A mulher, ainda nos dias de hoje, é vítima de um sistema jurisdicional concebido e atuante de forma estruturalmente machista e sexista. Embora a evolução legislativa ao longo do tempo tenha permitido o alcance de um Direito mais igualitário entre homens e mulheres, é possível perceber que a mulher continua a ser alvo de tratamento discriminatório que a subjuga e inferioriza no Judiciário.
Motiva-se este trabalho devido à escassez de pesquisas acadêmicas que identifiquem e, analisem de forma crítica, a ocorrência da violência institucional contra a mulher como uma das formas de manifestação de violência de gênero no âmbito do Judiciário. Objetiva-se nesta pesquisa, portanto, publicizar estas ocorrências, especialmente no âmbito das varas de família, onde estas se manifestam de formas sutis e refinadas, sendo aceitas e propagadas pela sociedade de forma naturalizada, o que dificulta o seu reconhecimento como uma violação de direitos e perpetua a consolidação de uma ordem social injusta.
A violência institucional é praticada nas instituições prestadoras de serviços públicos ou privados sendo cometida por agentes públicos ou profissionais que, em tese, deveriam prestar um bom atendimento às mulheres que procuram os serviços dessas instituições garantindo-lhes uma atenção humanizada, preventiva e reparadora de danos. É, atualmente, uma das mais nocivas formas de violência contra às mulheres, pois é comumente invisibilizada e fere diretamente os direitos humanos a elas inerentes, uma vez que sua prática é inconcebível perante uma sociedade que se declara constitucionalmente alicerçada em valores como a dignidade humana.
Pelo senso comum, o machismo é reconhecido como uma cultura de superioridade exercida pelos homens no que se refere ao seu modo de pensar e agir de forma a subjugar e inferiorizar o sexo feminino. O machismo não é conjuntural, mas estrutural, ou seja, esteve presente desde a Antiguidade em quase todas as civilizações e, portanto, constitui relações dentro dos seus padrões de “normalidade”. Os sujeitos machistas, e nesse sentido podemos nos referir a homens e mulheres, não são indivíduos anormais, doentes ou sem caráter, mas tão somente estão inseridos numa sociedade que reproduz um ideário patriarcal como herança secular.
Por isso, pretende-se construir uma base de raciocínio para compreender como se dá a influência do patriarcado na construção e na aplicação das leis.
Finalmente passa-se à análise de como o machismo opera no Judiciário através da ocorrência de práticas que manifestamente retratam a violência institucional contra as mulheres, especificamente nas varas de famílias. E é sobre esse último aspecto que este trabalho se propõe a refletir.
1. A INFLUÊNCIA DO PATRIARCADO NA CONSTRUÇÃO E NA APLICAÇÃO DAS LEIS
Para compreender como se dá a influência do patriarcado na construção das leis, é oportuno destacar a teoria tridimensional de Miguel Reale[1], para quem o Direito deve ser analisado como uma realidade histórico-cultural ou produto da vida humana objetivada, ou seja, como o surgimento dos fatos sociais passam a consolidar valores que, ao encontrarem correspondência com as demandas de uma determinada sociedade, exigirão a produção de normas jurídicas.
O patriarcalismo se estabelece como um pacto masculino cujo intuito é garantir a opressão de mulheres como meros objetos de satisfação sexual, de força de trabalho e reprodutoras de seus herdeiros[2].
No que se refere ao direito das mulheres, diferentes Teorias Feministas Críticas do Direito vêm se desenvolvendo desde a década de 1970, sob diferentes perspectivas, mas sempre posicionando-se de forma contundente sobre como o direito constrói as diferenças de gênero. São importantes, as Teorias Feministas, para percebermos a incidência das normas jurídicas sobre as mulheres brasileiras e as decisões judiciais orientadas conforme concepções discriminatórias. De fato, o direito não é neutro. A tridimensionalidade de Miguel Reale permite confirmar como o direito reproduz e, por consequência, consolida concepções fundadas nos valores de uma cultura social patriarcal, tanto na sua formulação quanto na sua aplicação, influenciando os papéis sociais que as mulheres ocupam no espaço público e na família. Nesse sentido, a cooperação feminista permitiu o alcance de um subsídio teórico que permitiu compreender que o patriarcado não se manifesta somente num momento isolado de abuso de lei ou de poder jurisdicional, mas que alcança todo o sistema de justiça, tendo em vista que ele próprio emerge da sociedade no qual está inserido e mantém a preservação de um status quo que lesa a mulher, pelo simples fato de ser mulher.
