Uma discussão acerca da denúncia – Há inépcia por falta do pedido de condenação?

10/05/2016

Por Ygor Nasser Salah Salmen - 10/05/2016

A (re)discussão sobre a inépcia da denúncia por falta do pedido de condenação, se faz presente pela peculiaridade do tema, muito se fala e combate-se pela rejeição da denúncia por inépcia da denúncia, nos meandros do artigo 395, I, do Código de Processo Penal.

Naquela discussão, insistentemente trazida à baila por diversos advogados, à alegação está em torno da denúncia genérica, sem pormenorização das condutas e outras características peculiares ao elemento. No entanto, existe um elemento, tratado neste artigo, que pode e deve ser mais um elemento para rejeição da denúncia, a inépcia da denúncia por falta do pedido de condenação.

A celeuma surge com base numa sustentação oral realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no final de abril deste ano. Naquela oportunidade o impetrante sustentava, via Habeas Corpus, os motivos pelos quais, aquela 2ª Câmara Criminal, deveria trancar a ação penal ou o processo penal[1].

Não foi desta vez. O entendimento daquela câmara, mesmo com exímios argumentos do sustentante, foi de que “a instrução incompleta do pedido não permite a sua análise, uma vez que deveria o feito ser instruído obrigatoriamente com cópias do habeas corpus anteriormente impetrado, denúncia e decisão que recebeu a denúncia, além de outros documentos relevantes para elucidação dos fatos, os quais são indispensáveis para verificar a eventual ocorrência de constrangimento ilegal, ainda que de ofício”. 

O tema em questão, sustentado naquela sessão de quinta-feira, como bem explanado na introdução, girava em torno do artigo 41 do Código de Processo Penal, que detalha o que deve conter a denúncia, no entanto, não alude, tacitamente, se a mesma deveria pugnar pela condenação do acusado.

Aquele fato me chamou atenção. Inépcia da denúncia por falta de pedido de condenação? Como assim? Não seria algo tácito, desnecessário? Vagamente, recordei-me de um artigo lido no site www.emporiododireito.com.br, referente a um apud feito pelo professor Afrânio Silva Jardim, em artigo[2] publicado na mesma página acima, em 26/04/2016, tratando sobre “um novo conceito de justa causa no processo penal”.

O apud feito por Silva Jardim, refere-se à publicação[3] de Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim, de 23/07/2015, que trata justamente sobre o tema em questão, razão pela qual me motivou discorrer sobre o tema, bem como questionar os demais leitores: Há necessidade do Ministério Público, ao ofertar a denúncia, expressar pela condenação do acusado?

Naquele artigo, o professor Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim cita Renato Brasileiro de Lima, mencionando que “há doutrinadores que incluem, dentre os requisitos essenciais da peça acusatória, a formulação de um pedido de condenação. A nosso ver, o pedido de condenação é implícito. Afinal, se o Ministério Público ofereceu denúncia, ou se o ofendido propôs queixa-crime, subentende-se que têm interesse na condenação do acusado. Ademais, como visto ao tratarmos do princípio da obrigatoriedade, nada impede que o promotor de Justiça, ao final do processo, opine pela absolvição do acusado. Portanto, entendemos que o pedido de condenação não é requisito essencial da peça acusatória”[4].

Como explanado pelo autor acima, ocasião em que abro um parêntese para mencionar que acompanhando às sessões da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, verifiquei que o doutrinador acima se tornou referência nos acórdãos publicados. O pedido de condenação seria algo “implícito”, justificando-se com base na oferta da própria denúncia.

Contrapondo esta doutrina, Amorim menciona diversos doutrinadores que versam justamente sobre a “causa de pedir”[5], que “o pedido é objeto do processo”[6], bem como que “a denúncia, (...), necessita trazer o pedido de prestação jurisdicional”[7] e “tratando-se de ação penal condenatória, o seu exercício pressupõe a formulação de uma acusação. Esta se compõe basicamente de dois elementos: a imputação e o pedido de condenação”[8]. 

