelo Senado e pelas Câmara dos Representantes. O regime atual é multipartidário. Corrupção é um problema presente em todos os níveis de governo. A Libéria também é membro fundador da Organização das Nações Unidas (ONU) e membro da União Africana (UA).

O país é considerado um dos mais pobres do mundo, a maioria da população vive com menos de um dólar americano por dia. A taxa de emprego formal é de 15%. Sua economia é fortemente dependente de doação externa, investimentos estrangeiros e exportação de recursos naturais como borracha, ferro e madeira. A agricultura de subsistência é uma das principais formas de sustento da população, com destaque ao cultivo de arroz e mandioca. Antes do golpe militar de 1980 a Libéria já foi conhecida como grande centro de investimentos da África Ocidental. Era um país estável com grande presença de indústrias estrangeiras, principalmente a Firestone, que opera lá desde 1926 e possui hoje a maior plantação do mundo de seringueiras para extração de borracha.

Uma das maneiras que o país encontrou para arrecadar divisas foi vendendo a nacionalidade liberiana para registro de navios. Devido aos baixos valores que o governo cobra e pouca regulamentação, a Libéria tem a segunda maior frota marítima mundial, perdendo somente para o Panamá. Responde por 11% de todas as embarcações marítimas do planeta.

Na guerra civil foi destruída toda a infraestrutura produtiva e industrial do país e a ONU embargou as exportações de madeira e diamantes. A Libéria não possuía jazidas de diamantes mas contrabandeava da vizinha Serra Leoa, que se encontrava numa guerra civil instigada pelo então presidente liberiano Charles Taylor. As pedras eram extraídas por trabalho escravo e a sua venda financiava a compra de armas e enriquecimento dos grupos combatentes. Os embargos se encontram suspensos atualmente.

As dificuldades atuais para o desenvolvimento econômico são a ausência de infraestrutura de produção e escoação, pequeno mercado doméstico, alto custo de transporte, baixo intercâmbio comercial entre os vizinhos e alta dolarização da economia.

Na cultura liberiana há uma crença generalizada nos espíritos de ancestrais e  nos espíritos da selva. É comum, mesmo na elite econômica e política do país, atribuir acontecimentos da vida cotidiana à forças e poderes secretos que podem ser manipulados por sacerdotes e feiticeiros. Apesar da maioria da população se considerar cristã, existe disseminação de sociedades secretas relacionadas ao mundo espiritual e cultos ancestrais animistas. Essas sociedades (Poro para os homens e Sande para mulheres e com outras divisões relacionadas a etnias e regiões) possuem ritos de passagem e cerimônias religiosas para educar os iniciantes e membros nos costumes tribais, perpetuar as tradições, folclore e mitos. Ensinam também habilidades de sobrevivência na fauna e flora local. Os líderes, chamados de Zoes, exercem grande influência política, arbitram disputas, aplicam punição por violação dos costumes e controlam o uso da medicina tradicional. Eles dão legitimidade cultural e religiosa ao poder político local, exercido por um chefe tribal. São organizações consideradas legais pelo governo, havendo restrição somente aos métodos de iniciação e aspectos ritualísticos que não poderiam confrontar a lei. Existem críticas em relação ao caráter autoritário e secreto dessas sociedades e ao habitual uso, por alguns grupos, de sacrifícios humanos e canibalismo para fins ritualísticos, fato amplamente praticado entre os combatentes nas recentes guerras civis.

Na esfera artística existe uma grande tradição na confecção de máscaras tradicionais e tapeçaria artesanal. Na música são conhecidos os talentos de percussão que a Libéria produz. Existem vários tipos de tambores usados nas cerimônias tradicionais que se diferenciam do resto da África Ocidental pela sua sonoridade. Há também certa influência da música e cultura norte-americana, por razões históricas. Na esfera literária, a poesia e narração oral de histórias com temática local são bastantes apreciadas pela população. Na vida familiar os costumes tribais são praticados, principalmente na área rural. Um terço das mulheres fazem parte de casamentos poligâmicos e a lei permite que o homem tenha até quatro esposas. O homossexualismo é estritamente proibido, prevendo pena de prisão de até um ano.

No setor de comunicações existe uma grande quantidade de estações de televisão, rádios e jornais em plena atividade, principalmente na capital. A infraestrutura precária e pobreza da população são fatores que prejudicam uma maior difusão, mas tem ocorrido investimentos público e privado para atenuar os problemas. Um dos jornais mais lidos da Libéria é o The Daily Talk, escrito com giz em quadros-negros espalhados pelas ruas da cidade. O rádio corresponde ao principal meio de comunicação devido à alta taxa de analfabetismo.

3.1 Libéria antes da Fundação

Os primeiros registros escritos sobre o território liberiano datam de 1461 pelo navegador português Pedro de Sintra. A região ficou conhecida como Costa da Pimenta, devido à grande quantidade de pimenta do local. No século XVII, holandeses e britânicos estabeleceram entrepostos comerciais, mas até o ano de 1821 nenhum assentamento ou colonização por não-africanos tinha sido consolidada na região. Até essa época não existia o conceito do país “Libéria”, a região era conhecida antigamente como Serra Leoa, Golfo da Guiné e outros nomes de reinos já extintos. Era dominada por tribos sem um conceito de unidade nacional e quase nenhuma influência ocidental em termos culturais ou religiosos. Existem vestígios que indicam que a região começou a ser habitada, de forma dispersa, há mais de 2.500 anos. A densa floresta tropical impediu um intercâmbio cultural maior, principalmente com o Império de Mali, poder hegemônico da região. Da costa liberiana saíram milhares de escravos que foram levados ao continente americano.

O capitão Francisco de Lemos Coelho (SILVA, 2012, p. 234), comandante de navios e comerciante que morou na África no século XVII, deixou relatos da região de Serra Leoa que visitou em 1684, mostrando o deslumbre europeu pela fartura e generosidade da natureza africana:

Destas ilhas [Bijagós] para baixo é que chamamos a terra de Serra Leoa; a qual para se poder descrever e dizerem suas excelências, era necessário pena mais bem aparada que a minha, e eloquência mais fecunda, pois não há dúvida que ainda que eu digo atrás que a gema deste ovo era o rio de Gambia, ao parecer de muitos, o melhor de Guiné é isto daqui por diante e, como tal foi a primeira que os estrangeiros buscaram para situar nela e fazer feitorias, donde tiraram notáveis haveres e admiráveis ganâncias.