Smart, considerando a forma como as feministas encararam o direito ao longo dos tempos, elaborou três perspectivas distintas para sua Teoria Feminista do Direito: o direito é sexista, o direito é masculino, o direito é gendrado[3]. Opta-se, nesse estudo, pelo uso de sua classificação como referencial teórico, cuja divisão coincide com as ondas feministas já explicitadas.
A abordagem sexista, correspondente à primeira onda feminista, identifica no direito a existência de desigualdades entre homens e mulheres. Distinção essa que coloca as mulheres em absurda desvantagem. Inspirada no liberalismo, essa corrente acredita que o direito deve ser neutro, abstrato e universal, a fim de oferecer tratamento igualitário a todas as pessoas. Defende a supressão das leis discriminatórias em relação às mulheres e milita por reformas jurídicas. Sugeria a correção de uma percepção distorcida sobre a mulher, erroneamente considerada irracional e incompetente, para que todos os sujeitos jurídicos passassem a ser tratados igualitariamente. Apesar de ter alcançando diversas conquistas ao longo dos anos, atualmente ainda exerce influência.[4]
Historicamente o despotismo marital legitimou a violência doméstica contra a mulher e trouxe fortes influências para o Código Civil de 1916 por meio de comandos legais eminentemente sexistas e conservadores que garantiram a continuidade da hierarquização na família, ao legitimar o pátrio poder. O art. 233 atribuía a chefia da sociedade conjugal ao marido e a ele eram conferidos os poderes para a representação legal dos membros da família (esposa e filhos) quanto à administração dos bens, aceitação de herança, fixação de domicílio e autorização para o trabalho da mulher. O art. 6º, II, considerava a mulher como relativamente incapaz, marcando de forma indelével a subordinação de gênero no discurso normativo do Direito de Família e na conjuntura social brasileira, até hoje, não obstante a completa revogação desses dispositivos.
O Código Civil de 1916 limitava a mulher na capacidade cível, no poder patrimonial, na educação, e, de forma geral, no poder de decisão, ou seja, alijava a mulher da vida pública e social. Somente após os esforços e pressão feminina, é que o Estatuto da Mulher Casada, a Lei nº 4.121 de 1962, aboliu a incapacidade relativa da mulher casada elevando-a à condição de colaboradora do homem, na família, extinguindo a tutela marital. Passa então a mulher a não precisar da autorização do marido para exercer atividades profissionais e econômicas, podendo pleitear a guarda dos filhos no caso de separação, passando a ter direito sobres os filhos, bem como receber herança. O atual Código Civil, em vigor desde 2003, não recepcionou as obsolescências do Código de 1916, uma vez que elaborado de acordo com os preceitos já então consagrados na Constituição de 1988.
A noção masculinista do direito, correspondente à segunda onda feminista, surge a partir da observação empírica de que a maioria dos legisladores e operadores do direito são, de fato, homens. Assim, por serem maioria, valores tidos como intrinsecamente masculinos como a objetividade e neutralidade, por exemplo, passam a ser institucionalizados e considerados universais no direito. Desse modo, insistir em neutralidade e objetividade é, portanto, insistir no julgamento da mulher de acordo com os valores masculinos[5]. Essa corrente milita por mudanças culturais e estruturais na sociedade assim como no sistema jurídico. Defende a criação de normas que reconheçam as especificidades e necessidades femininas tendo em vista que a produção de leis é feita por uma hegemônica perspectiva androcêntricaque resulta em normas cegas ao gênero. Assim, uma lei é cega ao gênero quando não percebe ou desconsidera a existência de diferenças culturais e sociais construídas entre homens e mulheres e que podem ser geradoras de desigualdades e injustiças no que se refere ao acesso, participação e controle dos recursos, bens e serviços produzidos socialmente e garantidos juridicamente. Nesse contexto, vale destacar o pensamento de Radbruch[6], importante jus filósofo alemão do século XX:
Nosso direito é masculino, condicionado em seu conteúdo por interesse masculino e modo de sentir masculino (especialmente no direito da família), mas masculino, sobretudo, em sua interpretação e sua aplicação, uma aplicação puramente racional e prática de disposições genéricas duras, diante das quais o indivíduo e seu sentimento não contam. Por isso, quis-se excluir as mulheres, também para o futuro, da participação ativa na jurisdição.
Aqui, destaca-se um fator crucial: a mulher ainda é minoria no poder legislativo e no poder judiciário. No campo da política, verifica-se a permanência da cultura patriarcal que se manifesta através da resistência à incorporação das mulheres às estruturas partidárias, além do constante boicote às candidaturas femininas pelas lideranças dos partidos. A incorporação da perspectiva de gênero na atividade legislativa é necessária para que a construção das leis possibilite a ampliação da igualdade de gênero, bem como a formulação de normas que considerem os valores e as especificidades femininas.
