Sustentabilidade e a Teoria da Cognição de Santiago

13/10/2016

Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino – 13/10/2016

A Natureza é uma parceira para o desenvolvimento da vida, pois, além de acolher os seres, permite com que haja lugares e alimentos suficientes para a sua manutenção. No entanto, esse reconhecimento ocorreu de modo tardio e, ainda, não é pleno. Sabe-se - especialmente desde o século XVI, quando o Homem identifica aquilo que a Razão pode lhe proporcionar - que tudo fora dos limites da consciência torna-se um objeto a explorar, a dissecar, a conhecer.

Todas essas atitudes, contudo, são feitas sem qualquer apreço ou respeito pelos ciclos regenerativos da Terra, ou seja, não existe qualquer forma de comunicação entre o Homem e a Natureza para que não haja essa vontade de dominação, de exploração desmedida a fim de satisfazer os desejos – científicos, industriais, estéticos, entre outros – dos humanos em seu próprio benefício.

A Teoria da Cognição de Santiago – ou chamada também de Biologia do Saber – mostra uma outra visão além daquela estimulada pelo pensamento de René Descartes ao se fazer a (rígida) separação entre mente (res cogitans) e corpo ou matéria (res extensa). Nesse caso, verifica-se que todo o processo de surgimento da vida - entendida, aqui, no seu sentido mais amplo – se traduz como forma de cognição. É preciso destacar ao leitor ou leitora que a ideia de cognição não se refere, exclusivamente, ao saber desenvolvido pela presença de um cérebro ou um sistema nervoso. Na Teoria de Santiago, cognição refere-se aos modos de geração e autoperpetuação da vida por meio de redes entre os seres vivos[1].

Cita-se, como exemplo, a dimensão a linguagem[2] – na medida em que as células se desenvolviam, surgiram as membranas, as quais favoreciam a preservação das suas estruturas internas e, também, a necessária alimentação do meio externo. O padrão determinado por esses comportamentos, desenvolvidos, aperfeiçoados e transmitidos geneticamente, sinaliza como existe comunicação entre os seres pelo seu padrão de comportamento.

Na Teoria de Santiago, pode-se destacar algumas observações importantes acerca da teia da vida: 1) nenhum ser se desenvolve sozinho, isolado; 2) A vida se manifesta sob o aspecto de redes, de sistemas vivos interconectados e interdependentes; 3) a cognição não é um elemento exclusivo da autoconsciência humana, da sua capacidade de falar e pensar, mas todo o processo vital, de preservação e autogeração dos seres vivos é uma forma de aperfeiçoamento contínuo de cognição. Eis o reconhecimento da vida sob a lógica do cuidado[3].

Se a Sustentabilidade, na sua dimensão ambiental/natural, não conseguir se desvencilhar de uma perspectiva exclusivamente antropocêntrica, jamais conseguirá cumprir seus objetivos, os quais, ressalte-se, não têm como destinatários tão somente os seres humanos. A Teoria de Santiago demonstra, para a Sustentabilidade, essa contínua interação entre a visão microcósmica e macrocósmica, capaz de iluminar à Razão humana[4], como os seres vivos, a Natureza não podem ser objetos de simples manipulação dos homens, especialmente quando processos e estruturas dessas redes vivas estão em permanente conversa, como se observou com a ideologia preconizada pela Modernidade[5].

O Mundo Natural, sob esse ângulo, é “ser próprio”, dotado de dignidade própria, porque tem, sim, direito à existência[6]. A partir desse esclarecimento, é possível saber o porquê daquela condição de proximidade, de relação entre humanos e não humanos que os povos andinos, da América do Sul, mantêm como elemento indispensável de respeito e reconhecimento acerca da importância dessa teia da vida para tudo e todos. É nesse momento que a palavra Sustentabilidade ganha significado, principalmente na perspectiva jurídica, quando se destaca os “Direitos da Natureza”.


