Tráfico de influência e exploração de prestígio – Por Ricardo Antonio Andreucci

25/05/2017

Alguns episódios recentes da vida política do país nos trazem à reflexão dois importantes delitos contra a administração pública que muito se assemelham e, vez por outra, criam dúvidas na tipificação e em seus perfeitos contornos no caso concreto.

Os crimes de tráfico de influência e de exploração de prestígio são muito semelhantes, havendo penalistas que sustentam ser o segundo subespécie do primeiro.

O crime de tráfico de influência vem previsto no art. 332 do Código Penal e tem como objetividade jurídica a tutela do prestígio da Administração Pública.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o funcionário público. Sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, a pessoa que entrega ou promete a vantagem.

A conduta típica vem expressa pelos verbos “solicitar” (pedir, rogar, requerer), “exigir” (ordenar, impor, intimar), “cobrar” (pedir pagamento) e “obter” (alcançar, conseguir).

O objeto material é a vantagem ou promessa de vantagem, que pode ser de qualquer natureza, material ou moral.

Já o crime de exploração de prestígio vem previsto no art. 357 do Código Penal e tem como objetividade jurídica a tutela da administração da Justiça.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é o Estado.

A conduta típica vem expressa pelos verbos “solicitar”, que significa requerer, pedir, rogar, e “receber”, que é o mesmo que obter, aceitar.

O objeto material do crime é dinheiro (moeda nacional ou estrangeira) ou qualquer outra utilidade (material ou moral).

Merece ser ressaltado que o tráfico de influência se encontra tipificado no capítulo dos crimes praticados por particular contra a administração em geral, enquanto que o crime de exploração de prestígio vem tipificado no capítulo dos crimes contra a administração da justiça. Na redação originária do Código Penal, o crime do art. 332 também se chamava “exploração de prestígio”, tendo recebido o “nomem iuris” de “tráfico de influência” por força da Lei nº 9.127/95, que, inclusive, alterou a sua tipificação.

Entretanto, o ponto comum em ambos os delitos é que o sujeito ativo (“venditor fumi” – vendedor de fumaça) procura, com sua conduta, negociar uma influência que, não necessariamente, possui. Diz-se, até mesmo, que, em ambos os delitos, haveria uma forma particular de estelionato.

Efetivamente. A origem desses crimes remonta ao direito romano, em que eram conhecidos como “venditio fumi” (venda de fumaça).

Na precisa lição de Paulo José da Costa Jr. (“Código Penal Comentado”. 10ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2011. p. 1193/1194), “a denominação se deve ao seguinte fato: quando o Imperador Alexandre Severo tomou conhecimento de que um certo Vetrônio, que frequentava a Corte, recebia dinheiro sob pretexto de influir em decisões governamentais, ordenou fosse ele colocado numa fogueira de palha úmida e lenha verde. Veio ele a morrer, não pelo fogo, mas sufocado pela fumaça (‘fumus’), enquanto um funcionário apregoava em alta voz: ‘fumo punitur qui fumum vendit’ (pune-se com a fumaça aquele que vende a fumaça). Até hoje, na doutrina italiana, em razão da origem histórica do crime, é ele conhecido igualmente como ‘venda de fumaça’ (em italiano, ‘vendita di fumo’).

Portanto, ambos os delitos envolvem uma modalidade de fraude em que o agente atua “a pretexto de” (com a desculpa de) influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função. Na exploração de prestígio, a influência (ou promessa dela) recai em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário da justiça, perito, tradutor, intérprete e testemunha.

Não é necessário nem mesmo que exista realmente o funcionário público. Como bem assevera Paulo José da Costa Jr. (“Curso de Direito Penal”. 12ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2010. p. 929), “o núcleo da conduta é a jactância enganosa, a gabolice mendaz, a bazófia ilusória.”

Os dois crimes em análise são dolosos, não se admitindo a modalidade culposa.

Ambos são crimes formais, que se consumam com a só prática da conduta, independentemente da efetiva obtenção de vantagem, dinheiro ou utilidade, ou da efetiva influência exercida. Exceção feita à modalidade de conduta “obter” (no tráfico de influência), em que a consumação se dá no momento em que o sujeito obtém a vantagem ou promessa.

Outro ponto a destacar é que, em ambos os delitos, há causa de aumento de pena se o agente alega ou insinua que a vantagem, dinheiro ou utilidade, também se destina ao funcionário público, ou ao juiz, membro do Ministério Público, funcionário da justiça etc.


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