Por Charles M. Machado – 22/04/2016
A 2ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entendeu que a dívida cobrada após a morte do devedor não pode ser transferida para os herdeiros. Foi com base nesse fundamento, que a 2ª Câmara Cível do TJRS rejeitou o recurso do município de Santana de Livramento contra sentença que extinguiu a exigibilidade de uma certidão de dívida ativa.
Na execução fiscal era cobrado, pelo Município de Santana do Livramento o pagamento do IPTU, dos exercícios de 2010 a 2014. Com o falecimento do devedor em 2008, a CDA deveria ser reformada, o que não ocorreu em tempo hábil, fazendo com que a execução fiscal incidisse sobre contribuinte já falecido. O município quis transferir a execução para os sucessores ou espólio, mas a decisão de primeira instância não autorizou. A prefeitura recorreu, mas a 2ª Câmara Cível do TJ-RS manteve a decisão. Para o desembargador Ricardo Torres Hermann, que relatou o caso, o redirecionamento seria possível se a morte tivesse ocorrido no curso da demanda. “Contudo, a hipótese dos autos é diversa. Somente mediante lavratura de nova CDA e ajuizamento de nova execução pode o credor, em tese, tentar cobra o crédito alegado”, afirmou, em relatório de sentença.
Ainda segundo o desembargador, não é aplicável ao caso a Lei de Execuções Fiscais, que prevê a possibilidade de emenda ou substituição da CDA. “Isso porque o óbito ocorreu em 2008, ao passo que, seis anos após teve por bem aforar demanda em face de pessoa já há muito extinta, o que poderia ser evitado pela adoção de conduta diligente” (Processo 70068973593).
No mesmo sentido o TRF-1ª. reproduzindo o entendimento sumulado decidiu: “TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL: AC 6378, Data de publicação: 13/03/2006
Decisão: Alega a apelante, em síntese, que requereu a extinção da execução fiscal em virtude do cancelamento... recorrida. É que a execução fiscal foi ajuizada por equívoco da apelante, fato que foi reconhecido... caso, inclusive, o entendimento exposto na Súmula 153 do STJ: “A desistência da execução fiscal...
No mesmo sentido a súmula 392 do STJ, faz previsão a substituição da CDA, pois a mesma é possível para a correção de erros formais ou materiais, mas não para a revisão do lançamento, como por exemplo, a revisão do lançamento para fins de substituição do devedor (Sumula 392 do STJ), abaixo o teor da súmula:
“STJ, Súmula nº 392: A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”
Ainda a Lei de Execuções fiscais faz a seguinte previsão: “Art. 2º, § 8º da LEF: Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos.
Logo a revisão, com alteração do devedor pressupõe cancelamento da CDA, por isso é necessário o início de novo processo executivo, entendimento esse previsto na Lei de Execuções Fiscais “ Art. 26 da LEF:“se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de dívida ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução será extinta, sem qualquer ônus para as partes”
É de se destacar também, que nesse caso cabem os honorário a parte vencedora, entendimento previsto na SÚMULA 153 do STJ: “A desistência da execução fiscal, apos o oferecimento dos embargos, não exime o exequente dos encargos da sucumbência.”
Para isso é fundamental que o cancelamento ocorra antes da sentença em primeiro grau, onde nesse caso as partes não terão nenhum ônus.
O instrumento utilizado nos últimos anos, para o cancelamento antes dos embargos, é o da interposição de pré-executividade, e por serem opostos antes dos embargos não carecem de condenação de custas para as partes.
Apesar de tal previsão são inúmeras as decisões, entendimento esse já pacificado, inclusive nas Cortes Superiores, no sentido de que, em executivo fiscal, sendo cancelada a inscrição da dívida ativa e já tendo ocorrido a citação do devedor, mesmo sem resposta, a extinção do feito implica a condenação da Fazenda Pública ao pagamento das custas e emolumentos processuais.
