Um pouco do espírito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, nos versos de Tobias Barreto

11/08/2016

Por Jorge Coutinho Paschoal – 11/08/2016

O Largo de São Francisco, onde se encontra a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - também conhecida por “São Francisco” ou “Arcadas” -  completa hoje seus 189 anos de história, marcando a fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil, ao lado da igualmente tradicional Faculdade de Recife (antiga Faculdade de Direito de Olinda).

A primeira Faculdade de Direito de São Paulo nasceu em um convento, construído por volta do ano de 1647, ao lado das igrejinhas franciscanas (até hoje idênticas), fruto do trabalho de negros, índios e portugueses[1].

Curiosamente, naqueles tempos, o território “livre” do Largo (a parte externa, onde se situa a Faculdade) abrigava uma senzala com os escravos que serviam os padres[2], tendo a Academia, posteriormente, desempenhado papel de relevo na abolição da escravatura, a exemplo da atuação de José Joaquim Pimenta Bueno, Ruy Barbosa[3], Joaquim Nabuco[4], Castro Alves, José Bonifácio, Carlos Gomes, entre tantos outros.

O velho convento, onde funcionava a Faculdade de Direito, foi vítima de um incêndio criminoso, em 1880[5], tendo sido remodelado, com ares mais modernos, já em 1886. Contudo, a atual estrutura do prédio da Faculdade, da forma como hoje se encontra, decorreu de uma completa reformulação, em 1930, sendo mantida a arquitetura dos arcos em seu pátio central (essa a razão por que é chamada de Arcadas), bem como a sepultura de Julius Frank (antigo Professor de um cursinho preparatório para ingresso na Faculdade) e o antigo relógio que já ornamentava a entrada do prédio.

Desde a instituição dos Cursos Jurídicos no Brasil, aos 11 de agosto de 1827, o fato é que a Faculdade de Direito de São Francisco tem feito história: é destaque não só no Direito (desde os tempos da proclamação da República, já não se mostrava necessário ter que atravessar o oceano para estudar Direito) e em diversas áreas.

A primeira biblioteca pública de São Paulo é do Largo São Francisco, fundada em 1825, sendo posteriormente anexada à Academia, em 1827[6]. Hoje, agrega um dos maiores acervos jurídicos do país, com livros raros, uma verdadeira preciosidade.

A imprensa, um dos pilares da democracia, nasceu, com maior vigor, dos bancos da Academia de Direito de São Paulo: A província de São Paulo, futuro jornal O Estado de São Paulo, foi nada mais que uma iniciativa dos bacharéis do Largo[7].

A própria criação da Universidade de São Paulo - a maior e melhor Universidade da América Latina - se deu por obra dos acadêmicos do Largo São Francisco, por iniciativa de Júlio Mesquita Filho[8]. Acadêmicos do Largo tiveram papel de destaque nos rumos da USP: o primeiro Reitor da USP foi aluno da Faculdade de Direito, o Prof. Reynaldo Porchat; a Jorge Americano, outro bacharel da Faculdade, coube a iniciativa de indicar um local para abrigar o campus da USP; e por parte do Professor Miguel Reale, houve a implementação do projeto da Cidade Universitária da USP, como se encontra hoje[9].

Por lá não passaram só juristas, operadores e estudiosos de Direito, mas poetas, como os românticos Álvares de Azevedo, Fagundes Varella e Castro Alves - e cujos nomes estão inscritos logo a cada uma das entradas do prédio reformulado em 1930 – além de notáveis escritores, como José de Alencar, Monteiro Lobato, Olavo Bilac, Lygia Fagundes Telles, entre diversas outras personalidades, em vários segmentos.

Também na política a Faculdade de Direito do Largo São Francisco se sobressai: não há um episódio histórico, neste país - desde os tempos da Independência do Brasil - em que não tenha havido a contribuição de algum franciscano.

A Faculdade, embora um tanto quanto lúgubre (afinal, há um túmulo em seu interior, sendo encontradas - quando da reforma, em 1930 - ossadas de frades, enterrados nas paredes do edifício[10]), ainda encanta pela beleza e imponência.

