Sustentabilidade Ambiental e Direitos da Natureza: esclarecimentos para os seus significados e importância à vida - Por Maykon Fagundes Machado e Sérgio Ricardo Fernandes Aquino

12/10/2017

 

 

Caras leitoras e leitores, permita-nos estabelecer este diálogo para enfatizar a fundamentalidade da compreensão e consciência acerca da Sustentabilidade[1] em seu pilar ambiental, precipuamente no que se refere à visão basilar de que a Natureza, sobretudo, possui direitos e garantias fundamentais que devem ser igualmente resguardados de modo intransigente.

Percebe-se, no decorrer do tempo, que a Sustentabilidade se fragmenta em três pilares, os quais, unidos, fundamentam toda sua estrutura. No entanto, e como parte de qualquer atividade científica, permita-nos apontar uma releitura deste paradigma.

Na Pós-Modernidade[2] vivenciada, constata-se a iminência de riscos a médio-longo prazo[3], que podem a qualquer momento devastar toda uma civilização, rompendo inclusive a ideia de sociedade de classes preconizada por Marx. Observa-se, ainda, que existe uma convergência de diversas agendas, sociais, políticas e econômicas para um determinado ponto-comum, qual seja, um Estado Socioambiental de Direito, destacado por Tiago Fensterseifer[4].

Todavia, e esse será objeto de futuro estudo, é preciso se perguntar qual é a racionalidade da Sustentabilidade? Certamente, não se trata daqueles modelos já identificados nos séculos XVIII a XX, ou seja, não é apenas a Razão Lógica, nem, tampouco, a Razão Instrumental, já destacada pela Escola de Frankfurt. Trata-se de uma Razão Sensível, que transita nos mais diferentes lugares, com diferentes experiências, capazes de sinalizar novos saberes as quais se acrescenta, numa perspectiva biológica e fisiológica, outros pontos de vista, como é o caso da Neurociência e da Microbiologia das emoções. 

Para uma nova releitura, torna-se preciso superar a lógica dos aspectos sociais e econômicos, por estarem sobremaneira unidos sob o ponto de vista desenvolvimentista e incentivando, de modo exacerbado, a exploração do mundo natural. Aqui, tem-se o famoso caso dos resultados de futebol: o clássico 2X1.

Sob igual afirmação, a expressão “Estado Socioambiental” já apresenta algumas características que poderiam ser classificadas, a partir da linguística, como oximoro, ou seja, duas palavras opostas que reforçam uma ideia possível. Vamos identificar! Primeiro cenário: vamos supor que “ambiental” se refira à Natureza (o que já é um equívoco; seria como, num exemplo bem genérico, jogar todos os brinquedos, diferentes brinquedos, numa mesma caixa para guarda-los). Nesse caso, já se observa a presença do Homem com (sutis) estilos de dominação e exploração.

Segundo cenário: Os interesses sociais e ambientais são distintos, ou seja, não significa que estejam em todo o momento criando atitudes e esforços em prol do Bem Comum. Esse é um fato comum perceptível, também, sob o território da Economia. Se a expressão “ambiental” significa, de novo (sic), “Natureza”, esses interesses são, ainda, maiores. Se, contudo, por “ambiente” se quiser falar, novamente, de Humanos, de seus interesses, os efeitos serão menos, não obstante se despreze a dimensão ecologia da Dignidade da Pessoa Humana.

Terceiro cenário: a expressão “Estado Socioambiental”, por sua própria tipologia tem enorme contradição: “Socio” destaca, pela sua grafia, uma importância maior que outros fatores humanos, como é o caso do “Eu”. A dimensão “Socio”, é preciso rememorar, trabalha de como conjunto e em permanente transformação a partir do diálogo “Eu”, “Tu”, “Nós”, “Mundo”, ou seja, a individualidade é negada. A expressão “ambiental”, por outro lado, é destaca com a primeira letra minúscula e afirma: não importa se se trata de lugares, pessoas ou mundo natural. Nenhum desses ambientes e seres se torna mais importante que o “Social”. 

A partir dessa afirmação, pergunta-se: Para que, então, Direitos da Natureza, se, a todo momento, a Natureza, como “ser próprio”, tem seu status ontológico negado, por um lado, e, por outro, favorece, na maior parte de significado a presença do Homem, seja enaltecendo sua qualidade de ser racional, seja menosprezando a sua individualidade. Eis, de fato, um belo oximoro que, ressalte-se, Serres[5] esclarece a partir da palavra “Ambiente”:

Esqueçamos, pois, a palavra ambiente [...]. Ela pressupõe que nós, homens, estamos no centro de um sistema que gravitam à nossa volta, umbigos do universo, donos e possuidores da natureza. Isso lembra uma época passada, em que a Terra [...] colocada no centro do mundo reflectia o nosso narcisismo, esse humanismo que nos promove no meio das coisas ou no seu excelente acabamento. Não. A Terra existiu sem os nossos inimagináveis antepassados, poderia muito bem existir hoje sem nós e existirá amanhã ou ainda mais tarde, sem nenhum dos nossos possíveis descendentes, mas nós não podemos existir sem ela. Por isso, é necessário colocar bem as coisas no centro e nós na sua periferia, ou melhor ainda, elas por toda a parte e nós no seu seio, como parasitas.