Corroborando, o professor afirma que “o pedido de condenação, como já visto, há de ser expresso, para que se possa regularmente provocar a jurisdição. Não é qualquer peça inicial que haverá de merecer um julgamento de mérito, para isso, aliás, existem as exigências legais para apresentação da inicial. Sendo irregularmente provocado, o Judiciário há de se abster do exame da pretensão do autor, extinguindo o processo sem resolução do mérito”. 

Pois bem, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é de que não assiste razão ao fato de que o pedido de condenação deve estar expresso na denúncia, vez que “é possível que não haja o pedido expresso de condenação, podendo defluir do contexto da imputação feita na inicial, o que acarretaria então mera irregularidade”.

INÉPCIA DA EXORDIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE PEDIDO DE CONDENAÇÃO EXPRESSO NA DENÚNCIA[9]. 

ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DE CONDENAÇÃO. REQUISITO NÃO EXIGIDO PELO ART. 41 DO CPP[10]. 

PRELIMINARES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE PEDIDO EXPRESSO DE CONDENAÇÃO. INVIABILIDADE. REQUISITOS ART. 41, DO CPP, PREENCHIDOS[11].

Noutro prisma, analisando outras jurisprudências do mesmo Tribunal, trazemos à baila algumas divergências, acima, o fato de que a falta de pedido expresso caracteriza-se como mera irregularidade e abaixo, como essencial, no entanto, com objetos distintos, vejamos:

AFASTAMENTO DO RESSARCIMENTO POR PERDAS E DANOS - ACOLHIMENTO - AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA INICIAL[12]. 

PEDIDO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO NA REPARAÇÃO DE DANOS - ACOLHIMENTO - FALTA DE PEDIDO EXPRESSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA INICIAL[13]. 

REPARAÇÃO DOS DANOS (ARTIGO 387, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DO PARQUET OU DA OFENDIDA[14].

A contradição está justamente nas jurisprudências acima, o objeto em discussão está na fixação de indenizações e demais montantes na esfera criminal, o mesmo pedido que em tese seria dispensável nos primeiros exemplos, torna-se indispensável para concessão nas últimas jurisprudências.

Os argumentos empregados são de que "não foi efetuado nenhum pedido no sentido da fixação de danos materiais a ser suportado pelo ora apelante, e, destarte, a fixação de tais valores na sentença condenatória ofendeu o contraditório, princípio indispensável para a correção do processo, seja no âmbito penal, seja no âmbito civil" e que “não consta da denúncia nem das alegações finais do Ministério Público o pedido de ressarcimento dos danos. Assim, é de se afastar a condenação na reparação dos danos, ressalvada a hipótese de pleitear tal montante na esfera cível”.

Ora, se “não assiste razão ao fato de que o pedido de condenação deve estar expresso na denúncia”, por qual razão o pedido de “fixação de indenizações e demais montantes na esfera criminal” também devem estar presentes na denúncia?

Como defendido nas jurisprudências acima, por se tratarem de meras irregularidades, nos casos de indenizações, o magistrado à luz do artigo 569 do Código de Processo Penal não poderia suprir ou determinar que estas irregularidades fossem supridas?

Neste diapasão, assiste razão àqueles que fundamentam o pedido no Código de Processo Civil, conforme bem lembrado por Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim ao lembrar J.J Calmon de Passos[15]: “Pedido implícito. Esse estar contido virtualmente é característico dos chamados pedidos implícitos, ou seja, pedidos que para serem atendidos não reclamam expressa formulação. É a hipótese de prestações vincendas, se a obrigação é de trato sucessivo (art. 290) bem como da inclusão dos juros legais na condenação, ainda que não expressamente pedidos”.

Com base no princípio da adstrição do magistrado, preceituado no artigo 128 do antigo Código de Processo Civil e no artigo 141 do novo Código de Processo Civil, “o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito à lei exige iniciativa da parte”.

Assim, não há que se falar em mera irregularidade, se o magistrado deve decidir o mérito nos limites propostos, como pode receber à acusação sem saber qual a condição da ação e a real pretensão do Ministério Público?