Ela primeiramente é a que cria em si esta fruta de cola, principal negócio de todo o Guiné, e que se correrá por mão particular, renderá muitos mil cruzados. Ela é a que cria o pau camo de que o estrangeiro carrega tantas naus [...]; o qual é tão barato como lenha seca nas nossas terras. Não lhe fazem benefício nenhum mais que cortá-lo dos matos, que são todos dele, e trazem-no os negros a vender. [...]

Esta terra é a que produz a malagueta, [...] a qual se dá em umas arvorezinhas pequenas em uns capulhos tão grandes como uma noz, em umas casquinhas por fora muito leves e por dentro tudo grãos, como de coentro seco; mas pica mais do que pimenta. Disto leva o estrangeiro também paióis cheios. Aqui há a mantibilha, que dá em cachos a cor amarela, e é maior que grãos de pimenta; é tempero muito saboroso, e dá cor e gosto donde se deitam, escusando açafrão e pimenta. Levam dela também os estrangeiros grande quantidade. Daqui se tira grande quantidade de marfim, assim dos elefantes que cria a mesma terra, como do que lhe vem de todos os reinos circunvizinhos, [...] nações todas que, parece, as fez Deus Nosso Senhor para criarem estes animais que o dão. Esta é a terra que dizem cria em si os animais que criam a pedra cabrunco, pois é voz comum a todos os negros destas partes, que na aspereza da Serra Leoa há uns animais que não comem senão de noite, e que comem à claridade de uma pedra que têm na testa, a qual alumia como candeia; e que em o animal sentindo alguma cousa, que a cobre. E em resolução é terra tão farta esta, que com pouco benefício que lhe fazem os seus habitadores lhes tributa duas novidades de arroz no ano; sendo tão abundante dele, que podem dizer os que lá vão, que o compram de graça, trazendo quanto podem os navios quando vem para barlavento, sendo na bondade o melhor de todo Guiné, e tanto, que o mantimento comum de todos é o arroz.

É esta terra em si tão viciosa, que tudo quanto cria é com tanta perfeição, e bondade sem fábrica alguma como nas outras partes boas fabricado. Eu vi cana-de-açúcar de incrível grossura e de 18 palmos de altura. Seus matos são de árvores de espinho produzidas somente pela bondade da terra, e tão perfeitas no fruto que lhe não levam vantagem as melhores de Portugal. Seus campos são cheios, ou de arvorezinhas deleitáveis ao gosto com seus temperos, ou de frutos que satisfazem ao apetite com seu gosto, e ao olfato com seu cheiro. As bananas são tantas e tão preciosas que se não sabem outras melhores, e por lhe não poderem dar vazão, as secam, depois de maduras, ao sol, e assim as vendem, ou, para melhor dizer, as dão aos brancos das quais trazem muitas para barlavento. Os ananases há matos deles, que, sem serem cultivados, são perfeitíssimos. Seus rios e costas do mar são tão abundantes de pescados, que com pouca diligência têm grande abundância, e dos melhores que há em toda a costa de Guiné. Aqui somente se cria um peixe, que chamam peixe-coada, que pesará 1 arroba, o mais saboroso que se conhece em toda a costa de Guiné, e tão gordo, que há de ter bom estômago quem comer parte de sua cabeça fresca; não é carregado, nem faz mal por muito que se coma dele.

Aqui há as melhores ostras que devem haver, e tão grandes que no porto de Aldeia da Rabanca vi ostra que de sua carne se faziam três postas, e não pareça encarecimento, nem imaginem eram postazinhas, porque o peixe de uma ostra enche o fundo de um prato de barro dos de Portugal. Há em toda esta terra engraçadas ribeiras de água doce; e entre muitas vi uma na aldeia dos Lagos, que na sua abundância parecia madre de algum rio, e na sua amenidade vinha de algum do Paraíso Terreal; seja não digamos que aqui é o paraíso terreal, o qual por estar entre bárbaros pareça estar incógnito; se bem não parecem bárbaros os gentios pelo doméstico e afável do seu natural, pois excede nisto a todo o da costa de Guiné.

Mary Kingsley foi uma viajante pioneira para a época. No final do século XIX, em plena época vitoriana e com trinta anos de idade, rompeu com sua confortável vida para ir à África Ocidental continuar os estudos do falecido pai sobre religiões e sacrifícios rituais das tribos africanas. Num dos seus relatos, “A Alma dos sonhos” (SILVA, 2012, p. 485), ela descreve a peculiar crença dos povos da região:

[Acredita-se geralmente, na África Ocidental,] que as almas humanas são de vários tipos distintos, sendo um deles o espírito que existe antes do nascimento, durante a vida e depois da morte. [...] Prevalece a crença de que seriam quatro as almas que cada um dos seres humanos possui: a alma que continua a existir após a morte, a alma encarnada num animal selvagem na floresta, a sombra projetada pelo corpo e a alma que atua nos sonhos. [...]

Esta última é a causa de inúmeras desgraças que afetam o nosso amigo africano. [...] A alma dos sonhos [...] sai de seu proprietário, quando este tira uma soneca, para fazer travessuras, lutar ou fuxicar com outras almas dos sonhos, e muitas vezes não volta para o dono quando este está despertando. Por isso, se alguém se dispuser a acordar um homem, deve fazê-lo com todo o cuidado e suavemente, ou seja, de forma gradual e lenta, a fim de dar tempo à alma de regressar ao corpo. Pois, se alguma das quatro almas de um homem tiver a comunicação com seu corpo interrompida, este ficará seriamente enfermo.

Darei um exemplo. Certo indivíduo desperta de súbito, por uma razão ou outra, antes que sua alma dos sonhos tenha tempo de voltar para ele. Sentindo-se muito doente, solicita a presença de um médico curandeiro. Este diagnostica a enfermidade como um caso de ausência da alma dos sonhos e imediatamente põe um pano sobre a boca e o nariz do paciente, até que [ele] comece a se mostrar sufocado. [...] O curandeiro toma, o mais rápido que puder, outra alma dos sonhos, que ele, se for cuidadoso, trouxe numa cesta. O paciente é deitado de costas, tira-se o pano que o sufocava, e o curandeiro, pondo as mãos com a alma dos sonhos sobre o nariz e a boca do doente, sopra com força para que ela entre nele. Se isso for feito de modo correto, o paciente se cura. Pode suceder, contudo, que essa nova alma escape por entre os dedos do curandeiro e, antes que se possa dizer uma só palavra, fuja para o cimo de um algodoeiro com cerca de 100 pés de altura e dali chilreie clara e alegremente. [...] Se o doutor dispõe de um ajudante, este infeliz tem de trepar na árvore para capturar a alma dos sonhos. [...]

