Três de agosto de 2015 - Sob um céu de blues no Rio Grande do Sul

04/08/2015

Por Germano Schwartz - 04/08/2015

Sou gaúcho. Engraçado. Jamais me identifiquei como tal. Para aqueles que me conhecem, como o gaudério passo-fundense Fernando Tonet (futuro nome do Diretório Acadêmico do Direito da IMED), não lhes é estranho o fato de que eu não tomo chimarrão e de que nunca cultivei as tradições nativistas, muito embora, cruzaltense que sou, tenha frequentado as Coxilhas Nativistas da vida em minha adolescência. Mas, claro, era a opção que havia. Nunca me esqueço do impacto do Davi Menezes cantando “Morocha”naquele festival.

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Na mesma cidade, todavia, por incrível que pareça, assisti ao Engenheiros do Hawaii na tour do seu primeiro álbum, mesma situação em que testemunhei os Raimundos, ambos no Ginásio Municipal. Capital Inicial no Arranca, Paralamas do Sucesso no mesmo ginásio mencionado, e um inesquecível show conjunto dos Cascavelletes (com direito ao Jorge Pompiani subindo no palco com a bandeira do glorioso Internacional) e da Rosa Tattoada no Clube do Comércio fazem parte da minha formação musical. Quantas vezes eu assisti ao fenômeno regional/local, a Banda Fuga,  cujo roadie era nada mais, nada menos do que o Salo de Carvalho, tocando no bar do Andrei Copetti, literalmente brother do André Copetti e filho de meu professor Gilberto Martins? Não sei. Nostalgia. Saudade.

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Divaguei. Mas o fato é que o sentimento de pertencimento à cultura gaúcha nunca foi forte em mim. Estranhamente, desde que passei a residir em São Paulo, ao que chamei de exílio, tal sentimento aflorou. Não o da preservação dos costumes. Contudo, o fato de que, realmente, eu estou espacial e geograficamente ligado a um determinado conjunto de pessoas e de ações, restou bastante claro no auge de minha década dos quarenta nos de vida. Redescobri que, sem dúvida alguma, em vários sentidos, estamos longe demais das capitais.

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Três de Agosto de 2015. O governador do Estado do Rio Grande do Sul não pagou salários do funcionalismo público, incluído os daqueles ligados ao Poder Executivo acima de R$2.150,00. O restante será parcelado durante o mês corrente. Para além da constatação de que a Província de São Pedro chegou a um momento decisivo de sua história, as polícias gaúchas recolheram-se aos seus quartéis e avisaram a população que não deixassem seus lares porque seria “perigoso”. Aquartelamento. Essa palavra tão pouco utilizada no passado recente, voltou às páginas dos diários de nosso Estado. Sintomático.

Outra característica minha, talvez bem gaúcha, é o destemor, tirando a fobia que sinto, por alguma razão, de vulcões. Vai entender. Disse antes e repito agora. Sou de Cruz Alta e foi nessa cidade que nasceu Érico Veríssimo. Um de seus maiores personagens, o Rodrigo Cambará, costumava dizer assim que entrava em um bolicho: “Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de relho e nos grandes dou de talho.”. Essa é síntese do índio grosso. Não, não sou brigão. Jamais dei socos em minha vida, à exceção de uma ou duas vezes, sempre em legítima defesa, claro. Mas esse é um pouco de meu espírito. Cultura do medo? Como diria a Valentina, minha filha: “go away, scary monster, go away”.

Eu não estava no Rio Grande do Sul em três de Agosto de 2015. Ontem. Pensava que havia algum exagero nos alardes sobre a insegurança nas paragens farroupilhas até ler o post no Facebook do Paulo Leivas. Seus pais foram rendidos e foram forçados a entregar o carro. Mão armada. Estão bem. O problema? Tentaram fazer o registro da queixa e a Polícia Civil disse que não o faria. Estão “aquartelados“, lembram? Peraí. Uma polícia civil pode “declarar guerra” ou estar dentro do “quartel”? Até onde eu lembro, tais expressões, de acordo com a Constituição Federal, são aplicáveis às Forças Armadas somente.

O comentário da Renata Almeida da Costa em relação post supracitado foi genial. O dia três de Agosto de 2015 será conhecido como aquele em que o Rio Grande do Sul registrou o crime zero. Pronto. Problemas resolvidos. Atingimos o nirvana. Para que falar em abolicionismo penal? Fomos, nós, gaúchos, mais inteligentes. Estatisticamente, ninguém ouvirá falar, no futuro, dessa data; as pessoas, por seu lado, jamais o esquecerão. Mas a lembrança dela se dará porque o dia não vingou. Não veio ao mundo. O dia três de agosto de 2015 não chegou. Jamais chegará. É como canta o Metallica em The Day That Never Comes:

Esperando por ele O dia que nunca chega Quando você se levanta e sente o calor Mas a luz do sol nunca vem

Ah! meu Rio Grande, minha cidade, meu “eu no mundo”, então somos nós o farol da liberdade? Tenho cá comigo minhas dúvidas. Enquanto isso, voltarei às minhas reminiscências e aqui, de longe, ligarei minha Apple Music em rock gaúcho e buscarei consolo naquela canção dos Cascavelletes que cantei em altos berros durante o show que citei no início da coluna:

 Bom dia Sol Nascente, Eu vim aqui para contar minha triste história... Sob um céu de blues... Toda minha desgraça...

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GermanoGermano Schwartz é Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU e Coordenador do Mestrado em Direito do Unilasalle. Bolsista Nível 2 em Produtividade e Pesquisa do CNPq. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association. Vice-Presidente da World Complexity Science Academy.      

Publica na coluna semanal DIREITO E ROCK no Empório do Direito, às terças-feiras.      


Imagem ilustrativa do post: Autor desconhecido // Sem alterações Disponível em: http://www.360produtora.com.br/img/banda_12.jpg Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.
 

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