Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
A inserção de novas tecnologias nas diversas instituições sociais é uma marca da contemporaneidade. Nas corporações policiais não poderia ser diferente: reconhecimento facial, policiamento preditivo e uso de câmeras na farda dos policiais, são algumas das tecnologias que marcam o debate público sobre o campo do policiamento no Brasil.
Especificamente a utilização de câmeras no fardamento das policiais surge, em meio às disputas dentro do campo de Segurança Pública em nosso país, com o intuito de gerenciar uma melhor atuação policial, reduzindo abusos de poder, enfrentando o alto número de mortes praticadas pelos agentes e evitando mortes dos próprios policiais. Em que pese as promessas de melhorias sociais a partir do uso dessa tecnologia, um olhar crítico com relação a esse campo merece ser realizado.
É sabido que em nosso país discutir a polícia brasileira nem sempre é confortável, principalmente tendo em vista suas inquietantes particularidades históricas e sociais. Análises criminológicas e sociológicas no Brasil revelam que o campo da Segurança Pública tem aparecido cada vez mais nos debates a partir da década de 1990, à medida em que os estudos sobre a contenção do crime e o papel da atuação das instituições de segurança pública ganharam mais atenção da sociedade.
Pesquisas na área de violência estatal demonstram uma imagem frágil e preocupante sobre a polícia e outras instituições de Segurança Pública no Brasil (ADORNO & DIAS, 2014; KANT DE LIMA, 2014; COSTA & LIMA, 2014; MUNIZ & JUNIOR, 2014). Além disso, uma extensa bibliografia nacional vem se concentrando no funcionamento dessas instituições, nas intersecções com diferentes marcadores sociais e na legitimidade de seus atos, demonstrando grande brutalidade nas ações policiais dessas corporações (LIMA & BUENO, 2015; Muniz & PAES-MACHADO, 2010; MUNIZ, 1999; MUNIZ & SILVA, 2010). Historicamente, como forma de melhor responder ao crime, as instituições policiais têm buscado aumentar o uso da força para ampliar suas prerrogativas, incluindo a detenção e registro de cidadãos.
Em que pese os dados informados pelo último Anuário Brasileiro de Segurança Pública[1] demonstrem uma redução na letalidade policial e na vitimização policial, os números continuam altíssimos: em 2021, 6.145 pessoas foram mortas em intervenções de policiais, demonstrando uma taxa de 2.9 para 100 mil habitantes; por outro lado, 190 policiais foram assassinados no mesmo ano.
As câmeras corporais nas fardas dos policiais, dentro deste cenário, aparecem como forma de gerir o uso ilegítimo e letal da força por parte dos policiais, além de proteger o próprio policial acerca de alegações falsas de cometimentos de violências. Internacionalmente se referindo, o uso dessa tecnologia ganha ascensão nos Estados Unidos, por meados de 2013, a partir de uma demanda pública frente às mortes praticadas por policiais, principalmente de civis negros, e que ganharam repercussão midiática, demostrando uma forma de atuação brutal por parte das polícias.
Contudo, as pesquisas internacionais apresentam alguns pontos instigantes e delicados já identificados na utilização dessa tecnologia: a) alguns estudos demonstram que inexistem diferenças nos índices de uso de força a partir da adoção das câmeras corporais (LUM, et al, 2020)[2]; b) outros estudos mostram que os policiais equipados com câmeras no corpo são tão propensos a usar a força quanto aqueles sem elas[3]; c) por outro lado, algumas pesquisas apresentam a ineficácia de acesso, por parte de civis que se envolvem em uma ação com violência policial, às filmagens de violência policial (RINGROSE, RAMJEE, 2020); d) as imagens produzidas pelas câmeras aparecem menos como uma forma de responsabilização, e mais uma maneira de produzir provas contra civis e desencorajar a liberdade de expressão (RINGROSE, RAMJEE, 2022); e) é de se salientar que alguns estudos demonstram diminuição do uso da força por policiais, apesar de outros caminharem na direção contrária (ARIEL, et al, 2015; SUTHERLAND, et al, 2017)[4]; f) por fim, algumas pesquisas apresentam uma redução
Notas e Referências
[1] Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=4. Acesso em 23.07.2022.
[2] Lum, C., Koper, C. S., Wilson, D. B., Stoltz, M., Goodier, M., Eggins, E., Higginson, A., & Mazerolle, L. G. (2020). Body-worn cameras’ effects on police officers and citizen behavior: a systematic review. New Delhi: Campbell Collaboration
[3] Peter Hermann, Police Officers with Body Cameras are as Likely to Use Force as Those Who Don't Have Them, WASH. POST (Oct. 20, 2017), https://www.washingtonpost.conilocal/public-safety/police-body-camera-study-finds-complaints- against-officers-did-not-drop/2017/10/20/4ff35838-b42f-11e7-9e58-e6288544af98_story.html
[4] Ariel, B., Farrar, W. A., & Sutherland, A. (2015). The effect of police body-worn cameras on use of force and citizens’ complaints against the police: a randomized controlled trial. Journal of Quantitative Criminology, 31:509-35. https://doi.org/10.1007/s10940-014-9236-3v
Sutherland, A., Ariel, B., Farrar, W., & De Anda, R. (2017). Post-experimental follow-ups—Fade-out versus persistence effects: The Rialto police body-worn camera experiment four years on. Journal of Criminal Justice, 53:110-116. https://doi.org/10.1016/j.jcrimjus.2017.09.008.
[1] Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=4. Acesso em 23.07.2022.
[1] Lum, C., Koper, C. S., Wilson, D. B., Stoltz, M., Goodier, M., Eggins, E., Higginson, A., & Mazerolle, L. G. (2020). Body-worn cameras’ effects on police officers and citizen behavior: a systematic review. New Delhi: Campbell Collaboration
[1] Peter Hermann, Police Officers with Body Cameras are as Likely to Use Force as Those Who Don't Have Them, WASH. POST (Oct. 20, 2017), https://www.washingtonpost.conilocal/public-safety/police-body-camera-study-finds-complaints- against-officers-did-not-drop/2017/10/20/4ff35838-b42f-11e7-9e58-e6288544af98_story.html
[1] Ariel, B., Farrar, W. A., & Sutherland, A. (2015). The effect of police body-worn cameras on use of force and citizens’ complaints against the police: a randomized controlled trial. Journal of Quantitative Criminology, 31:509-35. https://doi.org/10.1007/s10940-014-9236-3v
Sutherland, A., Ariel, B., Farrar, W., & De Anda, R. (2017). Post-experimental follow-ups—Fade-out versus persistence effects: The Rialto police body-worn camera experiment four years on. Journal of Criminal Justice, 53:110-116. https://doi.org/10.1016/j.jcrimjus.2017.09.008.
Imagem Ilustrativa do Post: Police Officer Uniform with Body Camera // Foto de: Jobs For Felons Hub // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/144110575@N07/27680528581/
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