TRAIR E DESRESPEITAR: PARA RESOLVER É SÓ PAGAR – Uma análise da possibilidade de Indenização na Infração dos Deveres Conjugais

24/05/2019

De jeito maneira, Não quero dinheiro, Quero amor sincero, Isto é que eu espero, Grito ao mundo inteiro, Não quero dinheiro, Eu só quero amar...” Tim Maia

Um tema ainda bastante discutido doutrinária e jurisprudencialmente é a possibilidade de indenização por danos morais nas situações que envolvem infração dos deveres conjugais. Alheio a discussões sociológicas, filosóficas, antropológicas e religiosas, o presente texto visa discutir a viabilidade jurídica da reparação civil, mais especificamente, nos casos de infidelidade conjugal.

Pergunta-se: Até que ponto a fidelidade, obrigação e dever recíproco dos cônjuges de não cometer adultério, e a monogamia, modelo predominante nas relações afetivas e sexuais ocidentais, como caracteres dos institutos familiares, podem ser vistos como bens a serem protegidos e quantificados, bem como indenizados, quando de suas violações?[1]

Muitos hoje são os casos levados diariamente ao Judiciário pleiteando indenizações por danos morais. Nome indevidamente inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, descumprimento de contrato, fofoca social, alarme antifurto, etc., são exemplos de casos em que os Tribunais pátrios tem condenado aquele que pratica o ato ilícito ao pagamento de indenização.

Contudo, na contramão da tendência compensadora, os Tribunais tem negado a possibilidade de indenização na infração dos deveres conjugais. Cite-se como exemplo o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO DE DEVERES MATRIMONIAIS. ADULTÉRIO. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. A melhor doutrina e jurisprudência pátrias orientam-se no sentido da desconsideração da culpa para a dissolução da sociedade conjugal. Para a responsabilização civil de um dos consortes não basta violação dos deveres do casamento, é necessário um comportamento ilícito de sua parte que desborde dos limites do razoável, considerando os padrões de ética e moral, e que seja capaz de gerar efetivo dano ao outro. Eventual mantença de relacionamento extraconjugal não é suficiente para a configuração do dever de indenizar. Lições doutrinárias e precedentes jurisprudenciais. [...] Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70057444416, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 28/11/2013)

  Ou ainda do mesmo Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. FIM DO CASAMENTO. ADULTÉRIO. 1. O adultério, aqui reconhecido, é justa causa para o fim do relacionamento, mas não implica, ipso facto, dever de reparação pecuniária às dores que seu conhecimento gera no cônjuge traído. É evidente que a ruptura de um casamento prolongado e, de regra, com intenso relacionamento afetivo traz em si mágoas, sensação de abandono, frustração de sonhos. Estes sentimentos serão ainda mais intensos e profundos quando há adultério e, certamente agravados, no caso, pela condição de incapacidade da autora. (TJ-RS - AC: 70041984683 RS , Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 28/07/2011, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/08/2011)

Mas o que este pequeno texto quer (ou tenta) demonstrar é que o magistrado ao negar o direito à indenização nos casos acima está por agir contra legem, julga por seu próprio entendimento, privando o cônjuge ofendido de ver-se indenizado em situação legítima. Não se trata aqui de discutir culpa pelo fim do relacionamento, isso realmente não mais tem lugar no ordenamento jurídico pátrio. O que se intenta é a reparação de situação totalmente aplicável a responsabilidade civil brasileira.  Tudo na “forma da lei”.

Para configurar-se a possibilidade de indenização por Dano Moral são requisitos a existência de: ATO ILÍCITO, DANO E NEXO DE CAUSALIDADE.

Diz o artigo 186 do Código Civil brasileiro: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Já o artigo 1.566 também do Código Civil brasileiro disciplina como deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.

O legislador ordinário disciplinou regras para o convívio conjugal. Assim, a infração de deveres conjugais configura-se como ato ilícito e, portanto, preenchido está o primeiro requisito para a responsabilidade civil.

Com a facilidade legislativa para o término da relação conjugal, não mais se justifica a permanência em um relacionamento onde não há mais a intenção de cumprimento dos deveres próprios do casamento. A busca pela felicidade e pelo prazer é própria do ser humano. Mas esta busca não deve ser a qualquer custo, durante o período matrimonial os deveres conjugais devem ser cumpridos. Como afirma Claudio Melim[2]: “O caráter inescapável do sentido do tesão não pode sobrepujar o imprescindível cuidado com a felicidade da família”.

Assim, quem casa sabe que está assumindo com o outro um pacto. Não pode ser desleal esperando que somente o outro cumpra as promessas do casamento. A lealdade é inerente ao respeito e deve ser exercida por aqueles que se dispõe a permanecer casados.[3]

David P. Barash, autor do livro “O mito da monogamia”, afirma:

Não há como questionar se a monogamia é ou não natural. Não é. Ao mesmo tempo, tampouco há razão para concluir que o adultério é algo bom ou inevitável. Animais, muito provavelmente, não podem escolher agir contra ‘o que vem naturalmente’. Já os homens podem.

