Confira o Acórdão proferido pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em julgamento ocorrido no dia 24 de agosto de 2009. Extraído do livro Em torno da Jurisdição, de Geraldo Prado, o qual corresponde a uma coletânea de textos, votos e artigos produzidos pelo autor entre 1995 e 2010.
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Por Geraldo Prado* - 24/12/2015
5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 2007.050.04880
JUIZO DE ORIGEM: 2ª VARA CRIMINAL REGIONAL DE SANTA CRUZ
APELANTE: XXXX
APELADO (1): YYYY
APELADO (2): ZZZZ
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 155, § 4º, IV, na forma do artigo 14, II, ambos do Código Penal.
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO TENTADO. HOMOLOGAÇÃO DA PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REFORMA PRETENDIDA PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. EXISTÊNCIA DE MANIFESTA SITUAÇÃO DE INCERTEZA JURÍDICA SOBRE O MEIO DE IMPUGNAÇÃO CABÍVEL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INTERESSE RECURSAL EVIDENCIADO. NECESSIDADE DA DECISÃO JUDICIAL PARA ALCANÇAR O PROVIMENTO DE DIREITO MATERIAL PERSEGUIDO. PRELIMINARES REJEITADAS. CONHECIMENTO DA APELAÇÃO. CRIME COM PENA MÍNIMA EM ABSTRATO INFERIOR A UM ANO. CRITÉRIO PARA ADMISSIBILIDADE DO SURSIS PROCESSUAL ESTABELECIDO NA LEI. PERCENTUAL DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA QUE DEVE SER CALCULADO EM SEU GRAU MÁXIMO. “SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO QUE DEVE ORIENTAR-SE POR CRITÉRIO DE DEFINIÇÃO DAS INFRAÇÕES PENAIS EXTRAÍDO DO DIREITO PENAL”[1]. DEFINIÇÃO JURÍDICA DA INFRAÇÃO PENAL, EM CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA, QUE É TAREFA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Apelados denunciados no juízo da 2ª Vara Regional de Santa Cruz, pela prática do crime de furto qualificado tentado. Apelação interposta pelo assistente de acusação contra a homologação da proposta da suspensão condicional do processo. Rejeição das preliminares suscitadas pelo Ministério Público, de não cabimento do recurso e ausência de interesse. Orientação dos tribunais superiores no sentido de que deve ser aplicado o princípio da fungibilidade quando houver manifesta situação de incerteza jurídica do meio de impugnação cabível. Aplicação que decorre do princípio da instrumentalidade das formas que rechaça a rejeição de um recurso em razão de questões meramente formais. Lei dos Juizados Especiais que não traz previsão do recurso cabível em face da decisão que suspende o processo (artigo 89). Interesse recursal do assistente de acusação evidenciado pela necessidade do recurso para atingir o objetivo perseguido, consistente no reexame da questão posta à apreciação do tribunal. Preliminares repelidas e conhecimento do recurso. Recorrente que no mérito alega que os acusados não preenchem o requisito objetivo da pena mínima cominada para oferecimento do sursis processual, uma vez que a diminuição de dois terços decorrente da tentativa não poderia ser aplicada. Argumento também de que o objeto do crime é de grande valor econômico. Tese recursal que antecipa juízo acerca de eventual fixação da pena cominada para o tipo de injusto. Proposição que atua fora dos limites das atribuições previstas para essa fase do processo, formulando indevida invasão na análise da dosimetria da pena, somente admitida no curso do processo. Neste momento cuida-se apenas de ponderar acerca do cabimento da suspensão condicional do processo. Suspensão que tem por base, no que toca à pena, critérios legislativos abstratos, não judiciais (concretos). Hipótese de crime tentado em que o magistrado deve considerar a menor pena cominada em abstrato para o delito, reduzida pela maior fração prevista no artigo 14, II, do Código Penal. Acerto da decisão que homologou a proposta de suspensão condicional do processo.
CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Criminal nº 2007.050.04880 em que é apelante XXXX e apelados YYYY e ZZZZ.
ACORDAM, por unanimidade, os Desembargadores que integram a Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sessão de julgamento realizada no dia 24 de agosto de 2009, em rejeitar as preliminares para conhecer o recurso e NEGAR PROVIMENTO para manter a decisão, nos termos do voto do Relator.
