Teoria geral do crime: Lição 12

10/06/2015

Por Marcelo Pertille - 10/06/2015

Lição 12

Olá, Empório do Direito! Esta é a nossa décima segunda semana juntos no estudo da Teoria do Crime. Na última lição iniciamos a ilicitude e hoje começaremos a trabalhar as causas gerais que provocam a sua exclusão. Sempre importante recordar que a ilicitude ocupa o segundo substrato da teoria tripartite sobre o conceito analítico de crime, tendo o primeiro substrato (fato típico) sido objeto de estudo até a décima publicação.

Conforme visto no texto passado, as causas gerais de exclusão da ilicitude estão no art. 23 do Código Penal, tendo o legislador deixado claro que nessas hipóteses não haverá crime, situações que passam a conferir licitude ao fato anteriormente concluído como típico.

 Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Estado de necessidade

O estado de necessidade é exemplo de tipo permissivo e está descrito no art. 24 do Código Penal, podendo ser conceituado como justificante legal de um fato típico perpetrado porque seu agente, ou terceiro, acha-se em situação de perigo atual. É o fundamento jurídico que legitima o sacrifício de bem jurídico alheio quando a medida mostra-se necessária e proporcional para repelir a ameaça vivida.

 Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

Os elementos que compõem o tipo evidenciam os seguintes requisitos:

A) PERIGO ATUAL – Perigo atual pode ser definido como a alta probabilidade de dano sob a qual se encontra o agente e é caracterizado por não ter destinatário certo. Deve ser real, não imaginário, e pode ser ocasionado por comportamento humano, animal e até mesmo fatos da natureza.

AROEIRA/PC-TO - Para salvar sua vida, M. C. mata um cão feroz que, por instinto, o atacava. Neste caso, M. C. agiu acobertado pela seguinte excludente da ilicitude: estado de necessidade. CORRETO

B) PERIGO NÃO CAUSADO VOLUNTARIAMENTE PELO AGENTE – A discussão reside sobre o alcance da expressão “que não provocou por sua vontade”. Não há dúvida            sobre o fato de que aquele que dolosamente dá causa ao perigo fica impedido de      invocar o estado de necessidade. Contudo a questão ganha campo quanto ao                 comportamento culposo, sendo bastante controverso o tema. O que sustentam          aqueles que defendem                 que a conduta culposa também afasta a excludente de ilicitude              é que o comportamento imprudente, imperito ou negligente é também voluntário,   assim como prevê o art. 24 do CP, inibindo, por consequência, a justificante.

C) DIREITO PRÓPRIO ou ALHEIO (de terceiro) – A conduta fica justificada também quando o agente ataca bem jurídico de outrem para afastar perigo que ameaça

D) INEXISTÊNCIA DO DEVER LEGAL DE ENFRENTAMENTO – Não pode suscitar o estado de necessidade quem tem o dever legal de enfrentar o perigo. É de se dizer que não se exige atos de heroísmo do agente, aqueles para além de suas possibilidades diante do caso concreto. Da mesma forma, importante asseverar que o dever de agir não precisa decorrer apenas de lei, também podendo ser oriundo de qualquer relação jurídica, tal qual a contratual. Assim, as pessoas que tem o dever jurídico de enfrentamento do perigo estão detalhadas na redação do art. 13, §2º, do Código Penal, não podendo, consequentemente, abrigar-se sob o estado de necessidade.

MPE-PR/Promotor de Justiça - O dever de enfrentar o perigo é norma que impede a exclusão da ilicitude por estado de necessidade. CORRETO

E) INEVITABILIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO – O comportamento deve ser absolutamente inevitável para salvar o bem que se encontra em situação de perigo, não podendo o agente justificar a conduta sob o argumento da comodidade, praticidade.

F) INEXIGIBILIDADE DO SACRIFÍCIO DO INTERESSE AMEAÇADO – É indispensável proporcionalidade entre o bem protegido e o bem sacrificado.