Existem feiticeiros — não os confundam com os médicos curandeiros — que se dedicam a pôr armadilhas para almas dos sonhos. [...] Geralmente, essas armadilhas são potes contendo algo de que a alma gosta, e nessa isca escondem-se facas ou anzóis — anzóis, quando se deseja capturar a alma; facas, quando se quer machucá-la. Quando uma alma assim ferida retorna ao dono faz com que este se sinta muito mal. Os sintomas, porém, são de todo distintos daqueles causados pela perda de uma alma dos sonhos. [...]

É quase sempre por um motivo baixo e mercenário que se captura uma alma com um anzol. Muitos pacientes insistem em que se lhes devolva a alma que é deles e não querem uma substituta do estoque do curandeiro. Esta, por isso, tem de ser comprada do feiticeiro que a capturou. Muitas vezes, no entanto, o feiticeiro atua por encomenda de alguém que, sem coragem para matar um inimigo, lhe paga para capturar a alma e assim atormentá-lo. A alma não é apenas aprisionada, mas torturada – suspensa, por exemplo, sobre o fogo -, de modo que, embora o paciente já tenha uma nova alma dos sonhos dentro dele, padecerá enquanto a original estiver nas mãos do torturador.

Esse misticismo ainda é muito presente na cultura liberiana. Há relatos atuais de linchamentos de suspeitos de feitiçaria ou magia negra pela população. 

3.2 Libéria depois da Fundação

Para entender a criação da Libéria como país moderno é preciso compreender o que foi a organização American Colonization Society (ACS) ou Sociedade Americana para a Colonização, em português. Fundada em 1817, tinha como membros missionários e proprietários de terra que discutiam o futuro da escravatura nos Estados Unidos, abolida oficialmente somente em 1860. Pensava-se em instalar na África os escravos libertos e os negros nascidos livres dos Estados Unidos. Alguns membros da ACS achavam que nunca haveria verdadeira integração entre os negros e os brancos no País e que o ideal para os primeiros seria um recomeço de vida em outro lugar, de forma independente e livre. Indiretamente, a repatriação dos negros para a África seria uma forma de difundir o cristianismo e a influência americana no exterior. Existia também o medo de que os escravos libertos poderiam aumentar a criminalidade e a possibilidade casamento inter-raciais. Esses ideais tiveram famosos apoiadores, como os presidentes americanos Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e James Monroe. Esse conceito já vinha sendo posto em prática desde 1787 pela Inglaterra, expatriando e libertando os negros leais ao Império no território de Serra Leoa como compensação aos serviços militares prestados na guerra da independência norte-americana.

Críticas ao projeto da ACS davam conta que a organização, na  verdade, reforçava indiretamente a escravatura ao pretender enviar os negros livres para fora do país, deixando somente os escravos. Muitos negros libertos defendiam a permanência no País, como cidadão norte-americano, ao invés de serem repatriados para terras que nunca conheceram.

Em 1822, a ACS enviou voluntários em expedições na costa do território liberiano para fundar colônias definitivas. Teve um começo difícil por conta de acidentes e doenças tropicais, como a malária, que matou centenas de colonos. Com o passar dos anos várias colônias conseguiram se estabelecer e crescer, apesar de conflitos com os nativos locais.

Os colonos terminaram, ironicamente, criando um sistema de segregação racial, semi-escravizando os nativos e copiando o modelo de plantation dos Estados Unidos. Formaram uma elite, os américo-liberianos, composta de mulatos e afro-americanos que dominariam o destino do país até 1980. Nunca passaram dos 5% da população, mas acreditavam em sua superioridade cultural devido aos hábitos norte-americanos e ao cristianismo protestante - que contrastava com a pobreza e “primitivismo” das tradições religiosas animistas dos nativos. A discriminação era tal que os nativos só viriam a receber em 1904 a cidadania liberiana. É importante notar que depois do Aberdeen Act, lei de 1845 que autorizava os britânicos a capturarem qualquer embarcação suspeita de tráfico negreiro no Oceano Atlântico, muitos escravos apreendidos foram mandados de volta para Serra Leoa ou Libéria. Esses novos habitantes, oriundos de vários lugares da África, não possuíam poder de mobilização política ou capacidade de reivindicar direitos. Muitos estavam só de passagem tentando o repatriamento para a terra de origem e outros em processo de adaptação com a nova terra. Esse fluxo artificial de população ajudou a consolidar o poder da elite local.

Em 1847 os colonos declararam independência e criaram a República da Libéria, fortalecendo os américo-liberianos, que tomaram as rédeas do país e deram início a um período de crescimento econômico e consolidação territorial. O partido True Whig Party dominou a cena política de 1847 a 1980.

Na década de 40 do século XX, com a Segunda Guerra Mundial, houve uma modernização e renascimento econômico da Libéria, apoiada pelos Estados Unidos. O país foi transformado em base de operações militares e centro de exportação de ferro e borracha. O presidente liberiano William Tubman conseguiu atrair investimentos estrangeiros e a economia nacional registrou a segunda maior taxa de crescimento mundial na década de 50. Seu mandato durou de 1943 a 1971, ano de sua morte. Na esfera internacional, a Libéria se tornou protagonista ao apoiar os movimentos de independência africana na década de 60, promovendo reformas sociais e criticando ferrenhamente o regime do apartheid sul-africano. O conflito entre a elite américo-liberiana e a multidão de excluídos nativos se intensificou. Não havia distribuição de renda no país. Como forma de amenizar a tensão, em 1963 foi garantido o direito de voto aos nativos.

Em 1971, o sucessor de Tubman, William Tolbert, da elite américo-liberiana, assumiu o mandato presidencial e manteve as linhas gerais da política traçada pelo antecessor. Depois de aumentar o preço do arroz em 1979, aconteceram diversos protestos nas ruas que terminaram com o massacre de manifestantes. Rebeliões começaram a ocorrer em todo o país e o presidente foi deposto por um golpe militar liderado pelo sargento Samuel Doe. Tolbert foi morto e vários dos seus ministros executados publicamente na praia de Monróvia. 

Samuel Doe encerrou o período de dominação dos américo-liberianos desde 1847. Foi o primeiro presidente do país oriundo de uma etnia nativa. Governou de forma truculenta e autoritária. No início deu esperanças a maioria da população nativa, excluída por tanto tempo do poder, mas depois o reinado de terror se estabeleceu. Conseguiu, inicialmente, boas relações com os Estados Unidos, apoiando-o na Guerra Fria contra a URSS, e abriu os portos aos investimentos estrangeiros dos aliados ocidentais. Sofreu várias tentativas de golpe e se tornou cada vez mais paranoico. Seu governo começou a afundar na corrupção, repressão violenta de opositores e fechamento de jornais. Seu apoio popular rapidamente despencou.

