Terrorismo: atos preparatórios ou atos de execução contra a liberdade? - Por Ricardo Antonio Andreucci

22/09/2016

Os recentes atentados terroristas ocorridos em vários países do mundo e a nova lei antiterror brasileira, pela primeira vez aplicada pouco antes do início dos jogos olímpicos no Rio, nos impulsionam a refletir sobre alguns aspectos jurídicos controvertidos da jovem legislação.

O terror tem se espalhado pelo mundo e, embora não seja um fenômeno recente, vem trazendo desassossego à população de diversos países e ensejando o recrudescimento das legislações penais, muitas vezes em detrimento das liberdades e garantias a duras penas conquistadas.

É que a luta contra o terrorismo invariavelmente faz com que as liberdades constitucionais e as liberdades fundamentais sejam substituídas pela cultura da segurança nacional.

No Brasil, a Doutrina da Segurança Nacional, muito cultuada e disseminada em passado recente, ensejou uma peculiar tipificação do crime de terrorismo, na Lei nº 7.170/83, que definiu os crimes contra a segurança nacional. Essa lei de segurança nacional sucedeu a anterior Lei nº 6.620/78, que estabelecia, no seu art. 1º, que “toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei.”

Abstraídas as injunções políticas da antiga lei brasileira, a citada disposição muito se assemelha às diretrizes que vem sendo estabelecidas por diversos países da Europa e pelos Estados Unidos, determinando a todo cidadão a obrigação de cuidar da segurança nacional contra o terrorismo. Nesse sentido, inclusive, a cartilha antiterror do Departamento de Defesa norte-americano.

Pois bem, a Lei nº 7.170/83, em seu art. 20, pune com reclusão de 3 a 10 anos, as condutas de “devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.”

Essa preocupação com o terrorismo político e com as organizações políticas clandestinas ou subversivas foi expressamente abandonada na nova lei brasileira antiterrorismo, dispondo nova Lei nº 13.260/16, no art. 2º, §2º, que “o disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.”

Entretanto, um dos aspectos que mais chamou a atenção foi na nova lei foi a criminalização dos atos preparatórios de terrorismo constante do seu art. 5º. Diz o art. 5º: “Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito: (...)”.

Como largamente sabido, atos preparatórios são aqueles que se situam fora da esfera de cogitação do agente, embora ainda não se traduzam em início da execução do crime. Em regra, os atos preparatórios não são puníveis, a não ser que, por si sós, já configurem atos de execução de infrações penais autônomas. Como exemplos de atos preparatórios podemos citar, no homicídio, a compra da arma, a direção ao local do crime etc.; no furto, a obtenção dos petrechos necessários à subtração etc.

Atos de execução (ou executórios) são aqueles voltados diretamente à prática do crime, iniciando-se a reunião dos elementos integrantes da definição legal do crime.

Para se distinguir ato preparatório de ato de execução, existem dois critérios básicos:

a) critério do ataque ao bem jurídico tutelado, ou critério material, que se funda no perigo corrido pelo bem jurídico tutelado. Se o ato não representar esse perigo, não será ato de execução;

b) critério do início da realização do tipo, ou critério formal, também chamado de formal-objetivo, o qual sustenta que o ato executivo deve dirigir-se à realização do tipo, ou seja, deve ser o início de sua realização, amoldando-se a conduta ao núcleo do tipo (verbo).

O Brasil adotou a teoria objetiva, exigindo o Código Penal o início do ato de execução (critério formal) para a ocorrência da tentativa. Em tese, portanto, o Brasil adotou o critério formal-objetivo.

Entretanto, é voz quase unânime na doutrina que o critério formal-objetivo precisa de complementação em razão da existência de atos muito próximos do início da execução que precisariam ser tipificados. Por exemplo, o agente que é surpreendido no alto de uma escada encostada ao muro de uma casa, preparando-se para lá ingressar e praticar a subtração. Ou então o sujeito surpreendido no telhado de uma residência, afastando algumas telhas para lá ingressar e furtar. Ou ainda o sujeito que é surpreendido no interior do quintal de uma casa, preparando-se para furtar, sem ter, contudo, subtraído qualquer coisa.

Para alguns, a solução seria adotar a complementação proposta por Reinhard Frank, incluindo na tentativa as ações que sejam necessariamente vinculadas à ação típica, sendo consideradas parte integrante dela, como nos exemplos acima citados. Para outros, a solução estaria na adoção da teoria individual-objetiva, de Hans Welzel, segundo a qual a tentativa engloba todos os atos imediatamente anteriores ao início da execução, de acordo com a intenção do agente.

De qualquer modo, a legislação brasileira não está isolada no mundo, sendo encontradas disposições semelhantes em várias legislações antiterror de diversos países da Europa (Espanha e França, por exemplo), além dos Estados Unidos da América, havendo real preocupação com a punição dos atos preparatórios na busca de se evitar o início da execução dos atos de terrorismo, dadas as implicações gravíssimas desse tipo de crime.

Exagero legislativo? Direito Penal do Inimigo na legislação? Somente quem já sofreu e quem ainda sofre as nefastas consequências do terrorismo no seu dia-a-dia pode dizer.

Quem convive diuturnamente com o terrorismo certamente apóia qualquer iniciativa visando a sobrevivência do Estado de Direito em tempos de emergência, ainda que à custa da flexibilização do princípio da legalidade em função de uma segurança maior. Afinal, liberdade aviltada e aniquilada pela constante ameaça do terror equivale a escravidão.


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Imagem Ilustrativa do Post:Forças Armadas promovem treinamentos em cidades-sede // Foto de: Ministério da Defesa // Sem alterações

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