Notas e Referências:

[1] “A ideia central da teoria de Santiago é a identificação da cognição, o processo de conhecimento, com o processo do viver. [...] cognição é a atividade que garante a autogeração e a autoperpetuação das redes vivas. Em outras palavras, é o próprio processo da vida. A atividade organizadora dos sistemas vivos, em todos os níveis de vida, é uma atividade mental. As interações de um organismo vivo – vegetal, animal ou humano – com seu ambiente são interações cognitivas. Assim, a vida e a cognição tornam-se inseparavelmente ligadas. A mente – ou melhor, a atividade mental – é algo imanente à matéria, em todos os níveis de vida”. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2005, p. 50.

[2] "[...] Enquanto a linguagem é heterogênea, a língua assim delimitada é de natureza homogênea: constitui-se num sistema de signos onde, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas. [...] A língua é um sistema de signos que exprimem idéias, e é comparável, por isso, à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais militares [...]. Ela é apenas o principal desses sistemas". SAUSSURE, Ferdinand. Curso de lingüística geral. Tradução de Antonio Chelini. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 23/24.

[3] “Cuidar é mais do que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado, ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver a sua volta. Por isso, o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana”. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2003, p. 34

[4] A expressão denota a necessidade de se reconhecer a coerência própria manifestada pela vida, no seu sentido mais amplo, as quais nem sempre é exaurida - tampouco reconhecida - pela Razão Lógica. De modo complementar, utiliza-se, ainda, Razão Interna ou Razão Seminal. Nas palavras de Maffesoli, "[...] Trata-se de algo que permanece ou, melhor, preexiste no coração de todo homem antes de qualquer construção intelectual. É propriamente isto que chamarei 'razão interna' de todas as coisas. Razão esta que é tanto uma constante, de certo modo uma estrutura antropológica, quanto, ao mesmo tempo, só se atualiza, se realiza, neste ou naquele momento particular. Para dizer o mesmo em outras palavras, trata-se de uma racionalidade de fundo que se exprime em pequenas razões momentâneas". MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Tradução de Albert Christophe Migueis Stuckenbruck. 4. ed. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2008, p. 58.

[5] “O que resta hoje em dia da ideologia modernista? Uma crítica, uma destruição, um desencantamento. Menos a construção de um mundo novo que a vontade e a alegria de destruir os obstáculos acumulados sobre o caminho da razão. A ideia de modernidade não extrai a sua força da sua utopia positiva, a da construção de um mundo racional, mas da sua função crítica, e por isso guarda só enquanto persistir a resistência do passado”. TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Tradução de Elia Ferreira Edel. 7. ed. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2002, p. 39.

[6]La liberación de la Naturaleza de esta condición de sujeto sin derechos o de simple objeto de propiedad, exigió y exige, entonces, un trabajo político que le reconozca como sujeto de derechos. Un esfuerzo que debe englobar a todos los seres vivos (y a la Tierra misma), independientemente de si tienen o no utilidad para los seres humanos. Este aspecto es fundamental si aceptamos que todos los seres vivos tiene el mismo valor ontológico, lo que no implica que todos sean idénticos. Dotarle de Derechos a la Naturaleza significa, entonces, alentar políticamente su paso de objeto a sujeto, como parte de un proceso centenario de ampliación de los sujetos del derecho, como recordaba ya en 1988 Jörg Leimbacher, jurista suizo. Lo central de los Derechos de la Naturaleza, de acuerdo al mismo Leimbacher, es rescatar el “derecho a la existencia” de los propios seres humanos (y por cierto de todos los seres vivos). Este es un punto medular de los Derechos de la Naturaleza, destacando una relación estructural y complementaria con los Derechos Humanos”. ACOSTA, Alberto. La Naturaleza con Derechos Una propuesta de cambio civilizatorio. 2011, p. 9. Disponível em: http://www.lai.at/attachments/article/89/Acosta-Naturaleza%20Derechos%202011.pdf. Acesso em 13 de set. de 2016.


Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino. Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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