Teoria geral do crime: Lição 4

16/04/2015

Por Marcelo Pertille - 16/04/2015

(Veja a Parte I, Parte II e a Parte III)

Olá, moçada! Na lição passada demos início à análise da conduta, primeiro elemento do primeiro substrato da teoria tripartite finalista da ação (fato típico), quando, então, trabalhamos as principais diferenças entre dolo e culpa. Agora daremos sequência com o estudo do preterdolo e do erro de tipo.

PRETERDOLO

Trata o preterdolo da possibilidade de se agravar a responsabilidade penal do agente produtor de certa conduta que dá causa a resultado mais danoso do que o planejado quando da sua realização. Caracteriza-se por uma conduta dolosa que visa a obtenção de determinado resultado, mas que gera, por culpa, efeito mais danoso. O preterdolo, vale dizer, é uma das espécies de crimes qualificados pelo resultado.

CESPE/PF - O crime preterdoloso, ou  preterintencional, é um crime misto, em que há uma conduta que é dolosa, por dirigir-se a um fim típico, e que é culposa por causar outro resultado, que não era objeto do crime fundamental. CORRETO

 ESPÉCIES DE CRIMES AGRAVADOS PELO RESULTADO:

1. Dolo na conduta antecedente e dolo no resultado. Ex: homicídio qualificado;

2. Dolo na conduta antecedente e culpa no resultado - PRETERDOLO. Ex: lesão corporal seguida de morte.

3. Culpa na conduta antecedente e culpa no resultado. Ex: Incêndio qualificado pela morte.

Há quem admita ainda a classificação de culpa na conduta antecedente e dolo no resultado, apresentando como exemplo o crime de homicídio culposo no trânsito qualificado pela omissão de socorro. Classificação controversa, pois não parece lógico que alguém possa pretender resultado mais gravoso de conduta que não tinha qualquer intenção de produzir lesão a bem jurídico penalmente protegido.

Importante enfatizar, conforme prevê a redação do art. 19 do Código Penal, que no preterdolo o agente pratica determinada conduta desejando um resultado criminoso, mas por culpa atinge resultado mais gravoso. Ou seja, é preciso que se identifique na conduta, quanto ao resultado, os elementos da culpa (já estudados na lição 3). Prevê a Lei Penal:

Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.

MPE/MS - No crime preterdoloso a culpa pode ser reconhecida por presunção?

Não, a culpa no crime preterdoloso não pode ser presumida, deve ser provada. CORRETO

CESPE/Câmara dos Deputados - Ocorre crime preterdoloso quando o agente pratica dolosamente um fato do qual decorre um resultado posterior culposo. Para que o agente responda pelo resultado posterior, é necessário que este seja previsível. CORRETO

FCC/TJ-PA - Se diante de um determinado fato delitivo, verificar-se que há dolo na conduta inicial e culpa no resultado final, pode-se dizer que se configurou crime preterdoloso. CORRETO

Nessa esteira, o típico crime preterdoloso é a lesão corporal seguida de morte, eis que o art. 129, §3º, do Código Penal, é claro em exigir que para a tipificação deve ser possível identificar dolo na conduta, sem que se possa concluir que o agente queria o resultado morte ou que assumiu o risco de produzi-lo.

DPE/PA - O crime previsto no art. 129, § 3º do Código Penal - lesão corporal seguida de morte – preterdoloso, por excelência, insere-se na categoria dos delitos qualificados pelo resultado. CORRETO

FUNDEP/TJ-MG - Considere o exemplo a seguir: João quer ferir e assim dá um soco no rosto de Antônio; esse ao cair, bate com a cabeça na pedra e morre. É correto afirmar que estamos diante de exemplo de um crime preterdoloso. CORRETO

Em outros crimes, no entanto, a Lei Penal não traz na sua redação a exigência expressa de culpa quanto ao resultado. Prevê tão somente uma figura típica agravada pelo resultado mais danoso, sem que haja menção quanto ao elemento subjetivo do agente em relação ao efeito obtido. Exemplo é o latrocínio, pois aqui tanto faz se com a conduta violenta o agente pretendia a morte da vítima, assumiu o risco de produzi-la ou a obteve por culpa – é essa aposição majoritária da doutrina e jurisprudência.

