Teoria geral do crime: Lição 1

16/03/2015

Por Marcelo Pertille - 16/03/2015

Introdução

Olá, pessoal do Empório do Direito! Satisfação estar mais uma vez com vocês. E agora é para anunciar que a partir deste post farei publicações semanais sobre um tema muito importante para aqueles que estão começando a se dedicar ao estudo do Direito Penal ou que se entregaram a árdua caminhada dos concursos públicos: a Teoria Geral do Crime. Publicarei semanalmente explicações do tema com assertivas de provas de concursos públicos. A ideia é trabalhar os pontos mais importantes que envolvam desde o art. 13 até o art. 31 do Código Penal, ajudando a desmistificar esse assunto tão denso e importante. Espero ter a sua companhia.

Então vamos começar!

A Teoria geral do Crime é um dos pontos mais temidos por aqueles que iniciam o estudo do Direito Penal. Compreender a base da estrutura criada pela ciência jurídica para fundamentar a existência das condutas narradas como infração de fato requer paciência e dedicação. Sobretudo para aqueles que não têm o Direito Penal como preferência, mas que, em razão da importância do tema também para concursos públicos, precisam a ele se dedicar.

De partida, fundamental ter em mente que a Teoria do Crime deve ser tida como o alicerce que permite a edificação da seara penal, pois nela se estudam conceitos que são capazes de até mesmo de justificar a existência desse ramo tão agressivo. É assim, porque ao se considerar a característica garantista da Constituição de 1988, é possível questionar a existência e a finalidade do Direito Penal dentro de uma concepção jurídica destinada à valorização dos direitos fundamentais (dentre eles a liberdade). No atual estágio político-social brasileiro, fruto de conquistas muito influenciadas pelas transformações do cenário global, não há outra opção a não ser compreender o Direito Penal como um ramo destinado a limitar o poder punitivo do Estado, garantindo liberdades e legitimando, assim, um Estado de liberdades. A Teoria do Crime, por isso, precisa estar em consonância.

Mas é preciso assumir que o Direito Penal (e também seu processo) vive tempos difíceis. A midiatização da violência, explorada como entretenimento bastante rentável pelos meios de comunicação, soma-se a acontecimentos que tem feito com que regras penais produzidas para tempos de paz sejam postas em xeque a todo tempo. Normas idealizadas e criadas para legitimar liberdades e proteger o cidadão dos excessos do Estado passam a ser vistas como entraves a concretização de conceitos pouco sólidos de justiça. Não que o Direito Penal não precise de reformas, é certo que muitos pontos necessitam de melhor encaixe. Mas a questão que deve pautar qualquer transformação do ramo está na impossibilidade de se pensar Direito Penal enquanto vítima, arquitetando a força punitiva do Estado apenas em razão daqueles titulares de bens jurídicos agredidos.

Assim, é preciso entender que a Teoria do Crime não pode ficar a mercê de políticas de segurança pública ou campanhas destinadas à redução da violência (como se a criminalidade fosse sempre violenta). A Teoria do Crime é fruto da ciência, do estudo idealizado e concebido para criar regras que permitam harmonizar a força punitiva com a necessária proteção das liberdades. Busca organizar-se com coerência e, portanto, deve ser vista e interpretada como tal, sem arroubos justiceiros oriundos de crises da segurança pública que fazem do Direito Penal palanque politiqueiro-partidário.

Em resumo, a Teoria do Crime deve ser vista com olhar técnico/constitucional, ciente de que possíveis alterações devem ser fruto de estudos que assim indiquem a necessidade, considerando-se a manutenção e a concretização de um Estado estruturado para o exercício das liberdades.