O Judiciário segue o mesmo caminho e ainda é composto, predominantemente, por magistrados. Possui apenas 38,8% de juízas em atividade segundo dados do Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário, apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ) em 2019. O Ministério Público dos estados é composto por 40,1% de mulheres e 59,9% de homens. Já o Ministério Público Federal conta apenas 30% de mulheres (MELO, 2019). Um exemplo que ilustra o caráter masculinista do Direito foi a promulgação do Estatuto da Mulher Casada, que deu fim à incapacidade relativa da mulher. Um projeto que foi positivado em 1962 após um trâmite que levou cerca de vinte anos. O motivo da demora para a liberdade jurídica da mulher casada ser sancionada se deve à composição de um parlamento que à época era constituído em sua totalidade por homens. De igual modo, até 1977, o Brasil era o único país do mundo a manter, na Constituição, a regra da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Essa realidade somente foi alterada com a promulgação da lei 6.515/1977, conhecida como Lei do Divórcio, que passou a tratar dos casos de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, revogando as disposições regulamentares presentes no Código Civil de 1916.
Apesar do pretenso ensinamento vigorante de que o direito é neutro, abstrato e imparcial, comprova-se que este ainda tem sido elaborado e aplicado majoritariamente por homens, de acordo com suas necessidades, sob suas perspectivas, apresentando uma linguagem intrinsecamente masculina. É urgente que haja maior inserção feminina, tanto no legislativo, como vereadoras, deputadas e senadoras, quanto no judiciário, como magistradas, promotoras e advogadas. Por outro lado, é indispensável refletir se uma maior participação das mulheres no legislativo e no judiciário afetará de fato o conteúdo das leis e seu contexto de interpretação e aplicação nas decisões judiciais. É necessário que as mulheres tenham plena consciência do padrão patriarcal existente e sejam capazes de confrontá-lo rompendo com os códigos e padrões legais vigentes e com as expectativas patriarcais sobre as mulheres. Caso contrário, passarão elas a reproduzir o modelo cultural conservador e discriminatório ainda vigente.
A concepção do Direito gendrado, correspondente à terceira onda feminista, traz a ideia de que este define-se em seu conteúdo pelas especificações de gênero[7]. Como já dito, o Direito não é neutro e imparcial, apesar de sustentar um discurso de valores como neutralidade jurídica e imparcialidade jurisdicional como pilares de sustentação. O Direito produz e reproduz tipos sociais, cria estereótipos e define o lugar de cada ser humano na sociedade, e isto porque possui fala normatizada. Nesse sentido, cria regras e limitações que ao serem desrespeitadas ocasionarão ao agente infrator a reprovação por parte daqueles que aderiram às ideias daquele discurso. Assim, é possível relacionar o Direito e seu discurso jurídico como uma tecnologia de gênero, ou seja, um instrumento de construção de identidades gendradas, um lócus de produção de diferenças sexuais, de perpetuação do patriarcado moderno e da inferiorização da mulher[8].
Um típico exemplo de como isso ocorre se dá quando o judiciário penaliza ou desqualifica uma mãe quando esta não cumpre o seu papel, mas nada diz em relação ao homem que não exerce a paternidade ativa e responsável. Dessa forma, o judiciário regula a conduta de mulheres e homens através de parâmetros distintos para um e outro.
Verifica-se, portanto, por meios das Teorias Feministas do Direito, que a discriminação patriarcal baseada no gênero ainda hoje influencia a construção das leis, doutrinas, jurisprudências e decisões judiciais.
2. O MACHISMO NO JUDICIÁRIO E SEU REFLEXO COMO FORMA DE VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NAS VARAS DE FAMÍLIA
Como visto, a história nos revela a existência de um paradigma machista de séculos e esta situação se perpetua a cada julgado que contribui para a manutenção desta realidade. A abordagem da atuação dos magistrados e das decisões judiciais é importante no que se refere aos subsídios que ela fornece para compreender como podem contribuir para a propagação da violência contra a mulher. É nos processos envolvendo relações familiares que mais se detecta que a evolução social e legislativa já alcançada em favor das mulheres não bastou para alterar a postura e o discurso dos juízes. É nas varas de família que a violência contra as mulheres adquire ares de refinamento, pois se os magistrados, vistos pela sociedade como figuras que representam o exponencial da justiça, paradoxalmente atuam de forma machista e sexista e emitem julgados de cunho discriminatório, percebe-se o desamparo a que as mulheres estão sujeitas. Caracteriza-se, portanto, a violência institucional de gênero, uma vez que do Estado espera-se o cumprimento da garantia dos direitos e não a sua retirada.
