TERRA PLENA  

28/08/2019

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

Sim. Minha 'terra' é plana! Não aquela que esperas navegar até alcançar as arestas. Não te atrevas a tocar em minhas bordas! Nem com tuas mãos, tampouco com teus passos pesados de macho a sentir-se alpha. Não te enganes tanto com tuas certezas quadradas a ocupar tuas caixas fechadas. Abre as tuas arestas. Permite o vento, o frescor das brisas, a agitação necessária das tempestades ligeiras. Não te deixes cair em tentações idiotas de um corpo másculo que só se importa com satisfações de gozo. Estende teus olhos para além dos horizontes do corpo. Tu não és assim tão pouco! Não te satisfaças tão somente com uma carne que em breve estará gasta, desvanecida entre as dobras do tempo menino - esse sim, proprietário direto, perene, completo, das tuas noites e dias, a cobrar-te insistentemente o pedágio encarecido do teu respiro no mundo. Não te enganes com tão pouco e ilusório paraíso!

Sim. Minha 'terra' é plena! Aquela a qual, a teu bel prazer, jamais terás acesso ou direito de uso, sem que tenhas licença ambiental do meu coração, nos conformes únicos do meu próprio desejo. Quiçá conceder-te-ei servidão de passagem, vez por outra, ao lado de cá da minha margem! Ainda assim, teus ódios repentinos estarão sujeitos a despejos, pois saibas que não mais sou afeita a sofrimentos contínuos!

Não esperes que essas minhas planícies, depressões ou monte de vênus, te sejam navegáveis até o teu  descobrir das minhas entranhas! Não te deixarei entrar por mero capricho ou desejo incontido do teu órgão ativo! Somente encontrarás abrigo no ventre do meu mundo quando souberes respeitar-me enquanto útero!

Sim. Minha 'terra' é prana! Ar em movimento. Respiro fundo no contratempo. Torvelinho necessário em tempo de contraponto. Também é montanha, precipício, labirinto ou caminho. Fome, desejo, sede de ninho. Mar profundo, veio d'água, ribeirão. Vertente de água salobra, cachoeira, turbilhão. Minha 'terra' é fenda, buraco negro, cometa, constelação. É céu aberto, chuva fininha, temporal de verão.

 

Sou mulher. Daquelas que amamentou teu coração. Que te ensinou o passo, a palavra primeira, que fez tua comida e te ergueu do chão. Que lavou tua ferida e te salvou do desespero da ilusão. Por isso, não te atrevas, sem minha licença, a devastar minhas fronteiras, estabelecer meus limites, ou sufocar minhas veias! Nem te assustes se te chamarem a fazer minha louvação! Aceita-me parceira, companheira em amor e condição. De outro modo, desejo-te sorte na estrada, segue sozinho, não te quero sem coração! Pois minha 'terra' é gana, esperança, germinação!

 

* para todas as mulheres vítimas de preconceitos e/ou violências de gênero, em razão de sua 'terra' (corpo).

 

Imagem Ilustrativa do Post: 00000451 // Foto de: Anne // Sem alterações

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