Por Fernanda Martins – 05/03/2016
Ao pensar a violência e a sociedade na qual nos encontramos, em que cruzamos com “fogos bobos” (GALEANO, 2009) que transitam dominando relações, estabelecendo o ódio e o medo como marca comum e distorcendo sermos humanos, que identifico – de forma particular - a pertinência de questionar como os sujeitos se colocam no mundo, através de suas escritas, suas falas, suas práticas.
É a partir do despertar da energia que nos movimenta numa busca constante do sentir-se vivo, ou nos sentidos de reconhecer a si e ao outro(a) no mais complexo sentimento de humanidade, que encontro espaços de reflexão sobre a violência com base nos marcos do pensamento criminológico. A partir de mim e de quem sou, através daquilo que se vincula à sociedade e à vulnerabilidade de sujeitos, que busco lidar com as dores da opressão e das práticas punitivistas.
Sentir o coração pulsar, as pernas tremerem, o fôlego se perder, o estômago arrevoar em emoções não fulgazes, são sentidos que nos permitem constatar que nesse corpo há aquilo que podemos reconhecer como vida. Entrelaçados na potência da reflexão, do questionar discursos e práticas cotidianas, encontramos a capacidade de reconhecer como é estar consciente de seu local no mundo e da responsabilidade que daí se constrói.
Sob a questão de como ser tocado pelos pequenos sinais de vida é que cada um deve permanentemente se desconstruir, para que este fluxo continue conduzindo o percurso do nosso próprio tempo e da nossa própria história, em direção ao que há de real e para além daquilo que é descartável. É assim que busco conhecer e reconhecer sempre mais, seja através da pesquisa ou da minha atuação como docente.
Parece-me primordial partir dessas questões (violência, opressão, medo, vulnerabilidade, discursos e práticas punitivistas) – e propriamente dessas emoções, sentimentos de vida e reconhecimento no/do outro – para interrogar a violência que nos abate no cotidiano, particularmente, o brasileiro. Não pretendo, por ora, falar de medo e da violência, mas, sim, do contexto social e institucional dessas práticas. Busco também me referir às dinâmicas pessoais e institucionais que movimentam e que se apropriam da singularidade da vida em comum.
Portanto, pensar essa interlocução da violência – simbólica e material – e dos sentidos e práticas que nos despertam a relação de humanidade (sentir-se bem com o viver bem do outro) me dá o ponto de partida para pensar algumas questões relacionadas à criminologia e aos feminismos, que hoje são os principais marcos de meus olhares sobre minha relação com o mundo.
Com a coluna pretendo expor aflições únicas – algo meu sempre alienável sobre o comum, nos mais diversos papéis, como professora, acadêmica, militante apaixonada por estes engajamentos. De alguma maneira, tudo passa por articular tensões sobre a violência, o sistema punitivo e a análise dos discursos dos juristas que abordam tal temática. Sobretudo, aquilo que compreendemos como opressões a partir das corriqueiras manifestações do cotidiano – marcadamente o machismo.
Sendo assim, como não somos seres estáticos e como sou uma adepta do movimento e da desconstrução permanente, proponho inicialmente articular com vocês, nas próximas semanas, uma releitura dos meus escritos, cujo ponto de partida dar-se-á com a reelaboração, para sua segunda edição, do livro “A (des)legitimação do controle penal na Revista de Direito Penal e Criminologia (1971-1983): A criminologia, o direito penal e a política criminal como campos de análise crítica ao sistema punitivo brasileiro”.
Quando pensamos e nos propomos a (re)elaborar um trabalho, que nos exige um profundo comprometimento – intelectual, emocional, de escolha de fontes, de tempo de produção de trabalho e de entrega de vida – fazemos opções teóricas e traçamos alguns pontos como centrais para nossa análise. No entanto, ao fim percebemos que certas escolhas nem sempre nos permitem ter um panorama ideal daquilo que nos propusemos inicialmente a escrever.
Diante da compreensão de que as fontes abordadas – Revista de Direito Penal e Criminologia (1971 – 1983) – são extremamente complexas e de que não é possível um olhar acabado – finalizado – sobre esse material de vastas produções e de um número significativo de autores, proponho agora repensar aquilo que encontro como mérito destacável da obra, qual seja, precisamente: o cuidado com as fontes abordadas. Portanto, pretendo inicialmente repensar as fonte primárias como elemento de contínua reflexão e apresentar a vocês um pouco das angústias de quem se vê envolto nessa forma de produzir e reproduzir conhecimento.
Convido-os, assim, para aos sábados nos encontrarmos num despertar de sentidos que buscam pensar a sociedade e a nós mesmos através daquilo que entendo como a possibilidade de ressignificarmos o que está diante de nós, sejam práticas “comuns” sejam escritas já marcadas. Deixo aqui minha apresentação com a expectativa de bons encontros.
. Fernanda Martins é Mestre em Teoria, Filosofia e História do Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Professora substituta na Universidade Federal de Santa Catarina e professora na Universidade do Vale do Itajaí
Email: fernanda.ma@gmail.com.
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