Tutela provisória na sentença e efeito suspensivo da apelação no CPC/15 – Por José Henrique Mouta Araújo

26/09/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Um dos temas mais importantes da prática processual diz respeito ao efeito suspensivo dos recursos e seus reflexos na execução imediata das decisões judiciais. Uma comparação das legislações de 1973 e 2015 provoca algumas reflexões que são apontadas neste breve ensaio.

Com efeito, a redação do art. 520, do CPC/73 deixava claro que, na maioria das hipóteses, o recurso de apelação possuía este efeito, fato que corroborava para a demora na efetivação da tutela jurisdicional contida na sentença e, em última análise, desestimulava o cumprimento provisório da sentença.

Durante a tramitação do projeto do novo CPC, tentou-se a retirada do efeito suspensivo legal da apelação, com a eficácia imediata das decisões judiciais (cf. arts.  908 e 928 c/c arts. 948 e 966 do então projeto do CPC – versão do Senado), inclusive da apelação[1].

Claro que, dependendo do caso concreto, poderia ser concedido efeito suspensivo judicial, inclusive com requerimento preparatório à subida da própria apelação (art. 908, §2º, c/c art. 949, §2º – versão do Senado do CPC), o que impediria a exequibilidade imediata da decisão, nos termos da redação pretendida ao art. 928 do NCPC (art. 968 da versão do Senado – do CPC).

A reformulação dos efeitos dos recursos pretendia estimular a execução provisória de sentença e, consequentemente, a eficácia imediata da decisão de 1º grau. Além disso, iria gerar maior responsabilidade aos magistrados na análise dos requerimentos neste sentido, que por certo iriam se multiplicar na prática forense.

Contudo, a redação que foi sancionada do CPC/15 aparentemente manteve o efeito suspensivo legal, o que pode ocorrer em decorrência de uma leitura apressada ao art. 1012, que consagra: “a apelação terá efeito suspensivo”.

O texto sancionado, se de um lado manteve o efeito suspensivo, em sentido contrário à redação anterior (versão do Senado) do então projeto, de outro, ampliou as hipóteses de exceção à suspensividade e, como consequência, gerou um aumento de situações jurídicas em que o efeito suspensivo é pleiteado no próprio tribunal (competente para a admissibilidade recursal).

Chamo a atenção para afirmar que, na maioria das demandas repetitivas, não há efeito suspensivo legal da apelação, levando em conta a redação do art. 1012, V c/c o seu §2º.

Não se deve confundir a redação do art. 520, VI, do CPC/73, com a do art. 1012, V, do CPC/15. Enquanto naquela a retirada do efeito suspensivo legal ocorria apenas nos casos de confirmação da tutela antecipada, o sistema atual amplia para qualquer hipótese de confirmação, concessão e revogação de tutela provisória[2].

Em relação à tutela provisória de urgência (cautelar e antecipada), não há grande modificação em relação ao que já vinham admitindo os estudiosos de direito. Agora, a meu ver, o grande destaque se refere à tutela de evidência (art. 311 do CPC/15), especialmente nos casos envolvendo os processos repetitivos com precedentes obrigatórios.

Como forma de melhor enfrentar este instituto, deve o intérprete compreender seu contexto histórico, tendo em vista que o art. 311, do CPC/15 se caracteriza como mais uma etapa do tema vinculação de precedentes, como instrumento da construção, no direito pátrio, do stare decisis horizontal e vertical.

Neste fulgor, é possível afirmar que, nos casos de aplicação de precedentes (art. 927 e 928 do CPC/15), é possível a concessão de tutela de evidência na própria sentença (art. 311, III c/c 1012, V, do CPC/15) e, com isso, retirar o efeito suspensivo legal do recurso de apelação, pelo menos em relação ao capítulo de sentença antecipado.

Ora, levando em conta que estes precedentes dizem respeito à maioria das causas repetitivas em tramitação no território nacional, é dever aduzir que, na maioria destas causas, a apelação não terá o efeito suspensivo automático e, consequentemente, o novo CPC estimula o cumprimento provisório deste comando sentencial.