Trazendo o exemplo ao processo penal, Aury Lopes Jr. menciona que “para que o juiz penal possa fixar um valor mínimo para reparação dos danos na sentença, é fundamental que: 1. exista um pedido expresso na inicial acusatória de condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo para reparação dos danos causados, sob pena de flagrante violação do princípio da correlação; 2. Portanto, não poderá o juiz fixar um valor indenizatório se não houve pedido, sob pena de nulidade por incongruência da sentença; 3.  a questão da reparação dos danos deve ser submetida ao contraditório e assegurada a ampla defesa do réu[16].

Correlacionando os exemplos, é necessária uma coexistência, simetria na oferta da denúncia, uma “verdadeira condição de paridade de armas, imprescindível para a concreta atuação do contraditório”[17]. A incompletude da denúncia não só acarretaria em prejuízo ao contraditório e ampla defesa, como as garantias judiciais estabelecidas na Convenção Americana de Direitos Humanos, como “comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada”

Caminhando ao fim, Afrânio Silva Jardim esclarece que "o MP dispõe da investigação preliminar (inquérito policial) para realizar todas as diligências e atos investigatórios necessários para sanar sua dúvida. É flagrante a desigualdade de armas em situações como esta, violando de morte o princípio do contraditório e, por consequência e, por consequência, da ampla defesa"[18].

Pelo exposto, a falta de pedido de condenação na denúncia configura-se causa de rejeição da denúncia, se o Ministério Público dispõe de todos os atos investigatórios necessários, bem como o magistrado deve decidir o mérito nos limites propostos pelas partes, a denúncia deve ser ofertada de maneira completa, com todos seus requisitos, não cabendo ao magistrado sanar tal omissão, do mesmo modo que se não rejeitada, sob argumento de que se trata de “mera irregularidade”, colocaria em xeque garantias fundamentais estabelecidas pela nossa Carta Constitucional e demais ordenamentos jurídicos.


Notas e Referências:

[1] Segundo LOPES JR. (São Paulo: 2013. p. 1349), se tranca o processo e não a ação.

[2] Disponível em: http://emporiododireito.com.br/justa-causa-no-processo-penal/. Acesso em 02/05/2016.

[3] Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-inepcia-da-denuncia-por-falta-do-pedido-de-condenacao-por-pierre-souto-maior-coutinho-de-amorim/. Acesso em 02/05/2016.

[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª edição. Salvador: Juspodium, 2015, p. 282.

[5] LIMA, Fernando Antônio Negreiros. Teoria Geral do Processo Judicial. São Paulo: Atlas, 2013, p. 454.

[6] Idem.

[7] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª edição. Campinas: Millenium, 2001, p. 135.

[8] JARDIM, Afrânio Silva e AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Direito Processual Penal: estudos e pareceres. 13ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, pp. 170-172.

[9] TJPR - 4ª C.Criminal - AC - 1299623-1 - Cerro Azul -  Rel.: Lidia Maejima - Unânime -  - J. 18.06.2015

[10] TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1152221-5 - Grandes Rios -Rel.: Lilian Romero - Unânime - J. 08.05.2014

[11] TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1395305-4 - Dois Vizinhos -  Rel.: Laertes Ferreira Gomes - Unânime -  - J. 25.02.2016

[12] TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1445026-5 - Curitiba -  Rel.: Roberto De Vicente - Unânime -  - J. 17.03.2016

[13] TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1406227-4 - Rio Negro -  Rel.: Roberto De Vicente - Unânime -  - J. 07.04.2016

[14] TJPR - 3ª C.Criminal - AC - 1120634-5 - Curitiba -  Rel.: Simone Cherem Fabrício de Melo - Unânime -  - J. 24.06.2014

[15] PASSOS, José Joaquim Calmon de Passos. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 242.

[16] Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10. Ed – São Paulo: Saraiva, 2013. p. 431

[17] Expressão empregada por LOPES JR. (São Paulo: 2013. p. 560)

[18] JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 57.


Ygor Nasser Salah Salmen. Ygor Nasser Salah Salmen é advogado criminal, Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR, Membro da Comissão de Advogados Iniciantes da OAB/PR, possui pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal pela ABDConst e é formado pela Universidade Positivo, instituição em que foi Pesquisador de Iniciação Científica pelo período de 3 (três) anos. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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