Taquette[9] define violência institucional como aquela praticada pela ação e/ou omissão das instituições que ofertam serviços públicos como hospitais, postos de saúde, escolas, delegacias, judiciário, entre outras, no exercício de suas funções. É perpetrada por agentes públicos que deveriam garantir atenção humanizada, preventiva e reparadora de danos às mulheres. Percebe-se que a conceituação da autora possui foco na definição dos locais onde a violência institucional pode ser praticada e do sujeito ativo que a comete.
Já Silva, Bertolin e Luna[10] definem violência institucional como aquela que se caracteriza pela atuação baseada em subjetivismo opinativo preconceituoso, pelo exercício de sexismo, machismo, classicismo, racismo e/ou coronelismo, ao invés do uso de documentos processuais produzidos em normativas pátrias ou internacionais e em conceitos científicos solidificados. Neste conceito, há destaque para identificar que a violência institucional nada mais é do que a deliberada emissão de juízo de valor que transforma “pessoas, titulares de dignidade humana, em meras sobreviventes da violência perpetrada por aqueles cujo ofício pressupõe o dever legal de garantir-lhes uma vida livre de violências”.
A possibilidade de exercício da violência institucional está expressamente prevista na Convenção de Belém do Pará, em seu art. 2º, alínea c, que a define como a violência física, sexual e/ou psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado ou por seus agentes, não importando o local onde ocorra. Silva, Bertolin e Luna[11] acrescentam que ela pode ser exercida por omissão, por negligência, “mas acima de tudo por imperícia (falta de conhecimento técnico-científico), e requer a devida responsabilização de quem, em nome do Estado, as comete”.
A violência institucional nem sempre se revela como violência, passando muitas vezes despercebida não pelo fato de ser menos cruel, mas pela forma sutil com que se expõe. É um fenômeno que resulta das relações de poder assimétricas ainda arraigadas nas sociedades contemporâneas e que parecem “naturais” mas que terminam por influenciar as relações sociais estabelecidas nas instituições, sejam elas públicas ou privadas.
Posturas e julgados que evidenciam a violência institucional de gênero, ainda que não sejam voluntariamente pretendidos por quem as comete, não se constituem apenas em equívocos ou pequenos detalhes a serem corrigidos. Ao contrário, correspondem a uma nociva legitimação de atuações machistas e produção de sentenças de cunho extremamente prejudicial à integridade física, psíquica, moral, patrimonial e financeira da mulher que, por consequência, infere em graves consequências para a sociedade.
As Varas de Família e as Varas Especializadas em Violência Doméstica contra mulheres são espaços comuns de exercício das aludidas violências dentro do Sistema de Justiça brasileiro, especialmente pela formação acadêmica dos mais distintos bacharelados brasileiros não conterem em suas grades curriculares conteúdos transdisciplinares materializados em disciplinas obrigatórias que permitam essas/esses profissionais dominem conceitos mínimos necessários para que estejam aptos a significar de forma perita violência doméstica, violação de direitos humanos de mulheres e as especificidades dos mais diversos grupos vulneráveis sobre os quais vão atuar. Os referidos conteúdos também não são posteriormente cobrados nos concursos públicos das mais diversas carreiras jurídicas e nos concursos que selecionam técnicas/técnicos judiciários.[12]
Melo[13], em seu texto “A maternidade no judiciário: a narrativa da violência doméstica em processo de família”, expõe parte de um agravo de instrumento sobre um caso de disputa entre os pais pela guarda de uma criança. A genitora da menor foi vítima de violência doméstica dentro de um relacionamento afetivo tóxico no qual seu ex-namorado, à época, perpetrou violências psicológica, física e sexual, tipificadas na Lei Maria da Penha, fatos esses ocorridos antes da gestação. A paternidade foi negada desde o início pelo agressor, inclusive em depoimento, na tentativa evidente de se esquivar da obrigação alimentar, bem como de tentar desestabilizar emocionalmente a genitora com pressões psicológicas. Foi necessário o exame de DNA para comprovar a paternidade e a criança só foi registrada pelo pai aos 6 meses de idade. No caso em questão, o pai da criança procurava agravar continuamente a discórdia existente entre ambos de forma bélica, violenta e antiética.
