Teologia Cristã em Paulo

07/07/2019

A Teologia é uma realidade onipresente na vida moderna, ainda que poucos o percebam, porque os temas teológicos fundamentais são dados como certos pela maioria absoluta das pessoas, estão arraigados nas visões de mundo e nas filosofias que lhes são subjacentes, em suas linhas gerais de pensamento. Na vida cotidiana estão implícitos conceitos desenvolvidos teológica e filosoficamente, que repercutiram, direta e indiretamente, nas variadas ciências, da Física ao Direito, porque a revolução científica, por exemplo, foi baseada em uma visão deísta de ordem do mundo e a dignidade humana é fruto do desenvolvimento filosófico do Cristianismo.

Na tradição ocidental, é possível dizer que, desde o tempo de Jesus, estamos em um processo de mutação teológica, de mudança na compreensão de Deus e de sua ação sobre o mundo, o que teve reflexo na atividade filosófica e científica de grandes pensadores, de Agostinho a Tomás de Aquino, de Descartes a Newton e Galileu.

Assim, é fundamental o retorno à análise dos fundamentos teológicos, filosóficos e científicos que embasam nossa visão de mundo, com destaque para Paulo, o primeiro e grande sistematizador das ideias relativas a Cristo.

Recomendo, pois, o vídeo “Why and How Paul Invented ‘Christian Theology’” (Por que e como Paulo inventou a ‘Teologia Cristã’ - https://www.youtube.com/watch?v=Y4CY73psVFQ), uma palestra proferida pelo teólogo N. T. Wright, no seu trabalho de trazer uma nova perspectiva sobre o significado da mensagem de Paulo, que tem o sentido de ensinar os membros da igreja a pensar de uma nova forma, entendendo como Jesus, o Messias de Israel, revelou, por sua vida, morte e ressurreição, a nova criação de Deus. O que segue é um resumo da referida palestra:

Na abordagem de Paulo, segundo Wright, é ensinado ao Cristão não se conformar com o tempo presente, mas viver na nova era já iniciada por Jesus, devendo o seguidor de Cristo aprender a pensar, e não apenas a se comportar, de acordo com a era inaugurada por Cristo. Assim, a nova comunidade tem uma nova mentalidade, vinculada a Jesus, como Messias, e à nova criação por ele aberta, o Reino de Deus, que possui um modo próprio de pensamento. Indo além das abordagens filosóficas da época, pelas suas disciplinas fundamentais, que eram a física, a ética e a lógica, Paulo direcionou tal conhecimento à cosmovisão do judaísmo, de um modo como ninguém havia feito anteriormente, redefinindo o povo de Deus em termos judaicos e não judaicos, e ensinando a pensar como o Messias.

Em seus escritos, Paulo estimula a comunidade a viver em unidade e em santidade, sendo exigido grande esforço para que a manutenção da unidade não prejudique a santidade, e para que a santidade não se dê pela fragmentação do corpo da comunidade a cada desacordo, o que prejudicaria a unidade. Para tanto é necessário ensinar as pessoas a pensar em termos messiânicos, de modo que a Teologia Cristã seja uma tarefa, uma vocação e uma atribuição de todo Cristão, porque somente assim é concebível que haja a unidade e a santidade da comunidade, como um processo de pensamento que se torne uma realidade.

Paulo está, assim, ensinando a transformação mental da nova era, do Reino de Deus inaugurado pelo Messias de Israel, Jesus. O objetivo de suas cartas, como das Escrituras, é ensinar a direção da viagem do povo de Deus para a era messiânica que já começou com a ressurreição, fazer com que as pessoas aprendam a pensar de modo diferente e a descobrir a rota a seguir, pelo que desafia seus ouvintes a pensar teologicamente, a fazer Teologia Cristã como uma tarefa compartilhada, para amadurecer na nova forma de pensar.

Portanto, pelo conforto que há em Cristo, pela consolação que há no Amor, pela comunhão no Espírito, por toda ternura e compaixão, levai à plenitude a minha alegria, pondo-vos acordes no mesmo sentimento, no mesmo amor, numa só alma, num só pensamento, nada fazendo por competição e vanglória, mas com humildade, julgando cada um os outros superiores a si mesmo, nem cuidando cada um só do que é seu, mas também do que é dos outros” (Fl 2, 1-4).

Essa atividade só é possível pela mente do Messias, com humildade e abandono de si ao amor. No Messias é oferecida a salvação, mas para isso é necessário seguir o seu exemplo, e o do próprio Paulo, pensando como o Messias, aprendendo a pensar com a mente do Messias, pelo que o desenvolvimento da Teologia Cristã é um trabalho de toda a igreja, de toda a comunidade e de seus integrantes.

