Uma brevíssima introdução geral ao conceito de "Ética"

19/03/2015

Por Ricardo Timm de Souza - 19/03/2015

Não obstante o fato de que bibliotecas inteiras têm sido escritas a respeito da Ética e das questões éticas ao longo dos séculos, a essência do problema é relativamente fácil de localizar e circunscrever. Trata-se do seguinte: quando nos referimos àquilo que, no fundo, nos leva a pensar e indagar sobre o conceito de “Ética” – a condição humana –, percebemos que a Ética não é um elemento qualquer no universo dos significantes e significados do mundo. Na verdade, a Ética é o fundamento da própria possibilidade de pensar o humano. E isso porque a própria ideia de pensar pressupõe a Ética. Não existe pensamento fora de alguém que pensa, e esse alguém não é um indivíduo fechado em si mesmo, mas sim, de algum modo, o fruto concreto das relações – sejam relações no âmbito de sua gênese biológica (ninguém nasce senão de seus pais), sejam relações em termos de sua geração social e histórica (ninguém existe fora de uma cultura e de uma língua que o acolhem, ou fora de estruturas materiais que o sustentam). Ser humano é provir e viver na multiplicidade do humano. E não qualquer multiplicidade, mas multiplicidade qualificada ou, exatamente, multiplicidade ética, do agir de uns com relação aos outros e dos sentidos que esse agir vai assumindo ao longo do tempo. E isso é muito fácil de verificar. Pois, para que a gestação biológica de nossa mãe tenha chegado a um bom termo e tenhamos nascidos saudáveis, é necessário que nem nossa mãe, nem todos os que a apoiaram, houvessem agido de forma , pelo menos não a ponto de impedir nosso desenvolvimento. O mesmo se dá, também, em cada um dos momentos de nossa vida, não apenas daqueles por nós facilmente percebidos como decisivos ou muito importantes, mas igualmente naqueles, aparentemente coloquiais, que constituem propriamente o dia-a-dia de nossa vida, a teia dos momentos na qual vivemos em nossa cotidianidade. Em suma: em todos os momentos de nossa vida, define-se em cada situação a continuidade de nossa existência, não através de atos indiferentes, mas na especificidade única e não-neutra de cada ato. Um ato qualquer, um agir específico, pode tanto fazer viver como fazer morrer. Não há instante isolado, neutro ou indiferente para a vida; há apenas instantes que conspiram ou para a continuação e promoção da vida, ou para sua corrosão e destruição.

Ética é, assim, em uma brevíssima descrição, o fundamento da condição humana que vive, age e reflete sobre si, sobre seu lugar, sobre sua casa, sobre seu mundo, a partir das relações desde sempre presentes e/ou a serem construídas entre os humanos uns com os outros e entre os humanos e o restante do mundo. E, assim sendo, Ética é o fundamento de todas as especificidades do viver, em suas mais complexas relações e derivações, das ciências e da tecnologia, da história das comunidades e da própria filosofia. Essa é a razão pela qual a Ética é o princípio do qual toda a atividade humana deve provir e ao qual deve igualmente se dirigir: a manutenção de relações saudáveis dos seres humanos entre si, dos humanos com relação à vida em geral e dos humanos com a totalidade do ambiente no qual vivem e com o qual interagem.


 Notas e Referências:

SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do mal – por uma crítica da violência biopolítica, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.

______, Totalidade & Desagregação – sobre as fronteiras do pensamento e suas alternativas, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

______, O tempo e a Máquina do Tempo – estudos de filosofia e pós-modernidade, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.

______, Sujeito, ética e história – Levinas, o traumatismo infinito e a crítica da filosofia ocidental, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.

______, Existência em Decisão - uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig, São Paulo: Perspectiva, 1999.

______, Sentido e Alteridade – Dez ensaios sobre o pensamento de E. Levinas, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000 (2. Edição e-book: EDIPUCRS, 2010).

______, Metamorfose e Extinção – sobre Kafka e a patologia do tempo, Caxias do Sul: EDUCS, 2000.

______, Ainda além do medo – filosofia e antropologia do preconceito, Porto Alegre: DaCasa-Palmarinca, 2002.

______, Sobre a construção do sentido – o pensar e o agir entre a vida e a filosofia, São Paulo: Perspectiva, 2003.

______, Responsabilidade Social – uma introdução à Ética Política para o Brasil do século XXI, Porto Alegre: Evangraf, 2003.

______, Razões plurais – itinerários da racionalidade ética no século XX: Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenzweig, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

______, Fontes do humanismo latino – A condição humana no pensamento filosófico moderno e contemporâneo, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

______, Ética como fundamento – uma introdução à ética contemporânea, São Leopoldo, Editora Nova Harmonia, 2004.

______, Sentidos do Infinito a categoria de “Infinito” nas origens da racionalidade ocidental, dos pré-socráticos a Hegel, Caxias do Sul: EDUCS, 2005.

______, Em torno à Diferença – aventuras da alteridade na complexidade da cultura contemporânea, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

______, Justiça em seus termos – dignidade humana, dignidade do mundo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

______, Adorno & Kafka – paradoxos do singular, Passo Fundo: Editora do IFIBE, 2010.

______, Kafka, a Justiça, o Veredicto e a Colônia Penal, São Paulo: Perspectiva, 2011.

______, “’Ecos das vozes que emudeceram’: memória ética como memória primeira”, in: RUIZ, Castor Bartolomé (Org.). Justiça e memória – para uma crítica ética da violência, São Leopoldo: Editora da UNISINOS, 2009.

______, “O corpo do tempo: um exercício fenomenológico”, in: SOUZA, R. T. – OLIVEIRA, N. F. (Orgs), Fenomenologia hoje II – significado e linguagem, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 439-450.

______, “Da metamorfose da intencionalidade à metamorfose do sentido – uma leitura de Levinas”. In: LOPARIC, Zeljko; WALTON, Roberto. (Orgs.). Phenomenology 2005 – Selected Essays from Latin America. 1 ed. Bucarest: Zeta Books, 2007, v. 2.

______, “O nervo exposto – por uma crítica da ideia de razão desde a racionalidade ética”, in: GAUER, R. M. C. (Org.), Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos II, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.

* As bases teóricas e categoriais do presente texto podem ser localizadas nas “Referências”, ao fim do mesmo.


TIMM

Ricardo Timm de Souza é Professor Titular da FFCH/PUCRS.www.timmsouza.blogspot.com.br                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       


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