Por Redação - 09/03/2015
O Tribunal Supremo da Espanha, de forma reiterada, manifesta-se positivamente quanto à possibilidade de incidência do princípio da insignificância junto ao delito de tráfico de drogas. A argumentação utilizada gira em torno do binômio quantidade-qualidade da droga apreendida.
Observadas diversas decisões, percebe-se que o Tribunal tende a fazer uma dupla valoração; de um lado, a valoração da estrutura típica; de outro, a valoração do princípio da lesividade ou exclusiva proteção dos bens jurídicos. A dupla valoração decorre do fato de o delito de tráfico de drogas se tratar de um delito de perigo e, nessa direção, da necessidade de serem afastadas dele todas as condutas que não possuam condição de possibilidade para gerar perigo ou, efetivamente, lesionar a saúde pública, bem jurídico tutelado pelo artigo 368 do Código Penal espanhol[1].
Quanto à valoração típica, em sentença de 28 de outubro de 1996, o Tribunal estabeleceu que o âmbito do tipo penal não pode ser desmesuradamente ampliado a ponto de alcançar condutas que, em função da ínfima quantidade da droga, careçam de efeitos potencialmente danosos, os quais funcionam como fundamento da proibição penal. Dito de forma simples, ante a reduzida capacidade ofensiva da droga, diante se está de uma substância inócua.[2]
Nos casos em que há uma quantidade muito reduzida de droga, a conduta carece de tipicidade material, consequência lógica, não constitui um delito[3], tendo em conta a notável impossibilidade de colocação saúde pública em risco: a falência do princípio da lesividade. Esse ponto de vista, inclusive, faz com que a conduta do sujeito encontre respaldo na política criminal espanhola, pois evita a imposição de uma pena considerada absolutamente desproporcional à culpabilidade concreta do caso.
Nesse passo, a incapacidade de a pequena quantidade de droga gerar perigo para a saúde pública e, portanto, esvaziar a fundamentação do caráter perigoso da conduta, poderia produzir conflito entre a tipicidade formal e a tipicidade material, afinal, o tipo penal é silente quanto à quantidade da droga, todavia, conforme destaca o Tribunal, não se pode olvidar que o direito penal deve ser considerado como um instrumento de proteção a bens jurídicos, cuja finalidade reside na sanção a condutas efetivamente nocivas à sociedade.
Sob essa ótica, a concepção do fim do tipo penal como veículo de proteção de bens jurídicos não deve se restringir à análise meramente quantitativa da droga presente no caso concreto, sob pena de se esvaziar a legalidade insculpida no artigo 368 do Código Penal. Por tal razão, o Tribunal adotou posicionamento de que, ao lado da quantidade, a qualidade da substância também deve ser sopesada para uma aplicação racional, objetiva e igualitária do referido artigo. No caso, a substância entorpecente, necessariamente, deve se mostrar apta a produzir os efeitos psicoativos que lhe são próprios.
Dessa forma, o Tribunal adotou como referência qualitativa de doses mínimas psicoativas aptas a atrair a incidência do artigo 368 do Código Penal o estabelecido pelo instituto Nacional de Toxicologia[4]:
Heroína – 0,66 miligramas
Cocaína – 50 miligramas
Haxixe – 10 miligramas
Mdma – 20 miligramas
Morfina – 0,002 gramas
Lsd – 0,000002 gramas
Assim, ante a falência do binômio quantidade-qualidade da droga apreendida, o Tribunal Supremo da Espanha entende ser perfeitamente cabível o reconhecimento do princípio da insignificância junto ao delito de tráfico de drogas.
A questão ainda é mais relevante em face do debate atual sobre a legalização da maconha, assumido como opinião oficial por diversos meios de comunicação, dentre eles o Zero Hora e o Diário Catarinense.
A LEAP-BRASIL é um local para consulta das discussões atuais. http://emporiododireito.com.br/os-mortos-na-insana-nociva-e-sanguinaria-guerra-as-drogas-diz-leap/
[1] "Los que ejecuten actos de cultivo, elaboración o tráfico, o de otro modo promuevan, favorezcan o faciliten el consumo ilegal de drogas tóxicas, estupefacientes o sustancias psicotrópicas, o las posean con aquellos fines, serán castigados con las penas de prisión de tres a seis años y multa del tanto al triplo del valor de la droga objeto del delito si se tratare de sustancias o productos que causen grave daño a la salud, y de prisión de uno a tres años y multa del tanto al duplo en los demás casos. No obstante lo dispuesto en el párrafo anterior, los tribunales podrán imponer la pena inferior en grado a las señaladas en atención a la escasa entidad del hecho y a las circunstancias personales del culpable. No se podrá hacer uso de esta facultad si concurriere alguna de las circunstancias a que se hace referencia en los artículos 369 bis y 370."
[2] SSTS. 4.7.2003, 16.7.2001, 20.7.99, 15.4.98. [3] SSTS 1370/2001; 1889/2000; 1716/2002; 977/2003; 1067/2003; 1621/2003. [4] SSTS 1168/2009 de 12.11, 1303/2009 de 4.12; 615/2008 de 8.10; 720/2006 de 12.6; 118/2005 de 9.2.