Um grande equívoco: o princípio In Dubio Pro Societate

09/05/2016

Por Afranio Silva Jardim – 09/05/2016

É comum encontrarmos, na doutrina do Direito Processual Penal, a assertiva de que, na dúvida, se deve admitir a acusação para que o processo seja instaurado.

Duas premissas devem ficar claras: 1 - o princípio da obrigatoriedade do exercício do direito de ação só incide se presentes as chamadas condições da ação e os pressupostos processuais; 2 - a regra constitucional que presume a inocência veda a inversão do ônus da prova em qualquer fase do processo penal, ou mesmo de algum procedimento a ele prévio.

O equívoco decorre de se tomar como parâmetro o mérito do processo, que não cabe ainda valorar. Em outras palavras, nesta fase inicial do processo, não é tempestivo examinar se a pretensão do autor procede ou não, ou mesmo se temos dúvida sobre tal procedência. Neste momento, o juiz tem de se ater a constatar se estão presentes os requisitos para admitir a peça acusatória, tendo em vista a regra do art.395 do Cod. Proc. Penal.

Desta forma, havendo dúvida sobre um dos requisitos para o recebimento da denúncia ou queixa, elas não devem ser recebidas. Vale dizer, se o julgador estiver em dúvida sobre a demonstração dos requisitos elencados no supra citado art.395, não deve admitir a acusação. Isto vale para a decisão de pronúncia, nos crimes da competência do Tribunal do Júri. Dizendo de outro modo, havendo dúvida se os requisitos do art. 408 estão presentes, o réu não deve ser pronunciado. Lógico que tais decisões não impedem que se continue investigando para que se obtenha a prova faltante, inclusive do fato caracterizador da tipicidade alegada (justa causa).

Note-se que, no juízo de recebimento ou não da denúncia ou queixa, descabe valorar a eventual prova conflitante, optando por uma ou outra vertente probatória. Isto se faz no julgamento de mérito. Aqui, cabe apenas constatar a existência de prova mínima de tudo que está narrado na acusação (quarta condição para o regular exercício do direito de ação). No plano normativo, caberá examinar a presença ou não dos pressupostos processuais e da justa causa (tipicidade evidente dos fatos imputados, que vejo agora como pressuposto de legitimidade do processo penal condenatório).

Destarte, se o magistrado estiver em dúvida sobre o preenchimento de uma condição para o exercício da ação (inclusive prova mínima), de um pressuposto processual ou da justa causa, ele deve rejeitar a denúncia ou a queixa. Assim, evidentemente, não é ônus da defesa, que ainda não se faz presente neste momento procedimental, provar que o processo não é admissível. É da acusação o ônus de provar que a acusação deve ser admitida.

Tudo isso vale para a ação condenatória do Impeachment, mormente em razão do grave efeito da decisão, que determina o afastamento do Presidente da República, eleito pelo povo. Dessa forma, entendemos que, se os Senadores estiverem em dúvida em relação a qualquer dos incisos do art. 395 do Código de Proc. Penal, não devem "pronunciar" o Presidente, não devem admitir a acusação. A aplicação das regras do processo penal decorre de previsão expressa da lei do Impeachment.

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Rio de Janeiro, maio de 2016


Afranio Silva Jardim. . Afranio Silva Jardim é mestre e livre-docente em Direito Processual Penal. Professor Associado da Faculdade de Direito da Uerj (graduação, mestrado e doutorado). . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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