Em ocasião na qual o genitor se atrasou por 36 horas de forma injustificada para pegar sua filha, a mãe, já transtornada e sob forte carga de estresse devido à instabilidade emocional provocada pelo genitor, entrega a criança para que este cumpra o regime de convívio. Percebendo a instabilidade emocional e o estresse da ex-parceira ao entregar a criança, o genitor grava a cena e divulga o vídeo em grupos de Whatsapp com o claro intuito de destruir a reputação da mãe. O caso toma maiores proporções quando a cena isolada é divulgada na imprensa e em programas televisivos por meio de matérias tendenciosas que tentam explorar possíveis crimes cometidos pela mãe sem questionarem se por trás daquela cena não existiria situações de violência doméstica sofrida.
A utilização da imagem no processo cível, que inicialmente culminou com a retirada da guarda da mãe, foi clara no intuito de deslegitimar o depoimento desta e enfraquecer as evidências da violência doméstica ocorrida antes da gestação que tramitava na vara de violência doméstica. O genitor inclusive municiou a ação penal na qual é réu com documentos do processo cível pedindo absolvição sumária.
O caso em questão demostra que o processo criminal sobre violência doméstica era totalmente desconhecido do juiz da vara de família que concedeu liminarmente guarda unilateral paterna. A falta de integração de informações entre varas cíveis e criminais (com enfoque em violência de gênero) gera violência institucional contra mães e seus filhos. Há que se destacar inclusive que o fomento da cultura punitivista no âmbito das varas de famílias é uma lástima. Os elementos subjetivos concernentes às partes do processo não podem ser afastados ou ignorados por quem julga essas ações.
Litígios judiciais na seara do Direito de Família costumam ser emocional e psicologicamente desgastantes sob distintos aspectos. Quando tal discussão se dá, porém, num contexto de violência doméstica, deixa de ser apenas “altamente conflituosa”, passando a uma forma de abuso emocional e psicológico, um padrão comportamental que deve ser reconhecido. Nesse ambiente de violência doméstica e litigância abusiva, segundo qualificados autores, as alegações de alienação parental vêm representando uma devastadora ferramenta nas mãos de abusadores. [14]
Melo[15]acrescenta que a doutrina já vem denunciando o uso do aparato estatal, através de intermináveis processos judiciais, como forma de manutenção do controle e poder de que tem postura agressora. Estas táticas processuais utilizadas, sucessivamente, contra ex-companheiras a fim de controlá-las, assediá-las, intimidá-las, coagi-las e empobrecê-las, sem que as alegações tenham suporte na realidade, consistem em litigância abusiva e sua não identificação, ou até mesmo conivência por parte dos magistrados que não buscam combatê-la de forma efetiva, constitui omissão que se traduz em gravíssima modalidade de violência institucional contra a mulher.
Os agressores manipulam o Judiciário para coagir ex-companheiras com o intuito de causar-lhes abalo emocional e financeiro. O objetivo é também causar lentidão processual por meio da propagação de inverdades e dessa forma desestabilizar e sobrecarregar a mulher fazendo com que ela desista ou não defenda bem os seus direitos e dos seus filhos, sobretudo em uma ação que se arrasta no tempo parecendo não ter prazo para acabar.
A existência ou não de violência contra a mulher anteriormente à separação deve ser verificada nas ações de família, sob pena de que a guarda seja exercida como um instrumento de violência e manutenção de poder do ex-parceiro sobre a mulher e não pelo verdadeiro interesse do pai em cuidar dos filhos.
Régis[16], advogada familiarista com atuação especializada no atendimento a mulheres, cita que, num contexto de violência doméstica aliada à litigância abusiva, os requerimentos de reversão de guarda e as falsas acusações de alienação parental tornaram-se estratégias de violência psicológica com refinamento ímpar praticadas por ex-parceiros abusivos.
A advogada cita que é bastante frequente a ocorrência de casos nos quais mulheres que possuem medidas protetivas, por exemplo, devido ao fato de terem sido vítimas de violência doméstica praticada por ex-parceiros, tornarem-se alvos de ataques nas varas de família. Estes homens acionam o judiciário para buscar a guarda compartilhada ou unilateral ou até mesmo estabelecer um regime de convívio com seus filhos diferente daquele que é defendido ou considerado importante pela ex-parceira, o que mantém em aberto o canal de ataques obrigando, em tese, a mulher a manter o diálogo com o agressor. Tornou-se lugar comum acusar a mãe de alienadora quando esta se opõe efetivamente a compartilhar a guarda ou permitir que o filho pernoite na casa do genitor, por exemplo, ainda que não se tenha nenhum estudo do caso, pesquisa prévia ou laudo psicológico que atestem a acusação. Os agressores valem-se da narrativa estereotipada da mulher que não aceitou a ruptura do relacionamento e que por isso desejam puni-los ao impedirem seu convívio com os filhos.