Em 1989 a luta intertribal entre as etnias nativas da Libéria se acirrou. Um grupo de militares rebeldes liderados pelo américo-liberiano Charles Taylor ganhou apoio popular interno e de exilados em países vizinhos. Invadiu a Libéria pela Costa do Marfim e conquistou rapidamente o terreno no país ao custo de massacres de populações civis pelos dois lados do conflito. Em outras partes do país, facções rebeldes se formaram para ajudar na derrubada do governo. Em 1990 o presidente Samuel Doe foi capturado pelo rebelde Prince Johnson, rival de Charles Taylor. Sua tortura e execução foram filmadas e amplamente divulgadas.

Milhares de pessoas fugiam dos combates e se iniciou uma enorme crise de refugiados que atraiu a atenção do mundo. O uso de crianças soldados, o financiamento militar com os diamantes de sangue, as amputações e massacres de civis se tornaram assuntos constantes nas discussões internacionais. Após a morte de Samuel Doe, a luta pela disputa do poder continuou entre as facções. Somente em 1996, com o saldo de duzentas mil mortes, a primeira guerra civil da Libéria chegou ao fim com a eleição fraudulenta de Charles Taylor. Os líderes rebeldes rivais se exilaram, esperando a melhor oportunidade para tentar conquistar o poder. O governo de Taylor foi marcado pelo autoritarismo, corrupção e instabilidade. Se tornou um estado-pária, colocada pelos EUA na lista de países patrocinadores de terrorismo.

Em 1999 facções rebeldes no norte do país começaram uma campanha militar para depor Taylor e uma nova guerra civil se instaurou. Os combates duraram até 2003, quando, após negociações entre os lados beligerantes e pressão internacional, Charles Taylor renunciou ao cargo e se exilou na Nigéria.  Foi posteriormente extraditado para a Corte Internacional de Haia e condenado a cinquenta anos de prisão por crimes de guerra. O saldo estimado da segunda guerra civil é de cinquenta mil mortos, totalizando duzentos e cinquenta mil mortos de 1989 a 2003. O vice-presidente de Taylor, Moses Blah, assumiu o governo provisório e em 2005 houve eleições gerais, na qual concorreram a economista américo-liberiana Ellen Johnson Sirleaf e o famoso ex-jogador de futebol George Weah. A vitória da Sirleaf, a primeira mulher presidente da África, trouxe esperança, consolidação da paz e o retorno de investimentos estrangeiros. Em 2011 ela foi reeleita e a Libéria se tornou um estado relativamente estável que, apesar das dificuldades econômicas, superou o passado das guerras civis. Desde 2003, a ONU mantém quinze mil militares para manutenção da paz, acompanhados de especialistas civis em saúde, direito, economia e política que prestam assessoria ao poder político para a reconstrução do país.

3.3 Sistema Judicial da Libéria

A Libéria possui dois sistemas judiciários reconhecidos pelo governo que funcionam simultaneamente, o oficial e o tradicional.

A justiça oficial é baseada em leis escritas, precedentes e regulamentos oficiais, inspirada no direito norte-americano. É comandada pelo Ministro da Justiça. Possui três instâncias. A primeira é formada por juízes de paz, que realizam audiências preliminares, e juízes regulares - todos supervisionados por uma corte de magistrados. A segunda é formada por juízes que supervisionam a instância inferior em sistema rotatório pelas comarcas. A terceira e última é a Corte Suprema, formada por membros indicados pelo Presidente e aprovado pelo Senado. É o sistema usado principalmente pelas populações urbanas e a elite américo-liberiana.

Durante as recentes guerras civis o sistema foi completamente desmantelado. Falta estrutura em todas as esferas e a cultura da impunidade ainda é forte no país. Os maiores problemas são a corrupção, ineficiência e incompetência dos funcionários – o que levou ao fortalecimento da justiça tribal. Não há assiduidade dos funcionários, salários são baixos e frequentemente atrasados (o que fortalece os subornos). Há relatos frequentes de juízes julgando sem competência material e territorial, além da existência de magistrados iletrados e sem qualificação jurídica. No sistema prisional, as condições das prisões são degradantes, presos provisórios aguardam julgamento por anos, sentenças são descumpridas e ordens de soltura são cumpridas somente mediante propina. Não há informatização e integração entre os processos e tribunais. Outro problema é a falta de defesa técnica, advogados são raros, caros e inacessíveis à maioria da população. Um recente relatório afirmou que existem apenas 250 advogados em todo país, para uma população de quase quatro milhões de pessoas. A ONU tem tentando reverter a solução com investimentos financeiros e o auxílio de especialistas legais, construindo instalações prisionais, locais de julgamento e treinando funcionários, mas a descrença e insatisfação popular com esse sistema permanece intensa.

A justiça tradicional, de natureza mais informal e baseada nas tradições do povo liberiano, é comandada pelo Ministro do Interior, baseado no estatuto Rules and Regulations Governing the Hinterland, lei antiga que regula os costumes.  Há várias instâncias baseadas em territórios: Chefes de Bairro, Chefes de Cidade, Chefes de Clã e Chefes Supremos. Existem autoridades auxiliares, como o conselho de anciões locais e os líderes das sociedades secretas Poro e Sande. A justiça tradicional lida com casos cíveis e criminais e os recursos são encaminhadas ao Ministro de Assuntos Tribais. Na teoria, as decisões poderiam ser revisadas e alteradas pelas leis escritas da justiça oficial, mas na prática isso é raríssimo. Há uma verdadeira separação entre os dois sistemas. 

Esse sistema foi criado para prover justiça principalmente aos nativos, localizados majoritariamente no inacessível interior do país. Devido ao alto custo, distância, corrupção e má reputação da justiça oficial, a justiça tradicional é a mais usada pelos liberianos. Possui capilaridade em todas as aldeias, vilas e cidades do país. Estimativas indicam que esse sistema administra até 90% dos casos judicias da Libéria. A ordália sassywood faz parte da tradição tribal, mas é qualificada como ilegal no sistema tradicional - o que não impossibilita o seu uso e legitimidade no país.

4 A ORDÁLIA SASSYWOOD

A sassywood é uma ordália que, através do consumo de uma mistura venenosa líquida, serve para determinar a culpa ou inocência de um acusado de crime. É praticada atualmente na Libéria e em algumas partes de Serra Leoa. Os primeiros registros escritos vieram do explorador inglês John Hawkins, em 1560, mas especula-se que o uso esteja incorporado à cultura local há muito mais tempo.