As espécies de infrações penais

Em que pese o tema sugerir que a teoria a ser trabalhada é aquela destinada aos crimes, é preciso enfatizar que crime, assim como as contravenções penais, é espécie do gênero INFRAÇÃO PENAL, conforme o SISTEMA DUALISTA, também tido por BINÁRIO ou ainda DICOTÔMICO:

  • BRASIL – SISTEMA DUALISTA/BINÁRIO/DICOTÔMICO:
  • CRIME/DELITO
  • CONTRAVENÇÃO PENAL/CRIME VAGABUNDO/CRIME LILIPUTIANO/CRIME ANÃO

ABIN/CESPE - No Código Penal Brasileiro, adota-se, em relação ao conceito de crime, o sistema tricotômico, de acordo com o qual as infrações penais são separadas em crime, delitos e contravenções. Resposta: ERRADA

Para tanto, fundamental ter mente que o Direito Penal só encontra legitimação quando se destina a proteção de bens jurídicos relevantes ao meio social que pretende regular. Logo, é fundamental no processo de confecção dos tipos penais que o legislador consiga ser sensível a sua realidade social e constitucional e que tenha a capacidade de entender que existem outros meios jurídicos que podem ser mais eficientes no contexto geral, a depender da forma e do bem jurídico que se pretende tutelar. O Direito Penal, em razão de suas consequências sempre perigosas em se tratando de Estado Democrático de Direito, deve ser visto com as restrições necessárias, como a última razão do Estado.

MP/DFT - De acordo com o princípio da intervenção mínima, pode- se dizer que a lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da comunidade, como “ultima ratio”. Resposta: CORRETA

É reflexo desse contexto o aparecimento das contravenções penais, pois se entendeu necessário proteger penalmente algumas condutas de menor repercussão social, atribuindo-se a elas, entretanto, consequências menos agressivas do que aquelas dadas aos crimes. A quantidade e a qualidade das sanções compõem o grande diferencial entre as espécies. Vale enfatizar que a distinção não é ontológica, pois, como será visto, o processo analítico da infração penal é um só, não considerando qualquer diferença entre crime e contravenção penal.

Não obstante o tipo de pena e seu volume constituírem as principais diferenças entre as espécies, importante lembrar que outro grande ponto é o caráter político, valorativo da conduta penalmente prevista. Tal questão ganha corpo diante da seguinte pergunta: Por que determinado bem jurídico deve ser protegido como crime ou contravenção? A resposta deve passar inevitavelmente pelo crivo aguçado do legislador em perceber, primeiro, se é caso de aplicação do Direito Penal e, na sequência, qual tipo de repercussão merece. Por isso, a depender do estágio cultural da sociedade e levando-se em conta a liberdade legislativa permitida pela Constituição Federal (regras e princípios) vai o Direito Penal, diante disso, sendo construído.

Por isso o Decreto-Lei 3.688/41 trouxe algumas regras próprias para as condutas penais nele previstas, sendo que em 1º de janeiro de 1942 entraram em vigor o Código Penal com os crimes e a Lei das Contravenções Penais.

TJ/AM - Em geral, a contravenção penal é espécie de infração penal menos grave do que o crime, sendo, por isso, chamada pela doutrina de crime-anão. Resposta: Correto

Ratificando a importância da distinção política, vê-se que desde então algumas contravenções penais ganharam importância no cenário cultural nacional, invocando o status de crime, tal qual o porte ilegal de arma de fogo (art. 19 da LCP), que está previsto nos arts. 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03). Da mesma forma aconteceu com algumas condutas que hoje ganham previsão no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97).

É de se dizer ainda que a corriqueira transformação social assim como exigiu maior reflexo penal na proteção de alguns bens jurídicos também fez com que outros tipos (crimes e contravenções) passassem a não interessar. Consequência desse cenário é, por exemplo, o art. 60 da LCP (mendicância) e a discussão que ora se trava sobre a real necessidade da manutenção da  própria Lei das Contravenções Penais.

Sendo assim, importante memorizar as principais diferenças de tratamento entre crime e contravenção:

Espécie de pena de prisão: CRIME - reclusão, detenção (art. 1º da Lei de Introdução ao CP). CONTRAVENÇÃO - prisão simples (art. 6º da LCP – sem rigor penitenciário – em estabelecimento próprio – em regime semiaberto/aberto)

VUNESP /TÉCNICO PERICIAL - Considera-se, consoante o art. 1.º da Lei de Introdução ao Código Penal, contravenção a infração penal a que a Lei comina pena(s) de prisão simples ou multa. Resposta: Correta

