TRÊS REFERÊNCIAS PARA UMA DEMOCRACIA AVANÇADA

16/08/2022

Coluna Por Supuesto

O grande desafio democrático consiste em criar um cenário de cidadanias livres, no qual cada ator social, imbuído de uma parcela de soberania, participe ativamente dos assuntos mais relevantes da coletividade, especialmente os relacionados ao exercício dos direitos. Por isso a expressão povo, para caracterizar a dimensão pessoal do Estado, apresenta e representa a faculdade de “constituir” a institucionalidade, de gerir e conduzir a “pólis” e de oferecer o suporte de um ordenamento jurídico inspirado nos valores por ele escolhidos.

Me reporto a esta ideia porque volto da Colômbia nesta semana, onde tive a feliz oportunidade de estar na transmissão de mando presidencial ao governo do Pacto Histórico encabeçado por Gustavo Petro e Francia Márquez, e encontro o Brasil felizmente de pê em defesa da democracia, das liberdades e do Estado Democrático de Direito, isto é, em defesa do projeto constitucional e das opções de 1988.  

A “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros – Estado Democrático de Direito sempre”, cuja leitura foi realizada nas Arcadas da Universidade de São Paulo, mas que também foi lida em muitos outros cenários do país, repercutiu não somente no Brasil, senão que ecoou no mundo tudo, como uma manifestação de esperança, preanuncio e convite a novos tempos, para fechar espaços a autoritarismos e propostas insanas de retrocesso a tempos de exceção constitucional.

De fato, é preciso levar a sério ameaças como milicias e agentes de corrupção, ratificando o compromisso com a soberania brasileira, popular e alicerçada no respeito ao processo eleitoral sadio, dentro de um sistema de regras do jogo constitucionais e legais claras e urnas que garantem escrutínios seguros y eficazes, sob a tutela de uma justiça eleitoral que atua em plena normalidade.  

Nesse contexto, questões sedimentadas no Direito para os direitos, como a “democracia”, s “liberdade”, s “igualdade”, dentre outras, não podem ser subordinadas ou encobertas por falácias ou hipocrisias. Vale a pena constatar  que no Brasil, infelizmente, enquanto alguns se esforçam por fazer uma transição a uma democracia mais ampla e aprofundada, de amplo espectro e dimensões deliberativas e participativas de maior expressão, o governo atual desde seus inícios aproveitou o vácuo e as inconsistências na relação entre governo e cidadania, em um momento de acirramento da crise estrutural sistémica que golpeava duramente o país, para impor uma agenda em sentido contrário ás opções de constituinte. Democracia se sustenta sobre a base da pluralidade, do respeito à diferença, da solidariedade, da rejeição ao racismo e às discriminações negativas e da procura de condições de trabalho e vida dignas.

Na atual conjuntura, atuar em favor destes propósitos sugerem ter uma radiografia das contradições da sociedade brasileira, isto é, a dinâmica e movimentação das classes sociais que a conformam. Para tanto não é necessário apenas detectar as contradições econômicas, senão manter uma análise sistémica do conjunto, isto é, uma visão do todo. Para os estudiosos do Direito é, desde logo, fundamental, compreender a forma como o fenômeno jurídico se articula a outras referências, que se encontram em constante movimento.

A primeira de tais referências se entrelaça com as subjetividades, é dizer, com a relação entre o pensar e o ser, com a análise da consciência que tem as diversas camadas da sociedade de que a liberdade parte do reconhecimento de quais são suas necessidades e de que somente atuando em coletivo e a partir da ação transformadora poder-se-á não somente afastar as ameaças à democracia senão aprofundar seu sentido e significado. É preciso atuar com maior ênfase na compreensão da Constituição, mostrando as potencialidades surgidas de um texto normativo consagrador de um vasto leque de direitos e garantias fundamentais, em instituições, escolas, sindicatos, organizações sociais em geral e com os mais diversos e possíveis interlocutores. 

A segunda referência leva em conta a análise econômica, é dizer, a tendência histórica que apresenta o sistema na atual etapa de seu desenvolvimento, questão que sugere detectar a força do capital industrial, comercial e financeiro, setores que atuam a partir de marcos regulatórios jurídicos que, porém, vagarosamente colocam freios e que em muitos casos legalizam a concentração e acumulação do capital. Na atual fase contradição capital-trabalho deve ser interpretada com equilíbrio, a partir de critérios que postulem a defesa do valor social da atividade laboral e do reconhecimento de uma livre iniciativa sujeita aos postulados e fins do artigo 3º da Constituição.  

A terceira se vincula à análise do funcionamento do Estado, do papel de cada órgão exercente de atribuições do poder, do déficit de república e cidadania e da efetividade na atuação dos órgãos de controle para combater tanto a corrupção como a ação de agentes de violência em campo e cidade. 

As três referencias impõem uma tática em cujo centro está a defesa da Constituição e dos valores democráticos. A consideração objetiva do conjunto das relações do Brasil com o restante de países de América Latina e do mundo, bem como das relações no seu interior, devem permitir avançar ao desenvolvimento da consciência de todos e todas em favor de uma cultura para a vida, a uma maior produtividade aliada à distribuição da riqueza e, por supuesto, para gerar as condições de atuação de um Estado com iniciativas para resolver os problemas mais urgentes das pessoas.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Democracy  // Foto de: Pedro Ribeiro Simões  // Sem alterações

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