Diante disto, imperioso ressaltar que, assim como um contrato puro e simples possui previsão para sua rescisão, a dissolução/rompimento do pacto matrimonial é prevista em lei: o divórcio. Para as relações amorosas não acobertadas por um pacto formal é ainda mais simples a resolução deste compromisso: a vontade de não mais estar na companhia do outro. Ninguém é obrigado a casar-se ou relacionar-se emocionalmente com outrem, bem como não é obrigado a permanecer em uma relação amorosa a qual não atinge mais sua finalidade: a felicidade (comunhão plena e harmônica de vida).[4]

Quanto a caracterização do segundo elemento – o Dano – certo é que, até para os mais “duros de coração” , os danos advindos das relações familiares muito mais profundos são que outros ocorridos na relações puramente negociais.

É próprio da relação familiar o envolvimento em sentimentos de amor e afeto. Quaisquer danos causados aqui provocam conseqüências muito mais dolorosas.

No caso do dano moral provindo da relação matrimonial há de se distinguir o dano resultante da dissolução do casamento e o resultante da violação do dever conjugal, uma vez que no primeiro caso é natural o abalo psíquico, porém totalmente aceitável ressaltando-se sempre que ninguém é obrigado a manter-se em um casamento que já não deseja, assim o cônjuge que simplesmente dá causa a dissolução do vínculo conjugal só está em seu “regular exercício de direito”, já no caso da infidelidade, há verdadeira prática de ato ilícito, sendo necessária que a conduta do consorte descumpridor do dever conjugal cause ao outro cônjuge situação de sofrimento excessivo, além da simples frustração do amor não correspondido.[5]

Não se ignora, ainda, relacionamentos onde o casal decide impor regras próprias para o convívio, disciplinando a possibilidade de relacionamentos extraconjugais. Aqui não haveria a existência do dano, por ser prática consentida, e, portanto, inexistente seria a possibilidade de Responsabilidade Civil. O que se discute neste texto é o ato contrário ao interesse de um dos cônjuges e causador, em assim dizer, do dano.

Quanto ao último elemento caracterizador da Responsabilidade Civil, caberia ao cônjuge inocente[6] demonstrar o NEXO DE CAUSALIDADE existente entre o dano e o ato praticado pelo cônjuge ofensor.

Sendo assim, presentes os três requisitos caracterizadores da Responsabilidade Civil, não há como pensar outra alternativa que não a Indenização por Danos Morais na Infração dos Deveres Conjugais.

Julgar de maneira diferente é julgar segundo sua própria consciência. Nos dizeres de Lênio Streck[7]: “O perigo de tal afirmação — a de que o juiz decide conforme a sua consciência (ou segundo uma instância de fundamentum inconcussum como o ens creatum) — reside na possibilidade de o juiz valer-se, por exemplo, de argumentos metajurídicos criados ad hoc para legitimar sua decisão, que segundo ‘sua consciência’ deveria apontar em certa direção (e que talvez pudesse ser diferente dependendo do juiz ou do humor do mesmo juiz naquele dia) para mitigar as consequências indesejáveis de sua decisão. Ou o juiz valer do conhecimento empírico ‘da realidade ao seu redor’...”.

Enfim, para aqueles que negam o direito à reparação na violação dos deveres conjugais pelo argumento de “mercantilização das relações”, “pagamento pelo afeto”, como já foi falado, a intenção não é exigir sentimento, ou cobrar na falta dele, aqui não se discute sentimento. O que se quer é objetivo: a não existência de práticas contrárias ao casamento. Respeito, lealdade, fidelidade, consideração são requisitos para a manutenção saudável do relacionamento. Assim, retomo as palavras do grande Tim Maia: “Grito ao mundo inteiro, não quero dinheiro, EU SÓ QUERO AMAR...”

 

Notas e Referências

[1] BELFORT, Christianne Grazielle Rosa de Alcântara. A traição como objeto de indenização por danos morais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11194>.

[2] MELIM, Claudio. Tesão e moral: ruídos compreensivos na vida e no Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/tesao-e-moral-ruidos-compreensivos-na-vida-e-no-direito-por-claudio-melim/

[3] BELFORT, C. G. R. D. A. A traição como objeto de indenização por danos morais. Âmbito Jurídico, Rio Grande, mar 2012. ISSN 1518-0360, XV, n. 98. Disponivel em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11194&revista_caderno=14>.

[4] BELFORT, C. G. R. D. A. A traição como objeto de indenização por danos morais. Âmbito Jurídico, Rio Grande, mar 2012. ISSN 1518-0360, XV, n. 98. Disponivel em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11194&revista_caderno=14>.

[5] BELFORT, C. G. R. D. A. A traição como objeto de indenização por danos morais. Âmbito Jurídico, Rio Grande, mar 2012. ISSN 1518-0360, XV, n. 98. Disponivel em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11194&revista_caderno=14>.

[6] Aqui não entrarei na discussão travada por alguns doutrinadores e magistrados que alegam não haver cônjuge inocente já que a traição só ocorreria em uma relação “desgastada”, portanto ambos os cônjuges seriam “culpados” pela situação do adultério. Argumento frágil e descabido. Relação desgastada ou qualquer outro fundamento, já que não há a necessidade de trazê-los a juízo, é motivo para divórcio. Adultério, quando não consentido, é ato ilícito causador de dano e merecedor de reparação civil.

[7] STRECK, Lenio Luiz. O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém?. Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-consciencia-seguranca-alguem

 

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