Ordálias por ingestão de veneno estão distribuídas por toda a África, conforme os exemplos já citados, como a Tangena da Ilha de Madagascar e Calabar bean da Nigéria. No Sul e Lesta da África há relatos do uso de animais. Eles ingeriam o veneno e as reações eram interpretadas pelo sacerdote para determinar a culpa ou não do acusado.

A palavra “sassy” surgiu de um erro de pronúncia pelos nativos da palavra inglesa “sauce”, termo antigamente usado pelos marinheiros para designar algo apimentado e que atualmente, na Libéria, expressa ser algo violento de comportamento errático. O termo “wood” significa madeira em inglês, se referindo ao local onde o veneno é extraído. Outros nomes conhecidos, variando conforme a etnia e região, são “red water ordeal” (ordália da água vermelha – referente a cor do líquido venenoso) e “drinking fetish”, ou “fetiche de consumo”. A palavra fetiche deve ser entendida na acepção antropológica, que indica um objeto material na qual se atribuem poderes mágicos, nesse caso, a casca da árvore no qual o veneno é extraído.

O veneno usado para fabricação é originado da árvore Erythrophleum guieense, também conhecida como sassywood, de madeira bastante resistente e uso comercial para móveis. A duríssima casca é retirada e esmagada em um socador especialmente consagrado para o ritual. As migalhas são colocadas em água fria até o veneno alcaloide sair das fibras e formar um líquido, de cor avermelhada, que depois é colocado em uma jarra. Possui um gosto amargo e adstringente.

A ingestão causa uma diminuição do ritmo da pulsação e respiração com aumento da pressão arterial. Os músculos se relaxam intensamente. As convulsões e vômitos são reações causadas pelo sistema nervoso central devido à natureza indutora de vômito do veneno.  

É importante ressaltar que a ação do veneno é imprevisível, por isso o especialista deve ter muito cuidado ao preparar a mistura que será ingerida pelo acusado. Fatores como a constituição física, o nervosismo do momento e quantidade da dose são essenciais para definir a reação física ao veneno.

Segundo a antropóloga Sarah Louise Davies (1973, p.49), a tradição oral liberiana fala que a origem mitológica da sassywood está relacionada a uma lenda em que Deus forneceu o veneno da sassywood para anciões eremitas e incorruptíveis resolverem o problema da superpopulação das tribos. A mistura venenosa tinha a função de eliminar os membros mais velhos que não trabalhavam e que drenavam os recursos da comunidade e, assim, dificultavam a renovação pelos mais jovens.

A ideia da lenda original está relacionada indiretamente à função da ordália no contexto atual: purificar a tribo, purgar os erros e violações morais de seus membros, tornar a verdade aparente com a ajuda dos espíritos ancestrais e permitir uma restauração do equilíbrio, quebrado pelo cometimento do delito. 

A sassywood é um mecanismo inibidor da criminalidade, de controle social. O fundamento que garante o sucesso é o aspecto sobrenatural. Se o homem não teme o seu semelhante, teme a Deus e aos espíritos ancestrais. Essa ordália reafirma a identidade cultural da tribo e unifica os seus membros em torno da ideia de infalibilidade da justiça divina.

A eficácia do elemento psicológico se dá pelo medo dos resultados e da eventual morte. O medo de ser punido por elementos sobrenaturais, de ser abandonado por Deus, por seus compatriotas e manchar a honra da família. A eficácia do elemento fisiológico da ordália é pela dor ou a sua perspectiva futura. Baseado nessa projeção de uma consequência corporal concreta, muitos acusados efetivamente culpados terminam confessando o crime para não enfrentar a sassywood.

Todo delito, principalmente em comunidades pequenas, ocasiona um desequilíbrio e enfraquecimento da coesão e harmonia social. O aspecto público, teatral e sobrenatural da cerimônia da sassywood, segundo Davies (1973, p.61), tem como objetivo trazer alívio emocional a todos integrantes que se sentiram agredidos pela violação – e, indiretamente, reforçar a necessidade de respeitar as normas e valores estabelecidos. 

É preciso ressaltar que a sassywood não é uma espécie de pena, mas um meio de chegar a um consenso sobre a culpa ou inocência. Quando eventualmente o acusado morre, há uma fusão de meio de prova, cumprimento e extinção da pena. O acusado, falhando no teste, na maioria das vezes sobrevive para receber a pena. Em crimes de homicídio, geralmente ocorre o banimento da tribo; casos de roubo, ocorre a obrigação de restituir o objeto subtraído. As punições objetivas são acompanhadas de punições subjetivas e psicológicas, como a exclusão social, desonra e vergonha ao nome do acusado e sua família.

No período do tráfico negreiro na África Ocidental, do século XVI ao XIX, há relatos de que os chefes tribais vendiam aos europeus os acusados considerados culpados pela sassywood. Junto com toda sua família, eram levados para longe e todos os seus bens redistribuídos entre os membros da tribo. Documentações históricas comprovam que a sassywood, com algumas modificações ritualísticas, persistiu entre os escravos da África Ocidental que se encontravam nos Estados Unidos.

A ocorrência da sassywood está relacionada no aspecto econômico a comunidades baseadas em agricultura de subsistência, com alta interdependência grupal e baixa autonomia individual. As tribos do interior liberiano possuem pouca margem para erros. Vivem no limite da capacidade da produção agrícola, lutando contra a imprevisibilidade dos fenômenos naturais. Um deslize individual pode causar grandes prejuízos ao grupo. É exigido plena obediência aos valores e regras do grupo para a manutenção da coesão e harmonia. A sassywood reforça essa necessidade ao intimidar, pelo aspecto sobrenatural, os eventuais violadores das leis.

No aspecto político, as ordálias prevalecem em comunidades onde não existe uma autoridade estatal forte que possa fazer prevalecer suas decisões, justas ou injustas. As comunidades liberianas são estratificadas e com pouca mobilidade social, mas bastante democráticas e igualitárias. Os chefes tribais e os conselhos de anciões são eleitos diretamente pelos membros baseados na honestidade, histórico pessoal e conhecimento da cultura local.

4.1 Cerimônia

Apesar do intenso contato que a região teve com os europeus a partir do século XV, os relatos detalhados sobre a sassywood são escassos. Isso se deve a preferência que os viajantes, comerciantes e colonizadores tinham por temas relativos aos negócios e questões pragmáticas, para melhorar a dominação cultural e controle social dos nativos. Muitos estavam imersos em preconceitos e incompreensões sobre a cultura africana e terminaram perdendo a oportunidade de observar aspectos interessantes do funcionamento da sociedade africana.