Uma pesquisa realizada por Sousa e publicada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo[17] confirma estes fatos. Ao realizar uma coleta de julgados, onde foram analisados 404 processos dos Tribunais de Justiça da Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, entre os anos de 2010 e 2016, verificou-se que em 89% dos casos não ocorreu a comprovação das alegações de alienação parental. Há que se observar que a pesquisa apontou que 63% das alegações são provenientes do genitor não residente. A genitora não residente fez a alegação em 19% dos casos comprovando que as alegações de alienação parental são feitas majoritariamente por homens. É importante ressaltar que a explicação dessa ocorrência não se deve ao fato de mulheres separadas, em sua maioria, permanecerem com os filhos em seu lar de referência, pois a pesquisa citada refere-se genitor não residente que faz alegação de alienação parental.
Como as acusações de alienação parental podem gerar para as mães a perda de guarda e uma série de outras sanções previstas na lei de alienação parental, homens com perfil agressor buscam se colocar no lugar de “vítimas”, muitos dos quais respondem a processos gravíssimos de violência doméstica passando a tratar suas ex-parceiras como agressoras ou genitoras patológicas. Essa inversão é baseada no descrédito da fala das mulheres e reforçada pela vigência de estereótipos que demarcam a mulher como uma vilã vingativa e ressentida que usa os filhos para atingir os pais. Verifica-se, portanto, a íntima relação entre as falsas acusações de alienação parental contra mulheres e a violência de gênero, bem como a pouca capacitação do sistema de justiça familiarista para lidar com essas questões.
Identifica-se, portanto, mais uma possibilidade de ocorrência de violência institucional contra a mulher, pois embora a lei de alienação parental possibilite que os magistrados apliquem medidas, ainda que em caráter provisório, sem oitiva prévia de profissionais de outras áreas do saber, essenciais para a identificação e comprovação da conduta caracterizada como ato de alienação parental, percebe-se que a atuação imperita do juízo gera violência psicológica para mães e filhos, uma vez que estes serão bruscamente afastados da convivência de sua genitora. Desconsidera, portanto, a lei de alienação parental bem como os julgados resultantes de sua aplicação, os prejuízos emocionais causados às mães e filhos, o que por si só caracteriza uma violação de direitos mantendo o ciclo da opressão contra mulheres.
Outro ponto crucial que costuma gerar violência institucional para a mulher é a imposição de guarda compartilhada pelo Judiciário a despeito do desejo da mãe. Introduzido em nosso ordenamento jurídico em 2008 pela Lei nº 11.698/2008, que alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, o instituto da guarda compartilhada surgiu devido à pressão de grupos de pais homens divorciados, sob alegação de que o exercício da guarda unilateral pela mãe lhes alijava o direito de participar e de influenciar no desenvolvimento de seus filhos.
Inúmeros magistrados efetivam a mera aplicação legalista do ordenamento desconsiderando elementos subjetivos relativos às partes do processo e impactando negativamente as mães bem como o desenvolvimento psicossocial saudável de crianças e adolescentes. Alguns inclusive confundem, no momento da aplicação da sentença, a modalidade de guarda compartilhada com a guarda alternada, sendo que somente a primeira encontra-se regulamentada pelo ordenamento jurídico pátrio. Logo, quando a guarda alternada é aplicada sob a rotulação de guarda compartilhada ocorre atuação imperita do magistrado (SILVA, BARBOSA, 2018. p. 377).
Lobão, Leal e Zanello[18], citam que a maternidade ainda é um pilar identitário para as mulheres no Brasil, devidos aos entendimentos sociais ligados às representações de cuidado com os filhos, gravidez e amamentação, ao mesmo tempo em que mães ainda costumam ser qualificadas pelo tipo de ligação afetiva que possuem com seus filhos. As autoras citam estudos que apontam que, quando uma sociedade ou um casal parental considera o cuidado dos filhos uma tarefa “natural” das mulheres, a guarda compartilhada, aplicada equivocadamente como guarda alternada, pode trazer sofrimento para essas mães como, por exemplo, o acúmulo ainda maior de responsabilidades, pois além de continuarem desempenhando todas as atividades exigidas no cuidado de crianças, assumem também a sobrecarga mental da gerência da guarda compartilhada bem como a responsabilidade pela logística e ações necessárias paras as idas dos filhos a casa do pai. Pode haver inclusive um fator de controle e aprisionamento do tempo da mulher, que além de cuidar da criança durante o seu período de convívio, tem que estar disponível para resolver os problemas que surgem durante a convivência dos filhos com o pai.
