Teoria geral do crime: Lição 8

13/05/2015

Por Marcelo Pertille - 13/05/2015

Olá, moçada do Empório do Direito! Aqui vamos para mais uma lição sobre teoria geral do crime. Na semana passada falamos acerca do crime impossível e hoje iniciaremos o nexo causal, também tido como relação de causalidade.

Importante lembrar que estamos destrinchando o FATO TÍPICO, primeiro substrato da teoria tripartite do conceito analítico de crime, composto pela CONDUTA, RESULTADO, NEXO CAUSAL e TIPICIDADE. Sendo assim, é possível afirmar que hoje damos início ao estudo do terceiro elemento do fato típico: nexo causal.

O nexo causal pode ser definido como o vínculo existente entre uma conduta e o resultado naturalístico que se identifica. Para o Direito Penal tem-se que a relação de causalidade desenvolve técnicas que permitem investigar qual conduta deve ser tida como causadora do resultado que se analisa para que, ato contínuo, possa-se qualificar o seu autor, atribuindo-lhe a proporcional repercussão penal. Salienta-se que o estudo do nexo causal recai sobre os crimes materiais (aqueles que exigem o resultado naturalístico para a consumação), haja vista que nos formais e nos de mera conduta a exteriorização do resultado não compõe a descrição típica.

FCC/TCE-SP - Concausa é a confluência de uma causa na produção de um mesmo resultado, estando lado a lado com a ação do agente. CORRETO

CESPE/DPE-RR - De acordo com preceito expresso no CP, a relação de causalidade limita-se aos crimes materiais. CORRETO

Logo, fundamental ter em mente o art. 13 do Código Penal, que determina:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Como se vê, a lei estabelece que será responsável pelo resultado tido como necessário para a consumação do crime o agente que der a ele CAUSA. Na sequência, tratou o dispositivo de conceituar causa como sendo toda a conduta indispensável para a produção desse resultado.

Por conta dessa redação é pacífico na doutrina brasileira o entendimento de que o Código Penal adotou, como regra, a teoria da equivalência dos antecedentes causais, também denominada teoria da conditio sine qua non. Por ela basta que determinada ação ou omissão tenha influenciado de alguma forma a produção do resultado para que seu autor deva ser repreendido penalmente por ele. Dito de outra forma, não importa de que maneira a conduta tenha contribuído para o evento criminoso, bastando para a incidência da lei penal a certeza de que interferiu no dano ao bem jurídico.

A partir dessa teoria é que foi desenvolvido o método da eliminação hipotética dos antecedentes causais, igualmente batizado de método de Thyrén, em homenagem ao professor que o idealizou no final do século XIX. Esse processo determina que para se descobrir se a conduta apurada pode ser tida como causa de certo resultado deve o investigador suprimi-la mentalmente da linha de acontecimentos anterior a ele. Assim, hipoteticamente eliminada uma conduta, deve ser feita imediatamente a pergunta: ainda assim o resultado se daria da forma como ocorreu? Sendo positiva a resposta tem-se que a conduta estudada não pode ser tida como responsável pelo resultado, já que não contribuiu para ele, pois mesmo sem ela tudo se daria da mesma forma, sem mudanças. Do contrário, se for suprimida a conduta e o resultado restar hipoteticamente prejudicado, é possível concluir que foi condição para a existência deste, devendo seu produtor ser responsabilizado penalmente. A essa forma de se definir a relação causal atribui-se o nome de CUSALIDADE SIMPLES. Simples, ressalta-se, porque não se discute o quanto a conduta foi importante para o resultado, bastando que tenha tido atuação em relação a ele.

FCC/NOSSA CAIXA/Advogado - Teoria da equivalência das condições: quaisquer das condições que compõem a totalidade dos antecedentes é causa do resultado, pois a sua inocorrência impediria produção do evento. CORRETO

Ocorre que a causalidade simples permite, nessa regressão na linha do tempo em busca de condutas que de qualquer forma tenham influenciado o resultado, que se vá em direção ao infinito. Imagine-se, por exemplo, que um homicídio no trânsito não teria acontecido da forma como se deu caso os operários da fábrica de automóveis não tivessem produzido o veículo pilotado pelo responsável pelo delito. De outro norte, para que a teoria não possa produzir tal efeito desproporcional, é preciso limitar o método da eliminação hipotética até as condutas sobre as quais é possível reconhecer DOLO ou CULPA. Portanto, ainda que tenha motivado o resultado, a conduta só interessa penalmente quando dolosa ou culposa.

