Tempo, tempo, tempo, tempo… – Por Rogerio Licastro Torres de Mello

04/11/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

O Judiciário é o Poder da República que tem por escopo justapor, de modo pacificador, o direito às vidas das pessoas que experimentam conflitos de natureza jurídica.

Esta incumbência pacificadora, lamentavelmente, é amplamente obstada por um fator que no mais das vezes corrói a utilidade da prestação jurisdicional: o tempo.

Do ponto de vista cronológico, a tutela jurisdicional é entregue aos seus destinatários usualmente com atraso, e este dado não é, como poderíamos pensar, mais uma daquelas rotundas e morenas jabuticabas que só ocorrem no Brasil. A intempestividade da tutela jurisdicional, no sentido de ser esta no mais das vezes tardia, é algo que sucede em outros países.

Mas se é no Brasil que vivemos, é a letargia forense brasileira que nos interessa. E sobre esta letargia há crendices, estranhas crendices.

Tem-se, por exemplo, dito e redito que se resolve a morosidade judicial reformando-se nossa legislação processual.

A questão, porém, é que estamos a reformar o nosso CPC há vinte anos e nada de sensível ocorreu até o presente em termos de aceleração da atividade jurisdicional.

O problema que atualmente experimentamos em termos de demora forense decorre, basicamente, de um aspecto que a um só tempo é ótimo e péssimo: a partir da CF de 1988, quando se deu a chamada abertura do Judiciário ao povo (estruturando-se, por exemplo, os então chamados Juizados de Pequenas Causas, estabelecendo-se a indenizabilidade dos danos morais, articulando-se um sistema de defesa do consumidor, ampliando-se a esfera de atuação do Ministério Público), aconteceu o que se esperava que acontecesse: que o acesso à Justiça fosse democratizado, rompendo as amarras que até então impediam a ida de todos ao Judiciário.

O drama, contudo, não tardou a se exibir em vivíssimos matizes: como é de nossa secular tradição querer resolver os problemas quotidianos por decreto, criamos uma formidável teia legislativa garantidora do acesso, ao menos em tese, à Justiça, sem que tenhamos proporcionado (e não o fizemos até hoje) a estrutura necessária para dar vazão a esta volumosa corrida ao Judiciário.

E o brasileiro, de forma cidadã, parece haver gostado da experiência forense, e é perceptível que pessoas de diversos estratos sociais hoje conduzem com desassombro seus reclamos ao Judiciário. Isto é algo que pode ser lido, em termos gerais e à exceção das más práticas de litigância, como irresignação e como espírito reivindicador, tão cobrado dos brasileiros pelos próprios brasileiros.

O problema é que, da forma como está estruturado, o Judiciário ainda não dá mostras concretas e convincentes de que parece “gostar” do jurisdicionado a ponto de lhe gerar resposta necessária e tempestiva aos seus reclamos. É claro que não se deve estimular a ida ao Judiciário, porém em um País em que a arbitragem é cara e elitizada, e a mediação e a conciliação ainda são experiências lamentavelmente acantonadas, a despeito de notáveis esforços de seus estudiosos, o Judiciário é o destino da quase totalidade das controvérsias. E este é um dado real, que perdurará por anos.

E se o Judiciário é a forma precípua utilizada pelas pessoas para fins de resolução de controvérsias, não nos sobra outra alternativa senão potencializá-lo, paramentá-lo cada vez mais, agilizá-lo, torná-lo proporcional à demanda por seus serviços!

A questão é fundamentalmente de estrutura, de volume de mão de obra, de tempo dispendido por esta mão de obra para a desincumbência de suas atividades, de racionalidade de gestão, de emprego da produtividade como critério avaliatório de desempenho de pessoas!

Em tempos de reformas legislativas robustas (temos um Novo CPC!), tem-se a impressão de que a pura mudança legislativa, com a supressão de mecanismos processuais anacrônicos e a criação de outros destinados à otimização da atividade jurisdicional, gerará a solução do problema.

Isto não sucederá.

A estrutura física, a estrutura de pessoal, as condições em que os serventuários trabalham, o controle quantitativo e qualitativo de desempenho, a majoração do número de órgãos jurisdicionais, a descentralização dos órgãos de segundo grau de modo a aproximá-los de jurisdicionados não residentes nas Capitais, a racionalização de métodos de trabalho, a profissionalização da gestão, contratando-se experts em fluxo de trabalho, são todas medidas que passam ao largo de elaboração de um novo CPC, ou seja, não dependem de um novo CPC, porém o tornarão em ampla escala letra morta caso não sejam implementadas.

Não basta fomentarmos a demanda por Justiça. A demanda amplificada após 1988 tem que vir acompanhada de oferta substancial de Justiça, e este não é um problema de legislação: é de política pública, é de orçamento, é de gestão. Aprimoramentos estruturais aplicados ao Poder Judiciário trarão benefícios tão sensíveis quanto as bem vindas mudanças legislativas que veremos em breve em nosso direito processual civil.

Em próximas oportunidades, tornaremos ao tema para identificar outras situações que retardam, em nosso pensar, a atividade jurisdicional e que não necessariamente pressupõem, para sua solução, mudanças legislativas.

Por ora, emprestando os versos bonitos de Caetano Veloso em Oração ao Tempo, resta ao jurisdicionado esperar resiliente, na esperança de que tempos melhores chegarão, gerando satisfação legítima, espalhando benefícios, como que rogasse em seu íntimo: Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso. Tempo, tempo, tempo, tempo ...”.


Para saber mais sobre o assunto confira a 2ª edição da obra Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, do autor Rogerio Licastro Torres de Mello e dos autores Leonardo Ferres Da Silva Ribeiro, Maria Lúcia Lins Conceição e Teresa Arruda Alvim Wambier.

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