As autoras também entendem ser necessário haver uma análise da habilidade parental desenvolvida pelo pai antes da separação, ou seja, é importante que o julgador procure saber se o pai efetivamente participava dos cuidados com a criança ou se era apenas mero provedor. Torna-se importante essa análise tendo em vista que, com frequência, o pai que não cuidava dos filhos durante o casamento, termina por terceirizar os cuidados, sobrecarregando as mulheres de seu entorno: avós da criança, madrastas, namoradas, amigas e até mesmo vizinhas. Nesse sentido, as mães tendem a acumular preocupações com os filhos quando estes estão fora de seu período de convívio por não saberem se estão sendo cuidados com responsabilidade.
Em suma, a guarda compartilhada pode ser geradora de saúde mental e bem-estar para todos os envolvidos quando o casal parental possui as seguintes características: ambos os pais dividiam a gerência e a execução dos cuidados e da rotina dos filhos durante o casamento; ambos os pais são considerados cuidadores de referência para as crianças; não houve violência de qualquer tipo, inclusive psicológica, durante o casamento; não existe significativa assimetria de poder entre os genitores. Ou seja, a guarda compartilhada exige simetria e fluidez no desempenho dos papéis de gênero para trazer bem-estar e proteção para pais, mães e filhos. O que ocorre, então, com o seu exercício, em países onde há existência de maior desigualdade entre homens e mulheres, e representações tradicionais de gênero, tais como o Brasil.[19]
Esses fatores apresentados apontam para uma forma de vivência da guarda compartilhada que é muito diferente daquilo que é idealizado pelo Judiciário. Desconsidera-se o fato de que em muitos casos as mães eram as cuidadoras únicas de seus filhos e que esse lugar social de maternidade integral, ainda tão valorizado em nossa sociedade, foi repentinamente subtraído dessas mulheres através da aplicação equivocada da guarda alternada sob rotulação de guarda compartilhada; e também que essa decisão pode vir a sobrecarregar o trabalho de cuidados delas, tendo em vista que o compartilhamento da guarda pode ocorrer com pais ausentes e sem habilidades parentais. Relações que ainda são baseadas em papéis tradicionais de gênero, nas quais os homens assumiam apenas o papel de provedores e de promotores de passeios e brincadeiras, deveriam ser mantidas, através da guarda unilateral para o genitor que cuidava de fato da prole, mormente as mães caso estas assim desejem, com regulamentação de convivência ao outro genitor.[20]
O caráter essencialmente masculinista da legislação fria e crua de guarda compartilhada culmina na aplicação de decisões judiciais que desconsideram fatores subjetivos como os citados acima. Os julgadores precisam levar em conta tais aspectos antes de determinar se a guarda deve ou não ser compartilhada.
Sem uma devida leitura qualificada de gênero, sobretudo em um país sexista como o Brasil, decisões meramente legalistas podem se efetivar como grave forma de violência institucional contra as mulheres. A prática dessa modalidade de violência de gênero é inconcebível perante uma sociedade que se declara alicerçada no princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo porque do Estado espera-se o cumprimento da garantia dos direitos e não a sua retirada.
O julgamento de processos que envolvem relações de família exige domínio técnico do julgador e conhecimentos transdisciplinares que permitam que ela ou ele de fato consiga aplicar a lei de forma justa e equânime em cada caso concreto. Se os magistrados, vistos pela sociedade como figuras que representam o exponencial da justiça, paradoxalmente atuam de forma machista e sexista e emitem julgados de cunho discriminatório, percebe-se o desamparo a que as mulheres estão sujeitas.
CONCLUSÃO
Considerando que, historicamente, homens sempre estiveram em posição de privilégio, o Direito reproduz essa lógica patriarcal nas varas de família onde as mulheres sofrem diversas formas de violência. O enfrentamento às múltiplas formas de violência de gênero é uma importante demanda no que diz respeito aos Direitos Humanos permitindo alcançar condições mais dignas e justas para as mulheres. A mulher possui o direito de não sofrer agressões no espaço público ou privado e a ser respeitada em suas especificidades. É, portanto, dever do Estado garanti-los. Coibir, punir e erradicar todas as formas de violência de gênero devem ser preceitos fundamentais em um país que preze por uma sociedade mais justa e igualitária entre mulheres e homens.
O entendimento pela sociedade e pelo sistema de justiça da importância das Teorias Feministas do Direito e sua aplicação é imprescindível para desconstruir a incidência de normas jurídicas machistas sobre as mulheres brasileiras bem como posturas e decisões judiciais orientadas conforme valores e princípios discriminatórios. Considerando que a disseminação dessas teorias pode construir uma visão mais equânime na estruturação de normas jurídicas trazendo decisões judiciais isentas de preconceitos, é importante que haja a introdução dos estudos sobre as Teorias Feministas nas grades dos cursos de Direito, aumentando significativamente o ensinamento sobre a matéria, como um dos recursos para o combate à violência de gênero.
