Uma disputa desigual: as instituições financeiras como grandes litigantes e as possibilidades de proteção do litigante ocasional – Por Iury M. Honorato Ferreira da Silva

22/09/2017

Coordenador: Marcos Catalan

É oportuno iniciar esta coluna assinalando o sucesso do VI Agendas de Direito Civil Constitucional, realizado na última semana (14 e 15 de setembro) e sediado de maneira encantadora pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Genuinamente, o evento é um encontro de grupos de pesquisa na linha do Direito Civil Constitucional, propiciando diversas interações e debates entre pesquisadores e trabalhos em desenvolvimento.

Dito isso, saúdo à coordenação do Agendas e da FND pelo excelente evento e agradeço as considerações feitas à pesquisa por mim apresentada, a qual reconto, em linhas gerais, a partir de agora.

O mercado financeiro brasileiro é composto por diversos atores. Entre eles, as instituições financeiras, em especial os bancos, são as que estão em maior contato com a população. Frequentemente, essa relação jurídica entre o cidadão comum e a instituição financeira para a prestação de algum serviço, como o fornecimento de crédito e financiamentos, revela, na verdade, uma situação de disparidade considerável entre as duas partes.

De fato, as instituições financeiras estão entre os maiores litigantes do país, situando como polo ativo ou passivo em inúmeras ações tanto na Justiça Estadual como na Federal. Segundo o relatório “Os 100 Maiores Litigantes”[1], desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça com dados de 2011 e publicado em 2012, os bancos fizeram parte de 10,88% dos litígios, considerando Justiça Estadual, Federal e do Trabalho. Para fins de comparação, os bancos conquistaram a segunda posição do relatório, sendo superados pelo Setor Público Federal (12,14% dos processos), e superando o Setor Público Municipal (6,88%) e Estadual (3,75%).

Realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros, “O Uso da Justiça e O Litígio no Brasil”[2] é outro estudo que nos fornece dados capazes de elucidar o quanto as instituições financeiras estão presentes no Judiciário. No Primeiro Grau, o bloco econômico representado pelo setor financeiro é o principal demandado em sete Tribunais de Justiça, concentrando mais litígios nesses locais que qualquer outro ente.

Diante desse cenário, devemos nos questionar: os instrumentos disponíveis ao cidadão/litigante ocasional são suficientes para constituir uma disputa (minimamente) equilibrada em torno das demandas? Como assegurar direitos (e prevenir violações de direitos) dos cidadãos nesse contexto? Há como conter a influência extraprocessual dos Bancos nas questões que envolvem seu próprio interesse?

Tais problemas devem ser enfrentados na medida em que essa pesquisa evoluir. Por enquanto, podemos nos valer do caso do Código de Defesa do Consumidor para ilustrar a disputa em torno do aparato jurídico referente às demandas das instituições financeiras. O STJ reconhecia a incidência desde a década de 1990 do CDC, entretanto, a Súmula 297 foi editada somente em 2004, com o seguinte texto: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Não obstante, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro propôs Adin (julgada improcedente em 2006) pleiteando a inaplicabilidade da lei.

O professor Mauro Cappelletti[3], por sua vez, assevera que:

“o consumidor está isolado; é um litigante ocasional e naturalmente relutante em defrontar-se com o poderoso adversário. E as maiores vítimas desse desequilíbrio são os cidadãos das classes sociais menos abastadas e culturalmente desaparelhados, por ficarem expostos às políticas agressivas da empresa moderna”.

Paradoxalmente, as classes menos abastadas referidas por Cappelletti são as mesmas que dependem em grande parte dos serviços prestados pelas instituições financeiras para financiar sua inserção na sociedade de consumo. Consequentemente, decorre uma vasta gama de ocasiões em que o cidadão-consumidor-litigante ocasional, em situação de vulnerabilidade, percebe-se em um enfrentamento judicial com uma instituição financeira que possui um aparato jurídico colossal, para o qual não falta disposição para fazer valer a lei suprema do mercado.


Notas e Referências:

[1] Conselho Nacional de Justiça. Os 100 Maiores Litigantes. 2012.

[2] Associação de Magistrados Brasileiros. O Uso da Justiça e o Litígio no Brasil. 2013.

[3] Cappelletti, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1998. 168p.


 

Imagem ilustrativa do post: Business Class // Foto de: Tomas Armanavicius // Sem alterações.

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