- Espécie de ação penal: CRIME – pública condicionada, incondicionada ou privada (art. 100 do CP). CONTRAVENÇÃO – sempre pública incondicionada (art. 17 da LCP). CUIDADO: Há discussão quanto a contravenção de vias de fato (art. 21 da LCP) que, em razão do art. 88 da Lei 9.099/95, que exige representação na lesão corporal leve, passaria a ter ação penal condicionada. É esse o posicionamento que tem prevalecido, embora já tenha o STF se manifestado em sentido contrário: “A regra do art. 17 LCP - segundo a qual a persecução das contravenções penais se faz mediante ação pública incondicionada - não foi alterada, sequer com relação às vias de fato, pelo art. 88 Lei 9.099/95, que condicionou à representação a ação penal por lesões corporais leves". (HC n. 80.617/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 20-3-2001).

- Punibilidade de tentativa: CRIME – quando possível a tentativa esta será punida (art. 14, parágrafo único do CP). CONTRAVENÇÃO – não se pune a tentativa (art. 4º da LCP).

CESPE/Delegado de Polícia/BA - A tentativa de contravenção, mesmo que factível, não é punida. Resposta: Correto.

- Regras de extraterritorialidade: CRIME – é possível a aplicação das regras de extraterritorialidade (art. 7º do CP). CONTRAVENÇÃO – não se admite a extraterritorialidade (art. 2º da LCP).

FGV/TJ-AM - Assim como o Código Penal, a Lei de Contravenções Penais (DL n. 3.688) prevê hipóteses de extraterritorialidade em que a lei brasileira será aplicável à contravenção praticada fora do território nacional. Resposta: ERRADA

Regras de competência para instrução e julgamento: CRIME – competência Estadual/Federal. CONTRAVENÇÃO – apenas Estadual – art. 109, IV, da CF. CUIDADO – no caso de contravenção praticada por agente com foro especial, deve este prevalecer. Havendo conexão entre crime de competência federal ou da justiça especial, procede-se a separação dos autos, enviando-se a contravenção para a Justiça Estadual, conforme determina a Constituição Federal.

- Limite do cumprimento da pena de prisão: CRIME – trinta anos (art. 75 do CP). CONTRAVENÇÃO – cinco anos (art. 10 da LCP).

 - Período de prova no sursis: CRIME – período varia de 2 a 4 anos (art. 77, caput, do CP), podendo, nos casos de sursis humanitário e etário, variar entre 4 e 6 anos (art. 77, §2º, do CP). CONTRAVENÇÃO – varia entre 1 e 3 anos (art. 11 da LCP).

- Prazo mínimo nas medidas de segurança: CRIME – prazo mínimo de 1 a 3 anos (art. 97, §1º, do CP). CONTRAVENÇÃO – prazo mínimo de 6 meses (art. 16 da LCP).

- Elemento subjetivo: CRIME – dolo, culpa (ambos no art. 18 do CP) e preterdolo (art. 19 do CP). CONTRAVENÇÃO – basta a ação ou omissão voluntária. Considera-se, entretanto, o dolo ou a culpa se a lei faz depender, de um ou de outra, qualquer efeito jurídico.

Vale dizer que não se pode confundir contravenção penal com o conceito de infração de menor potencial ofensivo, previsto pelo art. 61 da Lei 9.099/95. Como antes trabalhado, o gênero infração penal apresenta duas espécies (crime e contravenção penal), sendo que algumas dessas infrações (crimes e contravenções a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa) são classificadas como de menor potencial ofensivo e, por isso, recebem tratamento processual diferenciado. Logo, conclui-se que todas as contravenções penais enquadram-se nesse conceito, não sendo a recíproca verdadeira, pois, quanto aos crimes, apenas aqueles com pena de prisão até dois anos, cumulada ou não com multa.

FCC/TRF2 - Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo as contravenções e os crimes a que a lei comine pena máxima NÃO superior a dois anos, cumulada ou não com multa. Resposta: Correto

Visto isso, na próxima semana darei sequência com o conceito de crime. Grande abraço e bons estudos!


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.                                                                                                                                                                                          


Imagem Ilustrativa do Post: danbo is: (...) // Foto de: Ted // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/hyimted/7761004444/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode  

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