É urgente e necessário também que os direitos das mulheres sejam discutidos no âmbito do Judiciário, bem como que o acesso das mulheres ao Legislativo seja garantido e efetivado, de modo a romper as raízes patriarcais na legislação familiarista. Ademais, é importante o fortalecimento do feminismo jurídico por meio de uma advocacia familiarista que se capacite através do estudo das Teorias Feministas e que estimule o Sistema de Justiça a se posicionar para combater desigualdades e violências de gênero nas questões de família.
Notas e Referências
[1] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª. Ed. Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
[2] SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.
[3] SMART, Carol Christine. The Woman of Legal Discourse. In Social & Legal Studies. Vol. 1, 1992. Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden e Fernanda de Deus Garcia. Rev. Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Vol. 11, nº. 02, 2020. Disponível em: <https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju article/view// 50335/33893>. Acesso em 13 nov. 2020.
[4] SMART, 1992, p. 29-44.
[5] SMART, 1992, p. 29-44.
[6] RADBRUCH, Gustav. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.42.
[7] Aqui faz-se necessário esclarecer que a conceituação de gênero não deve ser confundida com a distinção sexual no sentido biológico. Gênero é uma construção social, cultural, histórica e identitária a respeito das características atribuídas às pessoas do sexo masculino e feminino.
[8] RAMOS, Emerson Erivan de Araújo; RODRIGUES, Thaíse Silva. Direito como tecnologia de gênero: uma análise de caso. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2012. Disponível em: <http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dyp, p-p-p. 2-5.
[9] TAQUETTE, Stella (org.). Mulher adolescente/jovem em situação de violência. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2007. Disponível em: <file:///C:/Users/SIMONE~1/AppData/Local/ Temp/mul_jovens-1.pdf.>. Acesso em: nov. 2020.
[10] SILVA, Artenira. BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. LUNA, Cláudia Patrícia. Quando as desiguais vão a Juízo: exercício de violência institucional e da violência por poderes no Sistema de Justiça brasileiro. 19 nov. 2020. Disponível em: <https://noticias.oabsp.org.br/artigos/quando-as-desiguais-vao-a-juizo-exercicio-de-violencia-institucional-e-da-violencia-por-poderes-no-sistema-de-justica-brasileiro/>. Acesso em: 19 nov. 2020.
[11] SILVA, Artenira. BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. LUNA, Cláudia Patrícia. 2020, p. 02
[12] Idem.
[13] MELO, Ezilda. A maternidade no judiciário: a narrativa da violência doméstica em processo de família. In: ______. (org.). Maternidade e Direito. 1ª. Ed. – São Paulo :Tirant lo Blanch, 2020.
[14] ENZWEILER, Romano José. FERREIRA Cláudia Galiberne. Duas abordagens, a mesma arrogante ignorância: como a SAP e a violência doméstica se tornaram irmãs siamesas. Setembro de 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/51901/duas-abordagens-a-mesma-arrogante-ignorancia-como-a-sap-e-a-violencia-domestica-se-tornaram-irmassiamesas >. Acesso em: 15 nov. 2020.
[15] MELO, Ezilda., 2020, p. 5.
[16] REGIS, Mariana. Litigância abusiva nas varas das famílias e varas especializadas em violência doméstica e sua íntima relação com a lei de alienação parental: mitos, pseudociência e a legitimação da violência contra as mulheres. In: Coletivo de proteção à infância Voz Materna. 09 de set. 2020. (1h47m). Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=xdDc9wXHctk&list=PLj97DbStP4B_3nORb8OLyANTCpNq_px5s&index=2&t=3532s >. Acesso em: 15 nov. 2020.
[17] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Nota Técnica Nudem nº 01/2019: Análise da lei federal 12.318/2010 que dispõe sobre “alienação parental”. São Paulo, 2019. Disponível em: <https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/41/Documentos/nota%20tecnica%20aliena%C3%A7%C3%A3o%20parental.pdf>. Acesso em: 13. Nov. 2020.
[18] LOBÃO, Marília. LEAL, Daniele. ZANELLO, Valeska. Guarda compartilhada a despeito do desejo da mãe: violência institucional contra as mulheres. In: BIRCHAL, Aline de Souza. BERNARDES, Bruno Paiva (org.). Pontes para a paz em casa: práticas e reflexões. Belo Horizonte: Editora Conhecimento, 2020
[19] Idem, p. 17
[20] Idem, pp. 44-58
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