Por Denise Schmitt Siqueira Garcia - 28/01/2016
O Código Civil traz duas possibilidades de sucessão, a legítima e a testamentária. No Brasil a sucessão legítima ainda é a mais utilizada, diverso do que ocorre em países da Europa e nos Estados Unidos que adotam na grande maioria a sucessão testamentária, que decorre de uma relação contratual mortis causa.
No presente artigo a abordagem será dessa sucessão testamentária.
O contrato de testamento é ato unilateral e gratuito, de natureza solene, essencialmente revogável, pelo qual alguém dispõe dos bens para depois de sua morte, ou determina a própria vontade sobre a situação dos filhos e outros atos de última vontade.
Dentre essas características há que se destacar que se trata de um ATO UNILATERAL, porque a declaração de última vontade emana de uma só parte isoladamente, sendo que proíbe, o Código Civil, testamento conjuntivo, também chamado de mão comum, feito conjuntamente por marido e mulher, no mesmo papel; é um ATO GRATUITO, eis que o testamento não deve conter onerosidade para o herdeiro ou legatário, porém a coexistência de algum elemento oneroso, como a presença de encargo, não o desvirtua, salvo se preponderante. Salienta-se que essa característica da gratuidade não está se referindo a confecção do contrato de testamento, que sempre terá um custo, mas sim à essência do que contém as cláusulas testamentárias; é um ATO SOLENE, pois para sua elaboração prescreve o legislador numerosas formalidades, que não podem ser desculpadas ou postergadas, sob pena de nulidade, destinando-se esse formalismo a proteger a veracidade e a realidade do ato; é ESSENCIALMENTE REVOGÁVEL, eis que a vontade do testador pode ser modificada, no todo ou em parte; por fim, é um ATO MORTIS CAUSA, pois só produzirá seus efeitos após a morte do testador.
A legislação civil brasileira apresenta testamentos comuns, que seriam o público, o cerrado e o particular; e os especiais, que seriam o militar, o marítimo e o aeronáutico.
O testamento público é o lavrado pelo tabelião no livro de notas, contendo a declaração de vontade do testador, manifestada em presença do mesmo oficial e de duas testemunhas desimpedidas.
Possui como requisitos:
1) O oficial público, que a lei se refere como sendo o tabelião e/ou o cônsul. Mas a jurisprudência tem admitido que também o lavre o oficial-maior do tabelionato, bem como o escrevente, que legalmente esteja como substituto no pleno exercício do cargo de tabelião.
2) As declarações devem ser feitas na língua nacional escrevendo-se exatamente as palavras do testador. Os erros crassos de linguagem, expressões regionais, emprego de calão, mistura de vocábulos estrangeiros compreensíveis, nada disso prejudica o ato.
3) Os ditados do testador devem ser feitos na presença de duas testemunhas que assistam o ato, e hão de estar presentes do início ao fim do ato.
Terminada as declarações deve o texto ser lido pelo tabelião, na presença do testador e das testemunhas, e NULO será o ato em que se omita referida leitura, na presença conjuntiva e simultânea de todas as pessoas presentes.
Se o testador não puder ou não souber assinar, o oficial assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias.
O cego e o analfabeto só poderão testar na forma pública.
O segundo tipo de testamento ordinário é o cerrado também chamado secreto ou místico, é o escrito pelo próprio testador, ou por alguém a seu rogo, com caráter sigiloso, completado pelo instrumento de aprovação lavrado por oficial público, presente duas testemunhas.
Esse tipo de testamento é composto por dois elementos substanciais: CÉDULA TESTAMENTÁRIA e AUTO DE APROVAÇÃO.
Possui como requisitos:
1) Existência de duas testemunhas que presenciem o ato de aprovação do testamento, nada sabendo do contexto deste;
2) O testamento pode ser escrito tanto em idioma nacional como em língua do próprio testador;
3) O testamento cerrado depois de pronto deve ficar inviolável e caso seja violado o lacre ter-se-á por revogado. A jurisprudência tem pacificado o entendimento de que o testamento cerrado só será invalidado se ficar comprovado que o lacre foi quebrado pelo testador ou alguém a seu mando, caso contrário terá plena eficácia;
4) Com o falecimento do testador o testamento será aberto pelo juiz, que o fará registrar e arquivar no cartório a que tocar, ordenando que seja cumprido se não lhe achar vício externo que o torne suspeito de nulidade ou falsidade.