Toda a cerimônia da sassywood é desencadeada após a consumação de um crime, geralmente adultério, homicídio ou roubo. Desaparecimento de colheitas, doenças misteriosas, acidentes ou mortes inesperadas são eventos que também podem ser interpretados como resultado da ação humana direta ou feitiçaria – e sujeitos à ordália. Na maioria dos casos, a sassywood é utilizada para crimes onde não há testemunhas suficientes ou provas substanciais de autoria específica.

Constatado o delito, um grupo de anciões da aldeia se reúne com a vítima, se estiver viva, e a sua família para decidirem se acusam ou não a pessoa suspeita. Essas acusações são fundamentadas na sabedoria dos anciões, histórico do suspeito, relação dele com a vítima ou indícios de autoria que possam ser compreendidos a partir do local do crime. É importante lembrar que são comunidades pequenas, onde os membros se conhecem há décadas e esse tipo de conhecimento subjetivo é mais acessível.

Decidindo por um suspeito, as acusações são imputadas de forma pública e ao acusado cabe escolher três opções: confessar o crime, fazer um acordo preliminar com a vítima ou proclamar a inocência – neste último caso ele se submete à sassywood para atestar a veracidade da sua afirmação.

Toda a cerimônia é organizada pelo administrador, geralmente um sacerdote ou ancião com distintas qualidades espirituais, respeitado pela comunidade e amplo conhecedor da mitologia, medicina e cultura tribal. Por sua autoridade, possui relação de convivência com todos os membros, conhece suas personalidades e inclinações. O seu papel é preparar a mistura venenosa, supervisionar todos os procedimentos e interpretar os resultados, agindo como uma fusão de feiticeiro, médico e juiz. Durante a cerimônia usa uma máscara tradicional, cobrindo o rosto. Esse detalhe é para simbolizar os espíritos da floresta e reforçar o caráter místico da cerimônia – além de despersonalizar a figura do juiz para que o resultado seja visto como algo decidido no plano sobrenatural, e não pelo arbítrio humano. Toda a receita e modo de preparo são segredos restritos à pequena elite de especialistas da sassywood. 

Na noite anterior, o acusado entra em jejum e é vigiado para que não coma nenhuma substância que possa induzir o vômito. No dia da cerimônia é escolhido o local, geralmente de caráter sagrado e dentro de uma floresta fechada, nas margens da aldeia. 

As pessoas que participam da cerimônia se reúnem em círculo e a jarra contendo o líquido sagrado é colocado no meio. A preparação do veneno, feita pelo administrador, segue rituais sagrados, invocando orações antigas para que a verdade seja revelada. Se acredita que os espíritos ancestrais habitam na casca da árvore.

O acusado, completamente nu, adianta-se e sua acusação é anunciada em voz alta. Ele faz um reconhecimento formal de todo o mal que cometeu até aquele momento, mostrando arrependimento pelos erros. Invoca o nome de Deus três vezes e roga que o puna se for realmente culpado. Pega a jarra e bebe livremente. Segundo a crença, junto com o líquido estão os espíritos ancestrais, que irão vasculhar a sua alma para buscar a culpa. Se não a encontrarem, sairão junto ao vômito. Se encontrarem a responsabilidade pelo crime, eles permanecem dentro do corpo, junto com o líquido, causando a intoxicação e destruição interna, levando a uma eventual morte – sobrevivendo, aplica-se uma pena posteriormente.

Sobrevivendo ao teste, vomitando tudo e sem sinais intoxicação, o inocente é proclamado publicamente um homem inocente, honrado e corajoso. Existem alguns relatos que, dependendo da tribo, ele pode solicitar ao sacerdote que seus acusadores passem pela mesma ordália.

4.2 Desvendando a Sassywood

Na maioria dos tipos de ordálias, espalhadas pelo mundo, existe algum tipo de intervenção e manipulação de resultados pelo administrador – sem jamais diminuir ou retirar a aparência sobrenatural do ritual.

Os economistas Peter Leeson e Christopher Coyne (2012, p.616), utilizando a teoria econômica das escolhas racionais, afirmam que numa sociedade com crenças religiosas niveladas e hegemônicas na eficácia da sassywood todos os culpados se recusariam ao teste e todos os inocentes enfrentariam e sairiam ilesos.

Para um acusado efetivamente culpado, os custos de confessar e sofrer a pena estipulada pela comunidade ou fazer acordos reparatórios é muito menor do que passar pela experiência dolorosa e possível morte na sassywood. Ele sabe que se ingerir a mistura, sua culpa será confirmada pelos infalíveis espíritos ancestrais. Isso afasta o culpado religioso da ordália

Para um acusado efetivamente inocente e religioso, o prejuízo de se submeter à ordália é muito menor e menos injusto do que confessar e sofrer a punição por um crime que não cometeu. O inocente, convicto na manifestação divina e verdade de sua causa, prefere se submeter à sassywood porque sabe que sobreviverá ao teste.  Por isso que é necessária a intervenção do especialista. Sua inocência seria inútil caso o curso natural da experiência e intensidade do veneno não fosse ajustado. Sem esse detalhe, o inocente beberia a poção tóxica e na pior das hipóteses morreria, sendo considerado culpado. Para evitar essa injustiça o especialista modifica a mistura para determinar o resultado na cerimônia pública, enfraquecendo o veneno ou adicionando substâncias atenuantes e indutoras de vômito.

Mas para os acusados injustamente e os efetivamente culpados que são céticos da sassywood e mesmo assim se dispõe a enfrentá-la, o sacerdote dispõe de um inteligente mecanismo. A sutileza desta ordália reside na sabedoria e experiência do sacerdote, que irá determinar o resultado antes da cerimônia. São observados vários fatores, objetivos e subjetivos, se utilizando de engenhosos instrumentos psicológicos para descobrir a verdade.

A reação inicial do acusado, após ser acusado publicamente de um crime, é a pista inicial que o administrador da ordália vai acumulando em todo o processo para tomar sua decisão. Aquele que se mostrar enérgico em declarar a sua inocência e se dispuser a se submeter na mesma hora à sassywood geralmente constitui um indício de inocência. O acusado que titubear, gaguejar, ficar nervoso, mas, ao invés de confessar, se dispuser a enfrentar a sassywood é visto como um potencial culpado.

Em muitos casos, a mera presença paramentada do administrador da ordália, símbolo de elevado respeito e poder espiritual, é suficiente para os acusados confessarem, alterarem testemunhos ou apresentarem evidências.

