Um convite à Teoria Econômica do Crime (Parte 1)

16/09/2016

Por Fillipe Azevedo Rodrigues – 16/09/2016

As teorias do comportamento criminoso, de certo modo, têm como base a escolha racional conforme as propostas idealizadas por Cesare Beccaria e Jeremy Bentham ainda no Século XVIII.[1] Já em 1788, na obra Principles of Penal Law, Bentham afirmava que o benefício obtido com o crime é a força que estimula o homem à delinquência: a dor da punição é a força empregada para demovê-lo do crime. Se a primeira dessas forças for superior, o crime será cometido; se a segunda for superior, o crime não será cometido.

A principal ideia de Bentham foi aperfeiçoada no trabalho Crime and Punishment: An Economic Approach, de Gary Becker, considerada ainda hoje a obra mais relevante para o estudo da Análise Econômica do Direito (AED) aplicada à teoria dos delitos e das penas. Trata o fenômeno da criminalidade como resultado da maximização racional dos agentes envolvidos: Estado, delinquente e vítima.

Para Becker,[2] o delito ocorre na medida em que o delinquente, como homo economicus, reage racionalmente a incentivos, assim como os não criminosos o fazem. Esses incentivos são delimitados através de uma análise de custos e benefícios entre praticar ou não a conduta criminosa.

A estratificação social propicia referenciais diversos acerca de eventuais custos e benefícios em delinquir, pois é evidente que os indivíduos integrantes das camadas sociais mais favorecidas não sofrerão os mesmos incentivos – em nível e natureza – a que os integrantes da parcela marginalizada da população são sujeitos.

Conforme se tentou demonstrar no tópico inaugural deste capítulo, as questões socioeconômicas brasileiras indicam uma relação com o fenômeno da delinquência. Afinal, também no crime está em jogo um custo de oportunidade ou um trade off. Ao seguir a carreira do crime, o delinquente, homo economicus, abre mão (paga o preço) de se afastar de atividades lícitas. Os benefícios esperados com o ilícito penal devem, portanto, ser muito elevados para suprir os custos de oportunidade e compensar os riscos inerentes ao submundo do crime.

Deixe-se claro que decidir pela carreira do crime costuma significar correr riscos. Trata-se de uma tomada de decisão em situação de incerteza.[3] A condição social, portanto, tem papel considerável na dimensão de utilidade decorrente da prática do delito – isso porque, quanto mais se tem, mais receio se tem de perder e menos necessidade se tem de arriscar. Assim, é possível afirmar que a utilidade da atividade criminosa ou utilidade de correr o risco (Uc) está em função da renda do potencial criminoso (Rc):

Uc = U(Rc)

Esclarecendo a questão, suponha-se que, em um crime de furto, a utilidade da atividade criminosa significa o valor pecuniário a ser subtraído da vítima, enquanto a condição social remete à renda do potencial criminoso.

No entanto, independente de qual camada social se origina o delinquente, ele age pautado pela probabilidade da condenação (p) e pelo efeito dissuasivo da pena (f), variáveis de risco ponderadas em função do benefício (pecuniário ou não) a ser auferido com o delito.

As políticas destinadas à segurança pública e às normas jurídicas que as fundam giram em torno dessas duas variáveis sistematizadas por Becker, isto é, p e f.[4]

O investimento tanto em polícia ostensiva como judiciária e em instituições como o Ministério Público e o Poder Judiciário representam crescimento na variável p, pois essas instituições representam a prevenção, investigação e repressão do crime, aumentando a probabilidade da condenação.

Por outro lado, a alteração legislativa para o aumento da duração das penas e o investimento em construção de penitenciárias, dotadas de mais celas, onde seja possível manter por mais tempo no cárcere os apenados, representa acréscimo na variável f, maior efeito dissuasivo da pena.

A primeira conclusão a se extrair das variáveis apresentadas é que p e f são fatores cujo produto demonstrará o grau de eficiência geral da política criminal em coibir a atividade criminosa, afinal, caso as penas sejam tão brandas que não dissuadam o comportamento criminoso, em nada adiantará eficientes processos de persecução criminal e julgamento. Por lógica, a recíproca também procede.

A propósito, quanto à função da pena... (confira na Parte 2).


Notas e Referências:

[1] EIDE, Erling. Economics of crime behavior. In: BOUCKAERT, Boudewijn; GEEST, Gerrit de. Encyclopedia of law & economics, n.º 8100, p. 345-389, 1999, p. 346. Disponível em: <http://encyclo.findlaw.com/8100book.pdf>. Acesso em: 30 de abril de 2013.

[2] BECKER, Gary Stanley. Crime and punishment: an economic approach. In: Journal of political economy: Essays in the economics of crime and punishment, National Bureau of Economic Research, p. 169-217, 2001, p. 169-172. Disponível em: < http://www.jstor.org/discover/10.2307/1830482?uid=3737664&uid=2&uid=4&sid=21101968867553>. Acesso em: 30 de abril de 2013.

[3] Ver: COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 65-71.

[4] BECKER, Gary Stanley. Crime and punishment: an economic approach. In: Journal of political economy: Essays in the economics of crime and punishment, National Bureau of Economic Research, p. 169-217, 2001, p. 177. Disponível em: < http://www.jstor.org/discover/10.2307/1830482?uid=3737664&uid=2&uid=4&sid=21101968867553>. Acesso em: 30 de abril de 2013.


Fillipe Azevedo RodriguesFillipe Azevedo Rodrigues é Advogado na QBB Advocacia, Conselheiro do Conselho Penitenciário do Estado do Rio Grande do Norte e Professor da Universidade Potiguar, Natal – RN. Mestre em Direito constitucional pela UFRN e Doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal. Autor do Livro “Análise Econômica da Expansão do Direito Penal” pela Editora Del Rey, Belo Horizonte.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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