A questão ganha contornos mais complexos quando condutas se dão de forma paralela em direção ao resultado, de maneira não desejada por seus agentes, mas podendo, eventualmente, somarem-se para a produção do resultado. São as chamadas CONCAUSAS, que são:

- ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTES quando não colaboram entre si para o desfecho dos fatos. Ou seja, operam-se quando for possível afirmar que apenas uma das condutas produziu o resultado tal como se deu, não podendo o produtor da causa concorrente responder pelo resultado para o qual não colaborou (art. 13, caput, do CP), devendo, no máximo arcar com seu dolo na forma tentada;

- RELATIVAMENTE INDEPENDENTES quando for possível reconhecer que uma causa foi decorrência da outra, aliando-se, assim, para que juntas tenham produzido o efeito criminoso sobre o qual se busca desvendar o responsável. Nesta espécie, como as condutas uniram-se (ainda que de forma não desejada pelos agentes) para o resultado, é certo que, em regra, seus responsáveis devam responder por ele.

CESPE/PC-BA - As causas ou concausas absolutamente independentes e as causas relativamente independentes constituem limitações ao alcance da teoria da equivalência das condições. CORRETO

As concausas podem ser classificadas como PREEXISTENTES, CONCOMITANTES e SUPERVENIENTES. Importante dizer que são assim definidas tomando-se por base a conduta que se analisa.

Com isso, se a conduta que efetivamente deu origem ao resultado é anterior à conduta que se estuda, sem que tenham, portanto, contribuído uma com a outra para ele, haverá causa absolutamente independente preexistente. Exemplo é o agente que ingere veneno e depois é alvejado por disparos de arma, vindo a falecer exclusivamente por conta do envenenamento. Note-se que a causa da morte foi o envenenamento, preexistente aos disparos, o que determina que o autor dos tiros deva responder apenas pela tentativa de homicídio.

É possível também que causas se deem de maneira simultânea, mas sendo possível imputar apenas a uma delas a produção do resultado. Exemplo, na linha do primeiro, pode ser o do agente que está sendo envenenado e, no mesmo momento, recebe disparos que o levam a óbito. Houve aqui causa absolutamente independente concomitante, devendo o produtor do envenenamento responder na forma tentada, já que a morte se deu por conta exclusiva dos tiros.

Mas se a conduta que efetivamente produzir o resultado for posterior àquela que se investiga (insiste-se: sem que tenham colaborado entre si) haverá causa absolutamente independente superveniente. É a situação da vítima que, após a ingestão de substância capaz de causar-lhe a morte, acaba falecendo pelo desabamento da edificação na qual se encontrava. Mais uma vez ao autor da causa concorrente deverá ser atribuída apenas a forma tentada.

CESPE/DPE-RR - A exclusão do nexo de causalidade ocorre nas concausas absolutamente independentes quando estas forem supervenientes, mas não ocorre quando estas forem preexistentes ou concomitantes. ERRADO

As consequências jurídicas diferenciam quando as causas são relativamente independentes, pois, repisa-se, aqui a conduta do agente, ainda que não fosse sua intenção, dá origem a outras causas, que juntas promovem o resultado da maneira como havido.

Trata-se de causa relativamente independente preexistente, por exemplo, a situação da vítima que é agredida com dolo homicida, mas que apenas morre, haja vista que as lesões não tinham potencial mortal, porque desencadeado processo infeccioso decorrente de doença que possuía há anos. Note-se que a doença e as lesões não causariam a morte se tidas isoladamente, resultado esse fruto do somatório das causas. Deve o agente ser responsabilizado pelo crime na forma consumada.

Ocorre causa relativamente independente concomitante quando a vítima, por exemplo, ingere apenas um gole de bebida com veneno, insuficiente para matá-la, mas que provoca-lhe a morte por conta das complicações oriundas de um ataque cardíaco do qual é acometida simultaneamente. Para tanto deve ser possível afirmar que se não fosse a ingestão do veneno teria sobrevivido. Como a conduta do agente que ministrou o veneno contribuiu para que o resultado ocorresse da maneira como se deu, deve ele ser responsabilizado pelo homicídio consumado.