Entre o período da acusação e a cerimônia pode se passar dias ou meses. Em todos os casos, o sacerdote passa um longo tempo com o acusado, conversando e convivendo com ele, procurando saber informações adicionais sobre a vida, crenças e até mesmo sobre o ceticismo pessoal em relação à sassywood. São ministrados sermões ao acusado sobre as origens mitológicos da sassywood, sobre a importância de cumprir os costumes e valores da tribo e as eventuais consequências de falhar na cerimônia, como a possibilidade concreta da morte. Nessa fase, muitos culpados, mesmo céticos, preferem não arriscar e acabam confessando.

Depois de um tempo é dada uma nova chance para o acusado, para reconfirmar sua vontade em participar da ordália. Para os verdadeiramente culpados, ainda há chance para confessar ou fazer acordo. Para distinguir a culpa da inocência e decidir o resultado, ajustando a intensidade do veneno, o sacerdote usa sua experiência e profundo conhecimento dos membros, usando todos esses procedimentos como um ritual mágico para enfatizar o aspecto sobrenatural de uma decisão meramente humana.

Apesar de conter imperfeições e não ser um sistema a prova de falhas, há de se considerar o contexto local e autonomia cultural das comunidades, além do fato de que o risco de injustiça ser muito menor do que na corrupta justiça oficial liberiana. A eficácia da sassywood pode parecer improvável para muitas pessoas, mas introduzir instituições jurídicas ocidentais nessas tribos, como quer muitas organizações internacionais de direitos humanos, seria algo ininteligível e ilegítimo aos seus membros.

Uma das vantagens da sassywood é a acessibilidade. Ao contrário da justiça oficial, escassa, corrupta e distante para a maioria dos liberianos, a sassywood e outras instituições da justiça tradicional estão em todos os lugares do país, da capital ao interior. A sassywood pode ser realizada em qualquer lugar e em qualquer hora, necessitando ter apenas o administrador especialista e as cascas da árvore, que são abundantes. No interior do país, em territórios abandonados pelo Estado, a sassywood, ao invés de nada, é uma alternativa viável para perseguir a justiça. Essa ordália possui um efeito intimidador aos potenciais criminosos que queiram tentar a sua sorte nas aldeias, já que na justiça oficial, presente somente nos centros urbanos, ainda impera a cultura da impunidade e corrupção, onde tudo está à venda.

Os riscos de corrupção da sassywood são incomparavelmente mais baixos do que os de juízes ou autoridades legais da justiça oficial. Apesar da própria natureza da ordália permitir a manipulação dos resultados, é necessário compreender o aspecto sobrenatural da experiência e a forte crença do povo liberiano na eficácia do teste. Os administradores da ordália são membros de pequenas comunidades local que prezam bastante pelo respeito que adquiriram. Essa relação próxima entre o acusado, o acusador e as testemunhas favorecem a honestidade e acurácia do julgamento.

Segundo Leeson e Coyne (2012, p. 614), se um administrador da ordália é suspeito de corrupção, ele pode ser trocado por outro administrador de comunidades vizinhas e cair eternamente em desgraça, afetando até o chefe político local da tribo. As comunidades pequenas e unidas favorecem uma vigilância mútua quanto à bens e riquezas repentinamente incorporados ao patrimônio do administrador. O próprio processo de eleição direta pelos membros favorece a honestidade. Os escolhidos são pessoas de grande respeitabilidade e notório conhecimento, construído ao longo de décadas, de reputação intocável e grande poder de mobilizar as forças espirituais. Ao contrário da justiça oficial, de influência ocidental, o juiz vive e conhece intimamente as partes, o que diminui as chances de cometer injustiças voluntariamente.

Um administrador da sassywood ganha por volta de 7 a 24 dólares americanos por um único julgamento. Considerando que a renda média liberiana de todo um ano é 424 dólares, administrar a sassywood pode render um considerável salário, bem acima da maioria da população. O pagamento também pode ser feito em sementes, animais ou colheitas. O risco de perder o reconhecimento social e a excelente remuneração são excelentes barreiras para desencorajar a corrupção.

4.3 Legitimidade

A sassywood era legalmente permitida no sistema da justiça tradicional até a Suprema Corte da Libéria colocar na ilegalidade em 1916 e reafirmar a proibição em 1940 e 2005. Essa mudança legal se deve a pressão de organizações e governos internacionais ocidentais aliados com a elite governante de américo-liberianos, que buscam acelerar a ocidentalização do país. Ainda hoje, muitos liberianos desconhecem a ilegalidade da sassywood, decretada há quase 100 anos.

O atual governo faz campanhas de conscientização na população para que todos os procedimentos judiciais, da justiça oficial e tradicional, estejam de acordo com os direitos humanos. Vigora uma proibição oficial à sassywood, mas uma leniência institucional de muitas autoridades, principalmente do interior do país, de maioria nativa. O Ministro do Interior, responsável pelo sistema judicial tradicional, contrariando a Suprema Corte, começou a emitir licenças oficiais para administradores de ordália em 2006. Após intensa pressão política, se retratou em 2008. O governo não faz estatísticas oficiais da sassywood, sendo impossível saber sua real extensão em termos numéricos.

Esta ordália é vista por organizações internacionais de direitos humanos como um resquício de uma cultura primitiva, violadora de garantias fundamentais e que deveria ser relegada ao esquecimento e extinção. A ONU considera a sassywood um obstáculo à modernização do sistema judicial e relata receber constantes informes sobre o seu uso, mas admite que nada pode fazer pois as aldeias do interior estão isoladas pelas estradas ruins e segurança precária. A ONG Foundation for Internacional Dignity monitora de perto a proibição estatal e faz propaganda de anúncios nos meios de comunicação alertando a ilegalidade da sassywood.  

Em um país onde não existe presença estatal distribuída e as vilas do interior estão a dias de viagens dos tribunais mais próximos, a ordália é uma resposta legítima a um vácuo de poder deixado pelo Estado, garantindo a efetividade da justiça comunitária. Dentro do panorama possível, a sassywood tem conseguido defender alguns direitos dos liberianos, relativos à vida e propriedade, e seria injusto compará-la com métodos de objetivos semelhantes de origem estrangeira, mas indisponíveis e impossíveis ao contexto.

Algumas críticas do povo liberiano à proibição oficial da sassywood se refere ao perceptível aumento da criminalidade e destruição de um importante elemento da cultura dos nativos – interpretado como mais um ataque da elite américo-liberiana. Sem a sassywood e sem a presença da justiça oficial, o cenário que se estabelece nas aldeias é de total impunidade. A justiça comunitária fica paralisada, sem alternativas viáveis.