 

Insiste-se: a logica dos Direitos da Natureza[6] é uma proposição Sul-Americana. Sob o ângulo cultural e jurídico, não se observa, nem se identifica as mesmas matrizes de cunho europeu ou norte-americano para a elaboração de seu conhecimento, de sua aplicação e interpretação. Aliás, a atomização da expressão “Meio Ambiente” causa estranheza porque Natureza é um “ser-próprio”, como se destaca pelos povos andinos[7] e o Meio Ambiente somente existe para se mostrar a conjugação de esforços para se manter uma “Casa Comum”.

Nessa linha de pensamento, é possível se constatar esse cenário por duas linhas de pensamento: a) Natureza, Ambiente e Meio Ambiente são três expressões distintas, com conceitos operacionais distintos. Nem sequer as bases dos saberes que as constituem trabalham numa sinergia própria. Ambiente e Meio Ambiente, por exemplo, destacam a presença do Humano, seja na criação artificial de novos lugares para se habitar (Ambiente), seja nas interações com outros seres vivos (Meio Ambiente); b) se é possível essa situação numa perspectiva dialética, o que se teria? Natureza (Tese) + Ambiente (Antítese) = Meio Ambiente (Síntese). Nesse caso, a Síntese não e feita apenas pela racionalidade humana, mas pela cognição da vida[8].    

Ao se considerar que a Natureza sustenta toda a cadeia de desenvolvimento da humanidade, vindo em seguida, o aspecto social e após, o econômico, torna-se possível um avanço para a Sustentabilidade, principalmente se esta visão contar com a importante participação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), tendo essencialmente como eixo, o ODS 17, qual seja, a busca por instituições e parcerias fortes, que pode ser considerando o eixo-governança-sustentável, pois na busca por estas parcerias fortes, obviamente criaria a adoção de uma visão ao menos biocêntrica, para a promoção da Sustentabilidade, conforme se verifica na imagem abaixo: 

A pergunta que se faz é: Os saberes vindos América do Sul que ensejam a sua própria visão pelos povos indígenas podem consolidar novas parcerias que visam, direta ou indiretamente, o lucro? Há algo de estranho – ou, no mínimo, contraditório - no reino dos desejos do Capitalismo mercantil.

O Meio Ambiente e a Natureza são portadores de Direitos Fundamentais. Não se trata de uma utopia irrealizável, como se verifica na linguagem comum. Na América-Latina alguns países como, por exemplo, o Equador e Bolívia já adotam a concepção de que a Terra é de um superorganismo vivo e, principalmente possuem a visão de que tudo está interligado[9]. A Índia, a China, a Austrália já possuem decisões judiciais que confirmar a Natureza como sujeitos de direito. A manutenção dos Direitos da Natureza e da conservação da vida, torna-se imprescindível, conforme enuncia Acosta e Gudynas[10]:

O reconhecimento dos Direitos da Na- tureza permite convertê-la em sujeito de direi- tos, valendo por si própria, independentemente da possível utilidade ou uso humano. Esta é uma postura biocêntrica, pelo que se deve assegurar a sobrevivência de espécies e ecossistemas. Isto não implica uma natureza intocada, mas que se aproveitem os recursos naturais mantendo-se os sistemas de vida.

Nesse caso, percebe-se que, para a efetivação do paradigma da Sustentabilidade, um grande avanço a ser dado, torna-se a busca pela conscientização da sociedade acerca de sua lesiva vivência para o planeta que, diuturnamente produz danos (riscos) de pequeno a grande escala, e sobre isto, Klaus Bosselmann[11] ressalta que: ‘’ [...] Quanto mais complexidade dessas relações é entendida, maior ênfase será dada às interdependências entre os seres humanos e a natureza’’, ou seja, este elo Natureza-Ser-Humano é inegável, necessário compreendê-lo, sob suas características e complexidade, atualmente. Por esse motivo Sustentabilidade Ambiental e Direitos da Natureza são forças complementares, na qual o humano e parte da cadeia vital terrestre. 