Ora, considerando que a tutela de evidência já existia no CPC/73, como nos casos do art. 273, II e também nas ações de depósito[3], o que fez o CPC/15 foi apenas ampliar as situações jurídicas em que a tutela provisória é concedida em decorrência do alto grau de probabilidade, sem a necessidade de comprovação de urgência, como nos casos dos incisos II (vinculação de precedente obrigatório – tese firmada em julgamento de casos repetitivos – art. 928 – ou em súmula vinculante), III (documentada em contrato de depósito) ou IV, do art. 311 (prova documental suficiente sem contraprova documental suficiente).

A tutela de evidência, neste contexto, é importante instrumento visando o efetivo alcance da duração razoável (art. 4º, do CPC/15 c/c art. 5º, LXXVIII, da CF/88), com a inversão dos males decorrentes do tempo do processo.

Vale destacar que, se bem aplicado este art. 311, do CPC/15, a maioria das demandas repetitivas permitirão a concessão da tutela de evidência, com a entrega do efeito fático ao autor independente de urgência e, com isso, esvaziando o efeito suspensivo ope legis do eventual recurso e invertendo o ônus decorrente do tempo do processo[4].

Duas questões devem ser enfrentadas: qual o momento para a concessão da tutela provisória de evidência e os efeitos dos recursos eventualmente cabíveis.

Assim como a tutela provisória de urgência, a de evidência também pode ser concedida (ou negada) no curso do processo – inclusive de forma liminar – art. 311, II, III e §único, do CPC/15, desafiando o recurso de agravo de instrumento (art. 1015, I, do CPC/15), com o pedido de efeito suspensivo ou mesmo ativo, no próprio recurso.

Por outro lado, uma situação que deve ser vista com muita cautela na prática forense diz respeito à sua concessão na própria sentença fundada em caso repetitivo, o que, como consequência, afasta o efeito suspensivo automático da apelação (art. 1012, §1º, V, c/c art. 1013, §5º, do CPC/15).

Com efeito, como consequência do sistema de estabilização dos precedentes, deve o magistrado observar a necessidade de concessão de tutela de evidência no curso do processo ou mesmo na sentença, com a efetivação da ordem judicial independentemente da interposição da apelação. Apesar de ser fundada em cognição sumária, né possível a concessão de tutela provisória na sentença prolatada com cognição exauriente[5].

Por outro lado, deve o apelante tentar obter o efeito suspensivo judicial em relação ao capítulo da sentença que foi objeto de tutela de evidência (ou que não tenha efeito suspensivo por outra hipótese prevista no art. 1012, §1º, do CPC/15), por meio do incidente previsto no art. 1012, §3º, do CPC/15.

Este requerimento de efeito suspensivo deve ser feito diretamente apresentado junto ao órgão ad quem, que posteriormente irá apreciar a admissibilidade, os efeitos e o mérito da apelação (art. 1010, §3º, do CPC/15), inclusive com a prevenção do Relator (art. 1012, §3º, I, do CPC/15) ou, se a apelação já estiver no tribunal, deve ser formulado diretamente ao Relator do recurso (art. 1012, §3º, II, do CPC/15).

Importante destacar que, deve ser demonstrada pelo requerente a probabilidade de provimento do recurso ou, sendo relevante a fundamentação, o risco de dano grave ou de difícil reparação (art. 1012, §4º).

Aliás, este pedido de efeito suspensivo também é cabível no recurso extraordinário e especial e, levando em conta as alterações advindas da Lei n. 13.256/2016, deve ser assim apresentado: a) junto ao Tribunal Superior, entre a admissão do recurso pelo tribunal local e sua distribuição; b) junto ao Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local, entre a interposição e a decisão de admissão, ou nos casos de sobrestamento (art. 1029, §5º, do CPC/15).