O The Liberian Journal (2005), periódico nacional, relata um encontro de líderes nacionais em que o Chefe do Conselho de Tradições, Zanzan Kanwor, afirmou que as etnias têm seus próprios meios de alcançar a justiça. Contou um caso de um grupo de jovens que viajara para uma floresta. Na volta, faltava um deles. Os parentes reclamaram, a polícia investigou e nada foi descoberto. Então o chefe tribal pediu permissão oficial para submetê-los à sassywood, que foi concedida. Antes de ingerirem a mistura, confessaram o assassinato e terminaram sendo encaminhados à justiça oficial para julgamento.

Na mesma conferência, com opinião oposta, estava a presidente américo-liberiana Ellen Sirleaf que defendeu a extinção e proibição oficial das ordálias. Disse ser um retrocesso para a imagem do país. A ministra da Justiça, presente no evento, afirmou que a existência da sassywood é resultado da descrença da população na justiça oficial e que as tradições tribais são ainda muito fortes em todo o país. Ela contou um caso de amigos pessoais que executaram a sassywood para tirar dúvidas sobre quem era o culpado pelo desaparecimento de uma carteira. As seis pessoas suspeitas participaram do teste e todas passaram, ficando cismadas com o resultado. Pouco tempo se passou e o restaurante que o grupo tinha frequentado ligou avisando da carteira esquecida na mesa.

Jesse Graham, jornalista da International Reporting Project (2007), conta o caso de Samuel Zlheh, acusado de lançar feitiços contra um oficial do governo local. Foi retirado no meio da noite por pessoas armadas de facões e levado ao limite da cidade onde foi obrigado a participar da sassywood. Diz que foi salvo pela intervenção da polícia.

Ela ainda reporta que o advogado geral da Libéria, Tiawan Gongloe, indiciou 13 pessoas no ano de 2007 pela prática da sassywood, mas que é difícil mudar uma tradição de séculos e com respaldo da maioria da população. Relata o caso do Ministro de Telecomunicações da Libéria que afirmou ter usado a sassywood para determinar quem tinha roubado sua correspondência oficial. A jornalista ainda fala de um prefeito local que foi levado para ver as árvores da sassywood e notou as cascas recentemente arrancadas. Ao perguntar para os jovens que se encontravam no local porque ainda praticavam a ordália, eles responderam que não se pode subornar uma árvore, confiam nela muito mais do que em qualquer autoridade oficial.

O relatório Human Rights Report, de 2012, relata o caso de uma mulher de 44 anos que morreu na província de Kru, sul do país, depois de beber a mistura da sassywood. O objetivo era provar sua inocência relativa ao crime de feitiçaria. Duas pessoas foram presas mas terminaram sendo libertadas porque a polícia arquivou o caso como suicídio. Em junho do mesmo ano, uma idosa de 75 anos morreu depois de beber a mesma mistura para provar sua inocência após ser acusada pela igreja local de magia negra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante séculos, a sassywood foi usada de forma natural, inquestionável pelo povo, como prática cultural antiga. A partir do século XX, o governo numa tentativa de ocidentalização forçada começou a proibição e perseguição – sem sucesso. No século XXI, é aceita pela população como uma forma legítima de buscar justiça diante do vácuo de um Estado destruído por duas guerras civis que deixaram centenas de milhares de mortos.

À primeira vista, a sassywood poderia ser vista, por nós, como algo primitivo, irracional e supersticioso, uma reminiscência de uma cultura bárbara, relegada aos livros de história como mais uma das excentricidades dos povos africanos. 

Governos e ONGs internacionais, pensando assim, e movidos pela convicção de monopolizarem a proteção dos direitos humanos universais, perseguem a sassywood e outros métodos de justiça comunitária ao redor do mundo. Introduzem, à força, métodos alienígenas e padronizados nas comunidades, oriundos de concepção de mundo totalmente diferente, proclamando a eficiência, rapidez e produtividade.

A proibição à sassywood é reflexo de uma nova forma de colonialismo na África. Se os antigos colonizadores europeus da África não se preocupavam em mascarar o seu objetivo puramente material e econômico, os novos, travestidos de arautos da bondade e globalização, causam danos mais permanentes, pois danificam a cultura de um povo, que é a alma de todos os seus membros. No seu afã igualitário e hegemônico, buscam pôr em marcha inexorável a ocidentalização da justiça no mundo, antagonizada pela sassywood, uma das últimas barreiras de resistência da cultura africana.

A Ocidentalização jurídica possui métodos industriais e desumanizadores, irreconhecíveis ao homem médio de uma tribo do interior da África. Nela, não há espaço para o diálogo, mas para pilhas de documentos impessoais que se arrastam perpetuamente no tempo. O juiz, distante e impiedoso, não hesita em voluntariamente ignorar todos os aspectos envolvidos, principalmente os psicológicos e sociais. Protegido no seu cargo e autoridade, julga como um matemático faz suas contas, imbuído de um sentimento de sabedoria, infalibilidade e iluminação semirreligiosa que o Estado lhe dá. 

É inaceitável, para muitos, que a sassywood tenha forte apoio da população. Envergonhada dos costumes dos nativos, primeiros habitantes da região, a elite governante américo-liberiana mantém a proibição oficial como uma forma de imposição cultural de uma minoria.  É consenso entre a população e líderes tribais que a ausência da ordália tem aumentado a criminalidade e impunidade. Sem justiça, não há harmonia em um grupo destinado a conviver consigo mesmo.

A sassywood é um método de justiça comunitária, legítima e leva em conta a individualidade do acusado de forma muito mais profunda do que muitos ordenamentos jurídicos modernos. O resultado dela, conforme explicado no trabalho, é determinado por um tipo de conhecimento cada vez mais raro atualmente: o conhecimento espiritual e psicológico dos semelhantes por uma figura especialmente preparada para isto. O homem moderno, afeito às suas máquinas e estatísticas, desaprendeu a enxergar as sutilezas que alguém acusado de um crime pode revelar por suas reações, emoções e linguagem corporal – além de outros fatores da personalidade. A sabedoria dos antigos reside na experiência e no olhar atento, captando todas as nuances para se chegar à verdade.   

Não se sugere aqui que a sassywood deva ser aplicada em todo o mundo. Existem métodos mais modernos e eficientes de investigação sobre a culpabilidade de um acusado. Sugere-se, sim, que entre ela e um sistema oficial corrupto e ausente, que a população tenha soberania para sua escolha ser respeitada.  A sassywood é parte de uma cultura antiga, que reforça a religiosidade e esperança de um povo na Justiça. É um fenômeno local de um desejo universal humano, conhecer o desconhecido. Merece respeito e proteção.

 

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