O latrocínio, (art. 157, § 3º, in fine, do CP) configura-se tanto na forma integralmente dolosa (tipo congruente) quanto na preterdolosa (tipo incongruente por excesso objetivo) e que responde o agente pelo resultado (no caso a morte da vítima), quando há previsibilidade dessa consequência mais gravosa, vez que ocorre quando ele tem ciência de que se está empregando arma na prática do crime. (TJ/RS – Apelação Criminal n. 70020154654. Rel. Des. Aramis Nassif)

CESPE-ES/Juiz - O delito preterdoloso ocorre quando o agente quer praticar um crime e, por excesso, produz culposamente um resultado mais grave que o desejado inicialmente, como ocorre, invariavelmente, no delito de latrocínio. ERRADO

Em alguns desses crimes, entretanto, a jurisprudência majoritária exige que para que ocorra a figura agravada pelo resultado deve existir, necessariamente, culpa no resultado, mesmo que o tipo não faça essa exigência. É o caso da lesão corporal seguida de aborto, na qual entende a jurisprudência majoritária que se o agente tinha dolo de aborto, assim como de lesão, deve responder na forma do concurso de crimes. Outras figuras assim tratadas são o aborto com resultado lesão grave ou morte, lesão corporal com perigo de vida, estupro com resultado lesão grave ou morte.

ERRO DE TIPO

Para se compreender a ideia retratada no erro de tipo é fundamental ter em mente que os tipos penais são fruto da reunião de elementos que os caracterizam. Pelo princípio da tipicidade, para que haja a possibilidade de incidência do Direito Penal, deve a conduta do agente se moldar a descrição anteriormente prevista pelo legislador quanto à satisfação dos seus elementos.

Constitui erro de tipo, então, a conduta que se equivoca quanto a elemento que compõe a descrição típica. É o engano do agente sobre elemento constitutivo do tipo legal que pode provocar a exclusão do dolo e da culpa, ou apenas do dolo, permitindo a punição a título culposo caso haja sua previsão legal. Há quem defenda que o erro de tipo também abarca o equívoco que recai sobre quaisquer circunstâncias que envolvem o tipo penal, tal como as qualificadoras e as causas de aumento, por exemplo.

MPE-SP/Promotor de Justiça - Motorista que, em estacionamento, se apodera de veículo pertencente a terceiro supondo-o seu, em decorrência de absoluta semelhança entre os automóveis, incide em erro de tipo. CORRETO

FMP-RS/TJ-AC - O erro de tipo, uma vez constatado, sempre exclui o dolo. CORRETO

TRF4/Juiz - No erro de tipo está viciada a previsibilidade, impedindo que o dolo atinja corretamente todos os elementos essenciais do tipo, o que não impede a configuração do crime culposo. CORRETO

O erro de tipo é dividido em duas espécies:

- ESSENCIAL: diz respeito aos dados essenciais da figura típica. Ex: agente pretende matar animal, mas, por erro de percepção, investe contra pessoa.

ACIDENTAL: tem relação com dados que contornam os elementos que integram o    tipo legal. Não são capazes de afastar o dolo, pois mesmo diante do erro perpetrado pelo agente é possível concluir sua intenção de provocar lesão à bem jurídico. Ex: agente pretende matar alguém, mas acreditando ser a vítima pretendida, investe contra pessoa diversa. Grifa-se que o elemento constitutivo do tipo de homicídio       alguém foi dolosamente agredido, tendo o agente errado, entretanto, em relação a pessoa desejada. Aqui são estudados o erro sobre o objeto, sobre a pessoa, o erro na execução, o resultado diverso do pretendido, o erro de causa e o erro sobre as qualificadoras. Devem ser vistos, todavia, quando do estudo dos crimes aberrantes    (arts. 73 e 74 do Código Penal), à exceção do erro sobre a pessoa que veremos ainda nesta lição.

ACAFE/PC-SC - É correto afirmar que, o “error in persona” (erro sobre a pessoa): é caso de erro acidental. 

O erro essencial pode ser dividido em outras duas espécies: EVITÁVEL, também tido como inescusável ou vencível, e o INEVITÁVEL, escusável ou invencível.