5) Depois que o testamento foi, por sentença, mandado que se cumpra, só pelos meios regulares de direito pode ser invalidado no todo ou em parte. Efetivamente, encerrado o processo de registro e ordenado o cumprimento do ato, somente por ação ordinária pode o interessado reclamar-lhe a nulidade.
O terceiro testamento ordinário é o particular, que é escrito pelo testador, lido perante 03 testemunhas idôneas que também o assinarão.
Possui como requisitos:
1) Ser escrito em língua nacional ou estrangeira, contanto que as testemunhas a compreendam;
2) Conter três testemunhas;
3) Após a morte do testador deverá ser confirmado em juízo para que tenha validade.
O Código Civil de 2002 apresentou uma nova modalidade do testamento particular, que é apresentado na doutrina como “testamento particular excepcional” ou “testamento hológrafo”, o qual está previsto no artigo 1879 deste diploma legal.
Essa modalidade de testamento permite que o testador que estiver em “circunstâncias especiais” possa testar sem a presença de testemunhas, exigência que como visto alhures é exigida em qualquer forma testamentária.
O primeiro problema apresentado nessa forma testamentária é identificar o que seria considerado como “circunstâncias especiais”, que poderiam permitir a feitura dessa forma excepcional de testamento.
A doutrina vem pacificando exemplos dessas “circunstâncias especiais”, como no caso de calamidade pública, peste ou sequestro, ou seja, quando o testador não puder fazer o testamento na presença de nenhuma testemunha.
Sendo assim, é o único testamento no ordenamento jurídico que poderá ser feito sem a presença de ninguém, somente do testador e mesmo assim ser confirmado posteriormente.
O segundo problema apresentado é que o artigo 1879 do Código Civil exige que o testador declare na cédula o porquê de estar fazendo esse testamento sem testemunha. Vejo que somente se tivermos um jurista envolvido em umas das situações acima exemplificadas que poderíamos realmente ter a validade de um testamento feito dessa forma, pois que cidadão comum saberia a possibilidade dessa forma de confecção de testamento? Respondo: nenhum.
O terceiro problema apresentado é que o Código Civil apresenta como testamentos especiais: o militar, o marítimo e o aeronáutico, e em cada um deles traz um prazo de validade de 90 dias contados da data que o testador puder fazer um testamento na forma ordinária, ou seja, se alguém estiver em uma viagem de navio e fizer um testamento marítimo, caso desembarque do navio em coma, somente após sair desse estado começaria a correr esse prazo de 90 dias.
Essa previsão é porque esses testamentos devem ser tratados de forma excepcional, pois se alguém quiser testar fora dessas situações específicas previstas para essas formas testamentárias, essa pessoa deve escolher um dos testamentos ordinários acima especificados.
O testamento particular excepcional, tratado no artigo 1879, que é o tema central desse artigo, é, sem sombra de dúvidas, um testamento excepcional, como o marítimo, o militar e o aeronáutico, porém o legislador não trouxe qualquer prazo de validade para esta forma testamentária.
O enunciado 611 da VII Jornada de Direito Civil, veio sabiamente resolver esse impasse, e assim estabeleceu:
“ENUNCIADO 611- O testamento hológrafo simplicado, previsto no artigo 1879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subseqüentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias.”
Verifica-se, portanto, que houve uma padronização do prazo de caducidade do testamento particular excepcional com o que já estava previsto quanto aos testamentos especiais, observando-se, ainda, que esse prazo somente começará a correr quando cessar a circunstância excepcional que ensejou a confecção dessa forma testamentária, desde que o testador tenha condições de fazer outra forma de testamento, agora na forma ordinária.
Denise Schmitt Siqueira Garcia é Doutora pela Universidade de Alicante na Espanha. Mestre em Derecho Ambiental y Sostenibilidad pela Universidade de Alicante na Espanha. Mestre em Ciência Jurídica. Especialista em Direito Processual Civil, Graduada em Direito. Atualmente é professora do Programa de Pós graduação stricto sensu em Ciência Jurídica, de pós graduação lato sensu e da graduação. Coordenadora de pós graduação lato sensu em Direito Processual Civil da Universidade do Vale do Itajaí. Membro do grupo de pesquisa Estado, Direito Ambiental, Transnacionalidade. Pesquisadora do projeto de pesquisa aprovado no CNPq intitulado: Possibilidades e limites da Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil e Impacto na Gestão Ambiental Portuária. Advogada.
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