O destaque dessa Teologia é a morte e a ressurreição de Jesus, o Messias, que não fazia o menor sentido para o pensamento da época, para judeus ou pagãos, e ainda assim, por mais que absurda tal ideia pudesse ser e pareça, é o marco inaugural do novo mundo, não apenas como um mundo diferente, mas como a transformação do velho mundo a partir de dentro, o que contrariava o senso comum antigo, era uma coisa sem sentido, assim como a ideia de uma comunidade unida em santidade. Nesse processo de mudança entre o mundo velho e o novo, os seguidores do Messias devem ser transformar, pela renovação de sua mentalidade, o que não acontece automaticamente, sendo, na verdade, uma atividade que está em curso desde a ressurreição de Jesus, de formação de uma nova humanidade a partir de uma nova forma de pensamento, uma comunidade de membros com a mente desperta e com plena responsabilidade, porque o Reino de Deus é feito de pessoas, e não de fantoches.

Há uma nova sabedoria desde Cristo, que deve ser buscada por seus seguidores, o que faz com que estes sejam todos teólogos, e não meros dogmáticos, pensando como o povo do Reino de Deus, que vive no mundo da Escritura, em que há um Deus a Quem todas as coisas pertencem, e na mente do Messias.

De Iahweh é a terra e o que nela existe, o mundo e seus habitantes” (Sl 24, 1)

No ponto, Paulo era um judeu, e recitava regularmente a Shemá, a profissão de fé do Monoteísmo, segundo a qual há somente um Deus.

não há outro Deus a não ser o Deus único. Se bem que existam aqueles que são chamados deuses, quer no céu, quer na terra — e há, de fato, muitos deuses e muitos senhores —, para nós, contudo, existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e por quem nós somos” (1Cor 8, 4-6).

A Teologia Cristã inventada por Paulo é uma atividade que significa aprender a pensar e a viver na narrativa das promessas feitas a Abraão e a Israel, que se realizaram em Jesus, quando Deus agiu de forma chocante, surpreendente, mudando o mundo, por sua ressurreição, o que foi o cumprimento daquelas antigas promessas.

A atividade teológica de Paulo incluiu o antigo mundo pagão, cuja filosofia abordava as questões de física, ética e lógica, sendo a física a origem do mundo, a ética sobre o comportamento adequado e a lógica a ciência do conhecimento correto. Havia, de outro lado, uma nova física no novo mundo, criado em Jesus, transformado do antigo, e não uma criação ex nihilo; uma nova ética, exigindo que as pessoas vivam com discernimento das coisas, com novos comportamentos; e um novo conhecimento, decorrentes da nova mente do Messias.

Assim, Paulo inventou a Teologia Cristã porque apenas quando a comunidade, ou igreja, está engajada nessa atividade há alguma esperança de realização das virtudes da unidade e da santidade. O trabalho de refletir sobre Deus, sobre o povo de Deus e o futuro de Deus é, assim, a novidade de Paulo, pois esse modo de pensar não ocorria no mundo judeu ou não judeu.

Paulo ensina a pensar uma narrativa escriturística reconfigurada pela mente do Messias, até que essa forma pensar e esse conhecimento encham toda a Terra e toda a criação; e que uma visão judaica da nova criação a partir do Messias é o fundamento para o engajamento criativo de um mundo mais amplo, o que é a disciplina da Teologia Cristã.

Em outras exposições muito pertinentes, “Gifford Lectures 2018” (https://www.youtube.com/watch?v=zdUM0ZB5zT0&list=PLv797D4CCFPAyZfVlS02nzhFD-l2GgHf4), que também ficam recomendadas, N. T. Wright aborda o tema do Reino de Deus, esquecido pela Teologia Cristã.

Saindo das lições de Wright, é possível entender que a atual divisão da sociedade seja a consumação de profecias do próprio Jesus, até que, enfim, a comunidade possa se tornar unida e santa, no Reino de Deus.

“‘Pensais que vim para estabelecer a paz sobre a terra? Não, eu vos digo, mas a divisão. Pois doravante, numa casa com cinco pessoas, estarão divididas três contra duas e duas contra três; ficarão divididos: pai contra filho e filho contra pai, mãe contra filha e filha contra mãe, sogra contra nora e nora contra sogra’.

Dizia ainda às multidões: ‘Quando vedes levantar-se uma nuvem no poente, logo dizeis: 'Vem chuva', e assim acontece. E quando sopra o vento do sul, dizeis: 'Vai fazer calor', e isso sucede. Hipócritas, sabeis discernir o aspecto da terra e do céu; e por que não discernis o tempo presente? Por que não julgais por vós mesmos o que é justo? Com efeito, enquanto te diriges com teu adversário em busca do magistrado, esforça-te por entrar em acordo com ele no caminho, para que ele não te arraste perante o juiz, o juiz te entregue ao executor, e o executor te ponha na prisão. Eu te digo, não sairás de lá antes de pagares o último centavo’” (Lc 12, 51-59).

No Brasil, enquanto um certo ex-presidente e seus seguidores não entenderem a mensagem mais profunda da passagem acima, e o significado de verdade e santidade, e isso também vale para seus opositores, nossa comunidade continuará dividida...

O cristianismo, se for falso, não tem valor; se for verdadeiro, tem valor infinito. A única coisa que lhe é impossível é ser ‘mais ou menos’ importante”. C. S. Lewis

 

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