Para o STJ, ocorre a formalização da relação processual desde que tenha havido a citação, fazendo com que a exceção de pré-executividade seja recepcionada como embargos.
É sempre bom lembrar que são inúmeros os casos em que a presunção de liquidez e certeza do título executivo pode sim, ser ilidida, ainda que tal previsão esteja tanto na LEF quanto no CTN:
´Lei 6.830/80, Art. 3º – A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez.
Parágrafo Único – A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.
CTN, Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.
Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.´
Sendo assim, tratamos de uma presunção relativa favorável ao título, sendo incumbência do devedor afastar a exigibilidade do título por meio de prova inequívoca.
Nota-se que a execução Fiscal é promovida contra:
Lei 6.830/80, Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:
I – o devedor;
II – o fiador;
III – o espólio;
IV – a massa;
V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado;
No caso da decisão do TJRS, a respectiva certidão não foi refeita, quando da inicial e bem poderia ser demandada contra o espólio, pois o espólio responde pelos débitos do de cujos até a efetivação da partilha. Após as eventuais dívidas não lançadas ou não pagas pelo de cujos ou espolio, passam a ser de responsabilidade dos sucessores. Ocorrendo a morte durante o processo de execução a cobrança pode ser redirecionada para o espólio ou para os sucessores caso efetivada a partilha, sendo que no caso, o contribuinte já havia falecido antes da entrada da execução fiscal.
Destaca-se aqui que o ato de inscrição da CDA, é ato privativo da autoridade administrativa, previsão da LEF, que assim descreve os débitos que podem e devem ser cobrados por ela:
Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública. § 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato. § 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo. (grifo nosso) § 4º - ..............Os requisitos da CDA, estão ali previstos, de forma taxativa e vinculante, e não de forma exemplificativa, pois descrevem os requisitos do ato administrativo, da seguinte forma:
§ 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; (grifo nosso)
II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;
V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e(grifo nosso)
VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida. (grifo nosso)
§ 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente. § 7º - O Termo de Inscrição e a Certidão de Dívida Ativa poderão ser preparados e numerados por processo manual, mecânico ou eletrônico. § 8º - Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos.(grifo nosso)Esse entendimento do TJRS, também é reprisado em outros tribunais:
TRF-2 - APELAÇÃO CIVEL AC 200350010122172 RJ 2003.50.01.012217-2 (TRF-2) Data de publicação: 09/05/2011
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. AJUIZAMENTO APÓS FALECIMENTO DO DEVEDOR. REDIRECIONAMENTO AO ESPÓLIO. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO ERRÔNEA DO SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1 - Trata-se de apelação interposta contra a sentença que julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos dos artigos 267 , IV , do Código de Processo Civil . 2 - O óbito ocorrera, segundo informação prestada pela família do réu, quase 2 (dois) meses antes do ajuizamento da ação, ou seja, em 05/08/2003 conforme a certidão de óbito, circunstância esta que impossibilita a regularização da relação processual mediante a inclusão, quer seja do espólio, quer seja dos sucessores, no pólo passivo da execução. 3 - A substituição do pólo passivo da ação pelo espólio do réu ocorreu sem sequer ter sido realizada emenda ou troca da Certidão de Dívida Ativa-CDA, o que torna mais evidente a equivocada alteração do pólo passivo da ação. 4 - Mesmo que o fato gerador da obrigação tenha ocorrido quando era o executado vivo, fato é que, quando do ajuizamento da execução, o executado já havia falecido e, mesmo assim, seu nome foi o que figurou na referida certidão tornando-a portadora de erro substancial, decorrente de indicação errônea do sujeito passivo da demanda. 5 - Portanto, falecido o executado antes do ajuizamento da execução fiscal, impossível a regularização do pólo passivo do feito com o respectivo redirecionamento da presente ação, não havendo que se falar em citação do espólio ou habilitação dos herdeiros. 6 - Ainda que o Juiz tenha outrora deferido a citação do espólio do executado, o que se encontra em discussão é a ausência de pressuposto processual eis que a execução fora ajuizada em face de quem não possuía capacidade para ser parte por um simples motivo: já se encontrava falecido. 7 - Tratando-se de pressupostos processuais, inexiste preclusão para o julgador, podendo este reapreciá-los a qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, pelo fato de não ter se exaurido o seu ofício na causa, porquanto pendente o julgamento da lide. 8 - Recurso de apelação improvido....
De igual forma o TRF da 2ª.:
TRF-2 - APELAÇÃO CIVEL AC 200451020028419 RJ 2004.51.02.002841-9 (TRF-2) Data de publicação: 28/06/2012 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. AJUIZAMENTO APÓS FALECIMENTO DO DEVEDOR. REDIRECIONAMENTO AO ESPÓLIO. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO ERRÔNEA DO SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. RECURSO IMPROVIDO I - A inscrição em dívida ativa de débito constituído depois do falecimento do devedor caracteriza a existência de vício na sua formação. II- O requerido pela apelante encontra óbice na Súmula n.º 392 do STJ. III - Execução proposta contra parte já falecida, demonstra falta de pressuposto para formar a relação processual. IV - Apelação improvida.
TRF-2 - AC APELAÇÃO CIVEL AC 201050010033544 (TRF-2) Data de publicação: 07/08/2014
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. AJUIZAMENTO APÓS FALECIMENTO DO DEVEDOR. REDIRECIONAMENTO AO ESPÓLIO. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO ERRÔNEA DO SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. LEI Nº 6.830 /80, ART. 4º , III E CTN , ART. 131 , III . INAPLICABILIDADE. SENTENÇA DE EXTINÇÃO CONFIRMADA. PRECEDENTES.EXTINÇÃO CONFIRMADA. PRECEDENTES. 1 - O óbito ocorreu mais de cinco anos antes propositura da execução fiscal, antes mesmo da inscrição do crédito tributário na dívida ativa, circunstância esta que impossibilita a regularização da relação processual mediante a inclusão, quer seja do espólio, quer seja dos sucessores, no pólo passivo da execução. 2 - O art. 43 do CPC dispõe que ocorrendo a morte de quaisquer uma das partes no curso do processo, deverá ocorrer a substituição pelo respectivo espólio, através do procedimento denominado habilitação, a ser efetivado por seus sucessores. Não é o caso dos autos. 3 - Ainda que os fatos geradores da obrigação tenham ocorrido, segundo alega a apelante, quando era o executado vivo, o que faria com que as CDAs não contivessem vícios, fato é que, quando do ajuizamento da execução, o executado já havia falecido e, mesmo assim, seu nome foi o que figurou nas referidas certidões tornando-as portadoras de erro substancial, decorrente de indicação errônea do sujeito passivo da demanda. 4 - Portanto, falecido o executado antes do ajuizamento da execução fiscal, impossível a regularização do pólo passivo do feito com o respectivo redirecionamento da presente ação, não havendo que se falar em citação do espólio ou habilitação dos herdeiros. 5 - Também não cabe a tese de que o direito da exeqüente estaria amparado nos artigos 4º , III , da Lei nº 6.830 /80 e 131 , III , do CTN . De uma leitura dos dispositivos, é de se concluir que ambos se remetem à possibilidade de se expedir CDA já em nome de espólio, o que não é o caso dos autos. 6 - Recurso improvido. Sentença mantida na íntegra.
Tais decisões corroboram o espirito da Lei, que busca proteger o contribuinte na realização de custos desnecessários, que oneram a vida do cidadão.
É fundamental que o Fisco, seja ele Federal, Estadual e Municipal, realize seus atos com a acuidade necessária, evitando assim novas demandas para o contribuinte, ou até mesmo a busca da reparação, por dano diante da imperícia do sujeito ativo.
Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br
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