[1] A Sustentabilidade como novo paradigma aparece como critério normativo para a reconstrução da ordem econômica (um novo sistema econômico mais justo, equilibrado e sustentável) da organização social (modificando a estrutura social e a organização da sociedade – equidade e justiça social) do meio ambiente (possibilitando a sobrevivência do homem em condições sustentáveis e digna – respeito ao meio ambiente) FERRER, Gabriel Real; GLASENAPP, Maikon Cristiano; CRUZ, Paulo Márcio. Sustentabilidade: um novo paradigma para o direito. Novos Estudos Jurídicos, p. 1459.

[2] “A pós modernidade é, por isso, como um movimento intelectual, a critica da modernidade, a consciência da necessidade de emergência de uma outra visão de mundo, a consciência do fim das filosofias da historia e da quebra de grandes metanarrativas, demandando novos arranjos que sejam capaz de ir além dos horizontes fixados pelos discursos da modernidade”. BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade: e reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 146.

[3] […] os riscos e ameaças atuais diferenciam-se, portanto, de seus equivalentes medievais, com frequência semelhantes por for a, fundamentalmente por conta da globalidade de seu alcance (ser humano, fauna, flora) e de suas causas modernas. São riscos da modernização. São um produto de série do maquinário industrial do progresso, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento ulterior.  BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 26.

[4] FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.  p. 95-96.

[5] SERRES, Michel. O contrato natural. Tradução de Serafim Ferreira. Lisboa: Instituto Piaget, 1994, p. 58.

[6]Hay que anotar, sin embargo, la conformación de la primera judicatura de la naturaleza en las islas Galápagos, así como la aceptación de la acción de protección, inspirada en los Derechos de la Naturaleza, en contra del Gobierno Provincial de Loja en marzo del año 2011, por la conta- minación del río Vilcabamba. Inclusive una polémica medida cautelar sed tomó en nombre de los Derechos de la naturaleza, cuando la fuerza pública realizó un operativo violento en contra de la minería informal en la provincia de Esmeralda en mayo de 2011. Por lo tanto, conscientes de que no será fácil cristalizar estas trans- formaciones en el Ecuador, sabemos que su aprobación será aún mucho más compleja a nivel mundial. Sobre todo, en la medida en que estas afectan los privilegios de los círculos de poder nacionales y transnacionales, que harán lo posible para tratar de detener este proceso de la emancipación. Es más, desde la vigencia de los Derechos de la naturaleza es indispensable avizorar una civilización postcapitalista”. ACOSTA, Alberto. El Buen Vivir: Sumak Kawasay, una oportunidad para imaginar otros mundos. Barcelona: Icaria, 2011, p. 96.

[7] “Al hablar de vivir bien se hace referencia a toda la comunidad, no se trata del tradicional bien común reducido o limitado sólo a los humanos, abarca todo cuanto existe, preserva el equilibrio y la armonía entre de todo lo que existe. [...] ‘Vivir bien, es la vida en plenitud. Saber vivir en armonía y equilibrio; em armonía con los ciclos de la Madre Tierra, del cosmos, de la vida y de la historia, y en equilibrio con toda forma de existencia en permanente respeto’”. HUANACUNI MAMANI, Fernando. Buen vivir/ Vivir bien: Filosofía, políticas, estrategias y experiencias regionales andinas. Peru: CAOI, 2010, p. 32.

[8] “A ideia central da teoria de Santiago é a identificação da cognição, o processo de conhecimento, com o processo do viver. [...] cognição é a atividade que garante a autogeração e a autoperpetuação das redes vivas. Em outras palavras, é o próprio processo da vida. A atividade organizadora dos sistemas vivos, em todos os níveis de vida, é uma atividade mental. As interações de um organismo vivo – vegetal, animal ou humano – com seu ambiente são interações cognitivas. Assim, a vida e a cognição tornam-se inseparavelmente ligadas. A mente – ou melhor, a atividade mental – é algo imanente à matéria, em todos os níveis de vida”. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2005, p. 50. 

[9]  “[…] Tudo está interligado. Por isso, exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade”. FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus/Loyola, 2015, p. 59.

[10] ACOSTA, Acota; GUDYNAS, Eduardo. El buen vivir o la disolución de la idea del progreso. In: ROJAS, M. (Coord.), La medición del progreso y bienestar: propuestas desde América Latina. México: Foro Consultivo Científico y Tecnológico, 2011, p. 108.

[11] BOSSELMANN, Klaus. Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015. p. 139.

Maykon Fagundes Machado é Graduando em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Pesquisador – Bolsista (PIBIC-CNPQ) desenvolvendo pesquisas na área de Sustentabilidade e Direito Urbano. Integrante de grupos de estudos da UNIVALI relacionados à área de Direito Ambiental, Sustentabilidade e Governança. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5584227459288564. E-mail: maykonfm2010@hotmail.com

 

 


 
 
 
 

Imagem Ilustrativa do Post: trees // Foto de: Sarah Deer // Sem alterações.

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/sarahdeer/2253840690

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura