Teoria Geral do Crime: Lição 16

08/07/2015

Por Marcelo Pertille - 08/07/2015

Olá, amigos do Empório do Direito! Na última lição encerramos o estudo da ilicitude, segundo substrato do conceito analítico de crime, aonde vimos o tratamento que deve receber o excesso oriundo do uso das excludentes de ilicitude. Hoje daremos início ao tema culpabilidade, terceiro elemento da infração penal, ainda que sobre essa conclusão haja divergências como veremos a seguir.

Culpabilidade

Culpabilidade pode ser definida como o nível de reprovação que merece o agente pela prática de determinado fato típico e ilícito. É o juízo de valor sobre a conduta criminosa. Esse conceito define o instituto sob o aspecto material, a partir de uma situação concreta. Nesse contexto é que o art. 59 do Código Penal, que tem a culpabilidade como circunstancia judicial, permite que o julgador estabeleça níveis de desaprovação. Pode o instituto também ser entendido por meio do prisma formal, quando é dado ao legislador o poder de definir quais condutas merecem penas abstratamente mais altas, levando-se em conta o impacto social dos ataques aos bens jurídicos (ex: um roubo deve ter reprimenda mais gravosa do que as contravenções penais).

Vale lembrar que a culpabilidade também pode ser vista como princípio de Direito Penal e dessa forma assume a tarefa de inviabilizar a responsabilidade penal objetiva. Exige-se, por consequência, que sobre os fatos interessantes ao ramo seja possível identificar dolo ou culpa nas condutas analisadas.

Contudo, aqui, vista dentro da teoria do crime, como já dito em lições anteriores, enfrenta muitas discussões acerca do real papel que deve assumir: substrato do crime ou pressuposto de aplicação da pena?

Essa polêmica encontra fundamento no fato de que com o surgimento do finalismo da ação de Welzel, que levou o dolo e a culpa da culpabilidade para o fato típico, mais especificamente para dentro da conduta, ficou a culpabilidade com a exclusiva função de definir a necessidade da reprimenda. A migração do dolo e da culpa, pontos decisivos para a responsabilização penal, acabou por esvaziar a culpabilidade, deixando-lhe a função de definir a imputabilidade do agente, sua potencial consciência quanto à ilicitude do fato perpetrado e possível exigibilidade de uma conduta diversa.

MPE-RJ - Entende-se por culpabilidade o juízo de reprovabilidade que se exerce sobre uma determinada pessoa que pratica um fato típico e antijurídico, tendo como requisitos a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. CORRETO

Com isso, muitos adeptos do finalismo passaram a não mais ver razão para a culpabilidade integrar o conceito de crime, concluindo que seu papel ficou adstrito à necessidade das penas, o que pressupõe a anterior confirmação analítica do delito. Para essa parcela importante da doutrina, definida por alguns como os finalistas dissidentes, crime é fato típico e ilícito (conceito bipartite). Outros, entretanto, enfatizam não ser possível a existência de crime sem pena, resgatando a importância da culpabilidade como elemento do crime e, com isso, ratificando o conceito tripartite.

Em síntese: lembre-se que para o causalismo crime é fato típico, ilícito e culpável (dolo e culpa estão na culpabilidade). Para o finalismo da ação, crime pode ser fato típico (dolo e culpa estão aqui), ilícito e culpável ou apenas fato típico e ilícito frente ao entendimento de que a culpabilidade é somente fase destinada a concluir a necessidade da pena sobre crime antes constatado.

Para a melhor compreensão da culpabilidade é fundamental conhecer as teorias que justificam o instituto:

Teoria psicológica: com base causalista, entendia o dolo e a culpa como elementos da culpabilidade ao lado da imputabilidade. Agente devia ser imputável, consequência das capacidades de compreender o caráter ilícito de seus comportamentos e de se comportar de acordo com esse entendimento, e agir com dolo ou a culpa, institutos capazes de estabelecer liame psicológico com a conduta típica e ilícita. A consciência sobre a ilicitude da conduta estava atrelada ao dolo e não era trabalhada sob o prisma potencial, mas sim atual.

MPE-PR/Promotor de Justiça - Para teoria psicológica - conceito influenciado pelo pensamento positivista -, a culpabilidade não possuía qualquer elemento normativo, sendo uma relação psicológica entre o agente e o fato, sendo a imputabilidade considerada como pressuposto. CORRETO

Teoria psicológico-normativa: também com base causalista, trouxe para a análise da culpabilidade a relevância da (in)exigibilidade de conduta diversa, algo que era tido como problema da teoria psicológica. Ou seja, a culpabilidade afastou-se de conceitos eminentemente psicológicos e passou a depender também da análise sobre a possibilidade de se exigir do agente comportamento diverso daquele verificado como típico e ilícito, ganhando, assim, contornos normativos.

FUNIVERSA/PC-DF - Tanto na teoria psicológica da culpabilidade como na teoria psicológico-normativa da culpabilidade, exige-se atual, real e efetiva consciência da ilicitude. CORRETO

Teoria normativo-pura/extremada: com a teoria finalista da ação tendo redefinido a estrutura da teoria do crime ao realocar o dolo e a culpa na conduta (elemento do fato típico), a culpabilidade ficou sem os dois aspectos psicológicos que caracterizavam o causalismo, passando a definir-se apenas por critério normativo (exigibilidade de conduta diversa). Repisa-se que aqui a consciência sobre a ilicitude da conduta típica e ilícita desvincula-se do dolo e da culpa (até então vistas de modo conjunto). O dolo passa a ser natural, pois sua definição (lá no fato típico) prescinde da análise quanto à noção do agente sobre ilicitude.

MPE-PR/Promotor de Justiça - A teoria normativa pura manteve no conceito de culpabilidade os elementos normativos da imputabilidade e da a exigibilidade de conduta diversa, sendo que o elemento psicológico da potencial consciência da ilicitude foi incluído na análise do dolo, que foi deslocado para o conceito de tipicidade penal. ERRADO

TRT-22ªR/Juiz - O dolo, para a teoria finalista da ação, é natural, e, para a teoria causal, é normativo. CORRETO

Teoria limitada: prega basicamente a mesma estrutura da teoria extremada, pois também segue os ideais do finalismo da ação. A diferença aqui reside na seguinte situação: para a teoria extremada as descriminantes putativas são sempre erro de proibição, enquanto para a teoria limitada podem configurar erro de tipo ou de proibição. É esta a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro.

FUNIVERSA/PC-DF - Consoante a teoria extremada da culpabilidade, configura-se erro de tipo permissivo quando o agente, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Nesta hipótese, admite-se a punição a título de culpa se o fato for punível a título culposo. ERRADO

CESPE/PGE-BA - Em direito penal, conforme a teoria limitada da culpabilidade, as discriminantes putativas consistem em erro de tipo, ao passo que, de acordo com a teoria extremada da culpabilidade, elas consistem em erro de proibição. ERRADO 

MPE-PR/Promotor de Justiça - A frase: “A potencial consciência da ilicitude encontra-se na culpabilidade, permanecendo apartada ao dolo”, refere-se a teoria estrita da culpabilidade. CORRETO                       

Importante frisar, como se viu, que a culpabilidade tem papel decisivo no processo de evolução da teoria do crime. Nos tempos atuais, quando se fala muito em teorias funcionalistas (pós-finalistas), que definem o conceito analítico de crime a partir de finalidades preestabelecidas para o Direito Penal, a culpabilidade mais uma vez torna-se foco, quando, então, passa a ser vista como mecanismo de política criminal. Mais uma vez Jakobs e Roxin polarizam a discussão, entendendo o primeiro que a culpabilidade deve distanciar-se das questões inerentes ao livre arbítrio do indivíduo (para além da análise sobre a possibilidade de agir dessa ou daquela maneira) e focar-se na necessidade da pena para estabilizar o ordenamento jurídico. Roxin, quem vê o Direito Penal como limitador do poder punitivo do Estado, mas que segue a mesma linha a desconsiderar o livre arbítrio como ponto nodal da culpabilidade, defende que seja ela mais um filtro tendente a imputar reprimenda nos moldes do necessário e socialmente justificável.

MPE-MG/Promotor de Justiça – De acordo com a teoria funcional, o conceito de culpabilidade é formal e seu conteúdo deverá ser buscado segundo as exigências dos fins da pena. CORRETO

MPE-MG/Promotor de Justiça – A função da responsabilidade, no sistema de Claus Roxin, consiste na comprovação do merecimento ou não da pena pelo autor do delito. CORRETO. 

Por fim, fundamental ter em mente a denominada coculpabilidade, conceituada a partir do reconhecimento da responsabilidade que deve ser atribuída ao Estado por não dar a todos os indivíduos as mesmas oportunidades de autodeterminação. Sabendo-se que por meio da culpabilidade o Estado cria expectativas quanto ao modo de atuação das pessoas, mostrar-se-ia irrazoável depositar no agente inteira responsabilidade por não ter agido conforme o esperado, quando certo que pela ausência de condições socioeconômicas isso já se mostrava improvável. Por isso, defendem muitos doutrinadores que a responsabilidade do Estado quanto às omissões na formação dos indivíduos pode ser trabalhada em forma de atenuante de pena ao agente, na forma do art. 66 do Código Penal.

CEPERJ/PC-RJ - coculpabilidade reconhece que o Estado também é responsável pelo cometimento de determinados delitos, praticados por cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstâncias do caso concreto, principalmente no que se refere às condições sociais e econômicas do agente. CORRETO

De outro ponto, há quem defenda que para aqueles que tiveram do Estado a necessária atenção quanto à formação a reprimenda deveria sofrer aumento, numa espécie de coculpabilidade às avessas. Ocorre que tal situação não encontra, ao contrário da outra espécie, amparo legal que lhe dê aplicabilidade imediata, podendo o julgador, quando muito, considerar a hipótese diante da verificação da culpabilidade enquanto circunstancia judicial do art. 59, o que, reforça-se, é bastante discutível.

MPE-GO/Promotor de Justiça - A outra face da teoria da coculpabilidade pode ser identificada como a coculpabilidade às avessas, por meio da qual defende-se a possibilidade de reprovação penal mais severa no tocante aos crimes praticados por pessoas dotadas de elevado poder econômico, e que abusam desta vantagem para a execução de delitos. CORRETO

E assim chega-se ao fim de mais uma lição, mas não sem antes ratificar que seja a culpabilidade tida como elemento do crime ou pressuposto de aplicação da pena, será estuda a partir dos seus elementos e respectivas causas dirimentes: imputabilidade (causas de inimputabilidade); potencial consciência da ilicitude (erro de proibição inevitável) e exigibilidade de conduta diversa (coação moral irresistível e obediência hierárquica).

MPE-RJ/Promotor de Justiça - As excludentes da culpabilidade são chamadas de dirimentes, sendo certo que cada uma delas exclui determinado elemento daquela. CORRETO

Bons estudos e grande abraço!


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.


Imagem Ilustrativa do Post: Crime Scene // Foto de: Alan Cleaver   // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/alancleaver/4121423119 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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