Caracteriza-se o erro evitável como aquele proveniente de culpa, devendo o agente ser responsabilizado por não ter empregado em sua conduta as cautelas proporcionais à situação na qual estava inserido. Logo, o erro evitável, vencível ou inescusável afasta o dolo, autorizando a imputação da modalidade culposa quando houver previsão nesse sentido.

Já o erro inevitável tem o poder de afastar o dolo e a culpa, já que, como sugere o próprio nome, não se pode cobrar do agente que tivesse tido cautela e prudência quando for certo que essas não teriam tido a força de evitar o resultado que se analisa. Em suma, se o agente age sem a consciência do que realmente está provocando e é certo que não se pode cobrar dele que fosse mais diligente estará configurado o erro invencível.

CESPE/TJ-AM/Juiz - O erro de tipo inevitável exclui o dolo e a culpa. CORRETO

PGR/Procurador da República - Para a doutrina, o erro invencível é aquele inescusável, na medida em que pode ser superado por pessoa dotada de diligência ordinária, ou seja, pelo “juízo profano”. ERRADO

O erro, todavia, pode ser determinado por terceiro, que, conforme prevê a redação do art. 20, §2º, do Código Penal, deve ser o responsável pelo crime. Nessa hipótese o agente que imediatamente agride o bem jurídico apenas o faz porque está em fraude ocasionada por outrem (com dolo ou culpa), não constituindo o seu erro algo espontâneo.

CEPERJ/PC-RJ - Em situação de erro provocado por terceiro, não se pune o provocador que agiu com negligência. ERRADO 

Quanto ao erro sobre a pessoa, com redação dada pelo parágrafo terceiro do art. 20 do Código Penal, é certo, como dito, que constitui exemplo de erro de tipo acidental. Determina a Lei penal que “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”.

Ou seja, resta claro que nesse caso, ainda que a vítima pretendida pelo agente não tenha sido atingida, devem ser consideradas as suas características para efeito da responsabilização penal. Trata-se da teoria da equivalência, pois a vítima atingida passa a equivaler-se à desejada pelo autor para efeito da definição das penas.

TRT22ª/Juiz do trabalho - O erro sobre a pessoa, não isenta o acusado de pena. 

VUNESP/TJ-SP/Juiz – No erro sobre a pessoa há representação equivocada da realidade, pois o agente acredita tratar-se a vítima de outra pessoa. Trata-se de vício de elemento psicológico da ação. Não isenta de pena e se consideram as condições ou qualidades da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. CORRETO 

FCC/TRF4ª - Com uma velha espingarda, o exímio atirador Caio matou seu próprio e amado pai Mélvio. Confundiu-o de longe ao vê-lo sair sozinho da casa de seu odiado desafeto Tício, a quem Caio realmente queria matar. Ao morrer, Mélvio vestia o peculiar blusão escarlate que, de inopino, tomara emprestado de Tício, naquela tão gélida quanto límpida manhã de inverno. O instituto normativo mais precisamente aplicável ao caso é, doutrinariamente, conhecido como erro sobre a pessoa. CORRETO

Fundamental enfatizar que no erro sobre a pessoa o agente imagina mal uma realidade, escolhendo mal o seu alvo, que é atingido pela execução bem feita. Quando do estudo do erro na execução (aberratio ictus), outra espécie de erro de tipo acidental, tem-se que o agente escolhe bem seu alvo, não o atingindo, entretanto, por acidente ou erro nos usos dos meios de execução. De toda sorte é fundamental ter em mente que nas duas hipóteses deve ser aplicada a teoria da equivalência, também chamada de teoria do aproveitamento do dolo, quando as características da vítima desejada serão levadas em consideração para a fixação da reprimenda.

VUNESP/TL-SP/Juiz - Quando, por erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, levando-se em consideração as qualidades da vítima que almejava. Tal situação configura aberratio ictus. CORRETO

Com relação ao erro sobre as descriminantes (descriminantes putativas), previsto no parágrafo primeiro, art. 20 do Código Penal, trabalharemos o tema quando tratarmos das causas excludentes da ilicitude, segundo substrato da teoria tripartite.

Semana que vem daremos sequencia ao nosso estudo.

Grande abraço!


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   


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