Teoria da decisão na judicialização da saúde – Por Clenio Jair Schulze

08/02/2016

Os milhares de processos judiciais em que são postulados medicamentos, próteses, órteses e outros produtos exigem dos juízes do Brasil critérios adequados para a sua resolução.

É comum encontrar-se decisões judiciais que invocam apenas questões jurídicas, geralmente a partir da teoria dos direitos fundamentais, e esquecem de abordar as questões atinentes à eficácia e eficiência do produto pleiteado[1].

Contudo, não é porque o direito à saúde é um direito fundamental que toda e qualquer demanda judicial deve ser julgada procedente. Isto porque é indispensável a comprovação de "evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo" (art. 19-Q, § 2º, I, da Lei 8.080/90).

A Medicina Baseada em Evidências - MBE já foi tratada nesta coluna[2] e constitui, à luz do preceito normativo mencionado, um instrumento necessário para a resolução dos processos sobre direito à saúde.

Os Tribunais, em geral, aceitam a prescrição médica do médico assistente como suficiente para a procedência do pedido. É preciso, entretanto, que o Judiciário passe a exigir prova de que aquela prescrição médica observa as melhores práticas de evidência científica. Tal providência é indispensável porque há exigência legal, prevista no art. 19-Q, § 2º, I, da Lei 8.080/90, e também porque muitas prescrições médicas não contemplam o melhor tratamento ao paciente, seja em razão da falta de conhecimento do médico, da contaminação do profissional pela indústria farmacêutica ou pela mera tentativa do médico de testar outros tratamentos sem saber se haverá sucesso.

No julgamento do Recurso Extraordinário 368564 o Supremo Tribunal Federal condenou a União ao custeio de tratamento em Cuba a portadores de doença oftalmológica (retinose pigmentar). Destacam-se entre os fundamentos utilizados para a condenação: informações obtidas nos "veículos de comunicação"[3] (Ministro Marco Aurélio) e a "esperança"[4] (Ministro Luiz Fux). Tal decisão é objeto de crítica pela comunidade científica porque havia prova no processo demonstrando a ausência de evidência científica quanto a eficácia e a eficiência do tratamento em Cuba, razão pela qual o pedido deveria ser julgado improcedente.

O Hospital das Clínicas de Minas Gerais disponibiliza pareceres médicos e notas técnicas on line[5] e que podem ser acessados pelos juízes do Brasil, a fim de adotar fundamentos científicos - e não apenas jurídicos - nas suas decisões.

Outra fonte importante são os PCDTs - Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas que consagram o resultado de consenso técnico-científico e são elaborados observando robustos parâmetros de qualidade e precisão de indicação. Também "têm o objetivo de estabelecer claramente os critérios de diagnóstico de cada doença, o algoritmo de tratamento das doenças com as respectivas doses adequadas e os mecanismos para o monitoramento clínico em relação à efetividade do tratamento e a supervisão de possíveis efeitos adversos" e podem ser encontrados facilmente no Portal da Saúde[6].

A CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, entidade criada pela Lei 12.401/2011, que tem por função "assessorar o Ministério da Saúde - MS nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias em saúde pelo SUS, bem como na constituição ou alteração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas - PCDT"[7].

A mesma entidade também disponibiliza um canal direto - por intermédio do email conitec@saude.gov.br - para responder a questionamentos dos magistrados sobre a incorporação de medicamentos, produtos ou procedimentos no SUS. Geralmente a resposta é apresentada em até 72 horas após a consulta eletrônica. Disponibiliza, ainda, várias fichas técnicas a fim de auxiliar os atores do sistema de Justiça no tema da judicialização da saúde[8].

Como se observa, a utilização da medicina baseada em evidências é um imperativo legal e há inúmeros instrumentos a auxiliar os juízes do Brasil e os demais atores do sistema de Justiça na análise da melhor decisão em prol do fortalecimento dos sistemas público e suplementar de saúde[9].


Notas e Referências:

[1] No Supremo Tribunal Federal - STF, por exemplo, é comum encontrar-se apenas a Constituição (sem menção às evidências científicas) como fundamento para a procedência dos pedidos. Geralmente são usadas as seguintes expressões: ("dever constitucional do estado", ARE 904217/MG; " o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos" (RE 831385 AgR/RS) e " O Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde" (AI 810864 AgR/RS)

[2] http://emporiododireito.com.br/clenio

[3] “Eu não posso compreender que se articule a inexistência de lastro econômico-financeiro para se negar um tratamento à saúde a um cidadão”. “Pelo que leio nos veículos de comunicação, o tratamento dessa doença, com êxito, está realmente em Cuba”. A notícia da decisão pode ser encontrada em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=177147

[4] “Eu sou muito determinado nessa questão da esperança. Nunca acreditei na versão de que o tratamento em Cuba da retinose pigmentar não tinha cura, pelo contrário, eu entendo que se eles são especialistas nisso, deve haver uma esperança com relação a essa cura”. A notícia da decisão pode ser encontrada em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=177147.

[5] http://www.comitesaudemg.com.br

[6] http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/leia-mais-o-ministerio/840-sctie-raiz/daf-raiz/cgceaf-raiz/cgceaf/l3-cgceaf/11646-pcdt

[7] Todo o trabalho da CONITEC está disponível no site: http://conitec.gov.br/

[8] http://conitec.gov.br/index.php/direito-e-saude#parceria

[9] NETO, João Pedro Gebran e SCHULZE, Clenio Jair. Direito à Saúde. Análise à luz da judicialização. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015.


 

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