Quanto à causa relativamente independente superveniente é preciso conhecer a redação do art. 13, §1º, do CP. Determina a lei que nessa hipótese haverá exclusão da imputação quando for possível constatar que a causa posterior por si só produziu o resultado, devendo, entretanto, os fatos anteriores serem imputados a quem os praticou.

Assim, a causa relativamente independente superveniente pode ser divida em duas espécies: (a) aquela que por si só produz o resultado – onde será aplicada a regra do art. 13, §1º, do CP – devendo apenas o responsável pela causa posterior arcar com o resultado, enquanto o agente da causa concorrente deverá ser penalmente perseguido no máximo na forma tentada; (b) aquela na qual a conduta superveniente não produz por si só o resultado, não sendo capaz, portanto, de afasta-lo da linha de desdobramento natural da causa anterior. Por isso, o agente provocador da causa concorrente deve responder pelo resultado da maneira como de seu, já que colaborou para que fosse levado a efeito, conforme ensina a teoria dos antecedentes causais.

MPE-SC/Promotor de Justiça - Na hipótese do sujeito, na condução de um ônibus pela via pública, colidir com um poste que sustenta fios elétricos, um dos quais, caindo ao chão, atinge um passageiro ileso e já fora do veículo, provocando a sua morte em decorrência da forte descarga elétrica recebida, corresponde a causa superveniente relativamente independente. CORRETO

No exemplo da vítima de disparos de arma de fogo, que chegando ao hospital em busca de atendimento encontra os servidores em greve, e falece sem socorro, ocorre causa relativamente independente (vítima só precisou de atendimento porque foi lesionada) superveniente, eis que se tivesse sido atendida a tempo teria alta probabilidade de ter sobrevivido. Mas registra-se que a falta de atendimento não produziu por si só o resultado, que apenas somou-se em relação a ele.

Diferentemente seria se a vítima chegasse ao hospital, fosse prontamente atendida, posta fora de perigo de morte, mas por conta de um desabamento da ala onde estava falecesse por causa exclusiva das novas lesões. Note-se que a vítima não estaria naquele local não fosse a conduta do agente que contra ela desferiu tiros. Contudo, é certo que o agente não produziu o resultado da forma como se deu, eis que o desabamento superveniente produziu quebra na linha de desdobramento natural de sua conduta. Aqui, então, há causa relativamente independente superveniente que, por si só, produziu o resultado, devendo o autor da causa concorrente responder pela tentativa de homicídio.

CESPE/MPU - Júlio, com intenção de matar Maria, disparou tiros de revólver em sua direção. Socorrida, Maria foi conduzida, com vida, de ambulância, ao hospital; entretanto, no trajeto, o veículo foi abalroado pelo caminhão de José, que ultrapassara um sinal vermelho, tendo Maria falecido em razão do acidente. Nessa situação, Júlio deverá responder por tentativa de homicídio e José, por homicídio culposo. CORRETO

FCC/TCM-GO - Fernando deu início à execução de um delito material, praticando atos capazes de produzir o resultado lesivo. Todavia, aliou-se à sua ação uma concausa superveniente, relativamente independente em relação à conduta do agente, sem guardar posição de homogeneidade em relação à conduta do agente e que, por si só, produziu o resultado. O resultado lesivo NÃO será imputado a Fernando, que responderá apenas pelos atos praticados. CORRETO

Importante que se diga que na hipótese do art. 13, §1º, do CP, ocorre a chamada causalidade adequada, quando, ao contrário da causalidade simples, não basta para a responsabilização penal que certa causa contribua para o resultado, devendo mostrar-se adequada, idônea, necessária quanto a ele.

Vale sintetizar: nas causas absolutamente independentes, já que a causa concorrente não contribuiu para o resultado (excluída pelo método da eliminação hipotética), seu agente não pode por ele ser responsabilizado, mesmo que preexistente, concomitante ou superveniente. Já nas causas relativamente independentes (nas três modalidades) deverá o agente suportar os efeitos penais daquilo para o quê colaborou (reponde pelo resultado como ocorrido). Situação diferente se dá na causa relativamente independente superveniente que por si só produz o resultado, já que, embora motivada pela primeira, promove desfecho completamente diverso, sendo a única responsável pelo resultado da forma como ocorrido (causalidade adequada).

Na próxima lição daremos sequência ao estudo do nexo causal, quando veremos a teoria da imputação objetiva.

Grande abraço e bons estudos!


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     


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