FCC/TCE-SP/Procurador - No estado de necessidade deve haver proporcionalidade entre a gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico e a gravidade da lesão causada. CORRETO

Para a compreensão deste requisito é fundamental entender que há basicamente duas teorias que fundamentam a questão. A primeira é a teoria diferenciadora, que trabalha com duas espécies de estado de necessidade: justificante e exculpante. O primeiro provoca a exclusão da ilicitude quando o bem protegido vale mais ou se equivale ao atacado. O segundo refere-se à isenção de pena (por inexigibilidade de conduta diversa – causa que afasta a culpabilidade) dada àquele que elimina, na situação de perigo atual, bem de maior importância do que aquele preservado.

Para a teoria unitária, de outro ponto, só há estado de necessidade quando o bem suprimido vale menos ou equipara-se ao salvaguardado. É a posição adotada pelo Código Penal brasileiro, que autoriza no seu art. 24,§2º, apenas diminuição de pena (de um a dois terços) quando, diante do caso concreto, for razoável o sacrifício do direito ameaçado. Frisa-se que o Código Penal Militar, no art. 39, reconhece o estado de necessidade exculpante como causa dirimente de culpabilidade:

Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoàvelmente exigível conduta diversa.

FUMARC/TJM-MG - O Código Penal Militar adotou a teoria diferenciadora, aproximando-se do Código Penal Comum de 1969, que sequer entrou em vigor. CORRETO

Em síntese, a teoria unitária, acolhida pelo Código Penal, reconhece apenas o estado de necessidade justificante, sendo que para o estado de necessidade exculpante é prevista apenas diminuição de pena, mantendo-se a culpabilidade do agente.

MPE-PR/Promotor de Justiça - O direito penal brasileiro adota a teoria unitária do estado de necessidade, reconhecendo-o unicamente como causa de justificação. CORRETO

PUC-PR/Juiz - No que se refere ao instituto do estado de necessidade, para que se possa diferenciar o estado de necessidade justificante e exculpante, pode-se destacar as denominadas teorias unitária e diferenciadora, sendo que para a unitária, todo estado de necessidade é justificante, ou seja, tem a finalidade de eliminar a ilicitude do fato típico praticado pelo agente. CORRETO 

MPE-MG/Promotor de Justiça - Nos casos em que seja  razoável exigir-se o sacrifício  do  direito  ameaçado,  embora  a  ação  não  se  justifique  pelo  estado  de  necessidade,  o  agente  condenado  terá  sua  pena  reduzida  na  terceira  fase  de sua aplicação. CORRETO  

Como último requisito, embora não faça parte dos elementos objetivos do tipo, a doutrina majoritária tem exigido que o agente deve conhecer a situação justificante na qual se encontra. Trata-se de requisito subjetivo, eis que para a exclusão da ilicitude de um fato típico é fundamental que a pessoa ataque direito de outrem obedecendo a todos os requisitos objetivos justamente porque tem a ciência de que está em situação de perigo atual.

Também é importante conhecer as espécies de estado de necessidade quanto à origem da situação provocadora do perigo atual. Diz-se defensivo aquele praticado contra bem pertencente ao ocasionador do perigo, sem reflexos indenizatórios. O agressivo dirige-se contra direito de terceiro que não tem qualquer relação com a situação de perigo. Fica afastada a ilicitude da conduta, mas é possível exigir-se indenização do dano ocasionado.

MPE-MG/Promotor de Justiça - Ocorre o estado de necessidade defensivo quando a conduta do agente atinge um interesse de quem causou a situação de perigo. CORRETO

CESPE/MPE-RO/Promotor de Justiça - Age em estado de necessidade agressivo o indivíduo que, ao caminhar em via pública, mata um cachorro que o ataca ao se soltar da coleira de seu dono. ERRADO

FUNCAB/PC-MT - Roalda vinha dirigindo seu carro quando, em uma descida, percebeu que vinha em sua direção, na traseira de seu veículo, um enorme caminhão desgovernado, em face de ter perdido a capacidade de frenagem. Para salvar a sua vida, Roalda jogou o seu automóvel para o acostamento, colidindo com uma condução escolar, que estava estacionada aguardando uma criança. Logo, a conduta de Roalda frente à colisão com o veículo estacionado constituiu estado de necessidade agressivo. CORRETO

E assim fechamos mais uma lição. Na próxima semana veremos legítima defesa.

Grande abraço e bons estudos.


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     


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