Conforme as trovas acadêmicas: “não sei se é fato ou se é fita, não sei se é fita ou se é fato. O fato é que ela me fita, me fita mesmo de fato”.

Embora para alguns “antigos” alunos já não haja a mesma empolgação dos tempos do início da Graduação (o tempo tende a “esfriar” todas as paixões), haja vista as críticas e os vários senões, não há como não se ter orgulho de fazer parte da sua História.

O mais famoso trecho da trova acadêmica, que se tornou hino da Faculdade “quando se sente bater, no peito heroica pancada, deixa-se a folha dobrada, enquanto se vai morrer” sintetiza um pouco do espírito da São Franciscano: o apreço ao conhecimento e pela luta dos ideais de justiça, pouco importando ideologia ou a diversidade de pensamento de cada um de seus alunos (o que só enriquece a Faculdade!).

Curiosamente, a ligação entre as Academias de São Paulo e de Recife - que hoje fazem aniversário - não se restringe ao Decreto de D. Pedro I, que fundou os cursos jurídicos no Brasil; está imortalizada nos versos acima mencionados, da célebre “folha dobrada” – que, na verdade, são de um poema de autoria de Tobias Barreto de Meneses, jurista proveniente, justamente, dos bancos da Faculdade de Recife. Poucos sabem disso.

Seria de bom tom - caso ainda não se tenha inserido – que se colocasse o nome de um dos maiores penalistas que este país já teve junto aos seus versos, no Monumento em homenagem à Revolução Constitucionalista de 1932, localizado no Pátio das Arcadas.

Seja como for –ainda que por obra do destino - ninguém melhor que a mente polêmica - e livre - de Tobias Barreto para deixar registrada a essência do Largo São Francisco!

Parabéns à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e à Faculdade de Recife pelos seus 189 anos e a todos os Advogados pelo seu Dia!


Notas e Referências:

[1] MARTINS, Ana Luiza & BARBUY, Heloisa. ARCADAS – Largo de São Francisco. História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.  SP: Melhoramentos, 1999, p. 17.

[2]  MARTINS, Ana Luiza & BARBUY, Heloisa. ARCADAS – Largo de São Francisco. História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.  SP: Melhoramentos, 1999, p. 19.

[3] Ruy Barbosa iniciou o curso em Recife, tendo-o finalizado em São Paulo, no Largo São Francisco.

[4] Joaquim Nabuco iniciou os estudos na São Francisco, tendo-os finalizado da Faculdade de Recife, caminho inverso ao de Ruy Barbosa.

[5] MARTINS, Ana Luiza & BARBUY, Heloisa. ARCADAS – Largo de São Francisco. História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.  SP: Melhoramentos, 1999, p. 88.

[6] MARTINS, Ana Luiza & BARBUY, Heloisa. ARCADAS – Largo de São Francisco. História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.  SP: Melhoramentos, 1999, p. 21, 54-55.

[7] MARTINS, Ana Luiza & BARBUY, Heloisa. ARCADAS – Largo de São Francisco. História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.  SP: Melhoramentos, 1999, p. 66, 69.

[8] MARTINS, Ana Luiza & BARBUY, Heloisa. ARCADAS – Largo de São Francisco. História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.  SP: Melhoramentos, 1999, p. 193.

[9] MARTINS, Ana Luiza & BARBUY, Heloisa. ARCADAS – Largo de São Francisco. História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.  SP: Melhoramentos, 1999, p. 195-196.

[10] MARTINS, Ana Luiza & BARBUY, Heloisa. ARCADAS – Largo de São Francisco. História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.  SP: Melhoramentos, 1999, p. 181.


Jorge Coutinho Paschoal

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Jorge Coutinho Paschoal é Advogado e Mestre em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (USP).

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Imagem Ilustrativa do Post: 2009.05: Faculdade de Direito, Largo São Francisco, SP, Brasil // Foto de: Rodrigo Accurcio // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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