Este entendimento em relação à competência para apreciação do pedido de efeito suspensivo antecedente, de certo modo, mantém o mesmo raciocínio dos Enunciados 634 e 635, do STF – apesar destes estarem ligados à ação cautelar, do CPC/73.

Por fim, ao Relator no 2º grau há a possibilidade de concessão de tutela provisória de evidência no próprio recurso, se não tiver sido deferida anteriormente, para afastar o efeito suspensivo da apelação (art. 932, II, do CPC)[6].

Em suma e como conclusão: se de um lado o caput do art. 1012 indica que a apelação tem efeito suspensivo ope legis, de outro a concessão de tutela de evidência na própria sentença (especialmente nos casos de precedentes obrigatórios que fundamentaram a decisão), tem o condão de afastar esse efeito suspensivo. Claro que, se no caso concreto existir mais de um pedido, a retirada do efeito suspensivo apenas alcança o capítulo objeto da tutela de evidência, enquanto os demais estarão sujeitos aos efeitos previstos neste artigo. Por outro lado, o atingido pelo cumprimento provisório da decisão poderá requerer, pelo pedido de efeito suspensivo incidental, seja afastada a ordem imediata.


Notas e Referências:

[1] Interessante fazer uma observação: os recursos especial e extraordinário interpostos contra acórdão do tribunal de origem que apreciar o incidente de resolução de demandas repetitivas possuem efeito suspensivo legal e são dotados de presunção de repercussão geral (art. 987, §2º, do CPC/15).

[2] Vale transcrever as lições de Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: “a apelação também não terá efeito suspensivo automático, no caso de a sentença revogar a tutela provisória. O propósito é bem evidente: a revogação da tutela provisória deve produzir efeitos imediatamente, pois a sentença, que negou o direito em cognição exauriente, deve prevalecer sobre a decisão que concedeu a tutela fundada em cognição sumária”. Curso de direito processual civil. Vol 3. 13ª edição, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 187.

[3] Ao comentar o art. 311 do CPC, Daniel Mitidiero aduz que: “A hipótese do inc. III consiste em permitir tutela antecipada com base no contrato de depósito – trata-se de hipótese que veio tomar o lugar do procedimento especial de depósito previsto no direito anterior. Estando devidamente provado o depósito (arts. 646 e 648, CC), tem o juiz de determinar a entrega da coisa”. In Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 797.

[4] Lucas Buril de Macedo entende que “a tutela de evidência, nesse contexto, pode ser conceituada como técnica processual para a distribuição do ônus do tempo no processo, adequada para os casos em que há grande probabilidade de que a parte vitoriosa ao fim, ocasionando uma cognição bastante próxima da convicção de verdade, o que acaba por tornar injusto que a parte provável vencedora aguente o tempo do processo sem usufruir o bem da vida, enquanto o sujeito que provavelmente não tem razão desfruta dele”. Tutela antecipada de evidência fundada nos precedentes judiciais obrigatórios. In Tutela provisória. COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa e GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos (coords) . Salvador: Juspodivm, 2015, p. 482.

[5] “De fato, trata-se de pronunciamento que teria sido normalmente concedido liminarmente, mas, por alguma razão, não foi. Agora, no momento da sentença, a cognição já é exauriente – ainda assim, o juiz pode conceder uma “liminar” tardia, que não será mais uma liminar, mas um capítulo da sentença, em que se tutela a evidência (tardiamente percebida), ou a urgência (de que o juiz se deu conta em momento adiantado do processo – melhor agora, do que nunca; ou, então, porque a urgência configurou-se depois do início do processo e antes da sentença). Então, o fato é que, ainda que soe estranho, o juiz pode, sim, conceder tutela provisória na sentença”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2015, p. 1445.

[6] Enunciado 423 do FPPC: “(arts. 311; 995, parágrafo único; 1.012, §4º; 1.019, inciso I; 1.026, §1º; 1.029, §5º) Cabe tutela de evidência recursal. (Grupo: Tutela de urgência e tutela de evidência)”.


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