Presidiu a sessão o Desembargador Nildson Araújo da Cruz. Participaram do julgamento a Desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita como revisora e a Desembargadora Maria Helena Salcedo como vogal.
Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2009
DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
RELATOR
De início cumpre salientar que as preliminares de não conhecimento do recurso suscitadas pelo Ministério Público em primeiro grau (fl s. 261/3) devem ser rejeitadas.
Conheço o recurso interposto pelo assistente de acusação em apreço ao princípio da fungibilidade e em virtude da incerteza quanto ao recurso adequado, revelada por controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.
Com efeito, a aplicação da fungibilidade entre recursos decorre do princípio da instrumentalidade das formas, que, preceitua uma concepção instrumental do processo e rechaça a rejeição de recurso em razão de questões meramente formais, a fi m de que se possa atingir o objetivo perseguido, consistente no reexame da questão posta à apreciação do tribunal.
Assim leciona Eugênio Pacelli de Oliveira[2]:
(...) processo é meio, e não o fi m do direito. Eventuais dificuldades na identificação do recurso cabível não devem conduzir à sua rejeição, sem o exame cuidadoso do caso concreto.
Além disso, inúmeros acórdãos nos Tribunais Superiores mostram a existência de manifesta situação de incerteza jurídica sobre o meio de impugnação cabível contra a decisão que suspende o processo[3].
Com relação à alegação de falta de interesse, destaco que há interesse recursal sempre que a parte necessitar do recurso para remover a decisão judicial que a impede de alcançar o provimento de direito material perseguido.
Como salientam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, “o interesse-necessidade implica a exigência de se lançar mão do recurso, para atingimento do resultado prático que o recorrente tem em vista”. Acrescentam que “o recurso interposto deve ser adequado a assegurar a utilidade visada pelo recorrente”[4].
Diante dessas circunstâncias, forçoso reconhecer que a vantagem prática pretendida pelo apelante, a reforma da sentença da suspensão condicional do processo, somente poderia ser esperada com o julgamento da apelação interposta.
Dessa forma, rejeito as preliminares aduzidas pelo Ministério Público a fi m de conhecer o recurso do assistente de acusação.
No mérito, o recurso não merece ser provido.
Em síntese, o recorrente pretende a reforma da decisão que suspendeu o processo (artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais). Argumenta que os acusados não preenchem o requisito objetivo da pena mínima cominada para oferecimento do sursis processual, uma vez que a diminuição decorrente da tentativa (1/3 ou 2/3) não poderia ser aplicada. Alega também o objeto do crime é de grande valor econômico.
Ocorre que incumbe ao Ministério Público oferecer a proposta de suspensão condicional do processo considerados somente os requisitos de admissibilidade elencados no artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais.
Para se avaliar o âmbito de admissibilidade do sursis processual deve-se ter em conta a pena mínima cominada em abstrato para o crime, observadas as causas de aumento e diminuição da pena, conforme descritas na denúncia.
O critério objetivo para aferição do cabimento da suspensão condicional do processo, na hipótese de crime tentado, não é diferente daquele que se aplica aos casos de crime consumado.
Assim é que a lei estabelece um parâmetro, a pena mínima cominada, e não a pena mínima provável à luz do caso concreto.
O critério legal para o cálculo da pena mínima cominada para o crime, adequado às exigências do art. 89 da Lei nº 9.099/95, não deixa dúvida quanto a ser esta de dois anos no caso do furto qualificado, com a redução máxima pela tentativa, a teor do § 4º do artigo 155 c.c. o parágrafo único do inciso II do artigo 14, ambos do Código Penal.
O recorrente ao afirmar que a “redução aplicável à espécie se afastaria do máximo previsto para a tentativa, não chegando, assim, a pena ao patamar objetivo do art. 89 da Lei 9.099/95” (fl . 230) antecipa juízo acerca de eventual fixação da pena cominada para o tipo legal.
Ao estabelecer tal premissa, o recorrente atua fora dos limites das atribuições previstas para essa fase do processo, formulando indevida invasão na análise da dosimetria da pena, somente admitida no curso do processo penal. Neste momento cuida-se apenas de ponderar acerca do cabimento da suspensão condicional do processo.
O que conta é a individualização da pena feita pelo legislador, não a posterior individualização que será feita pelo juiz. A suspensão tem por base, no que toca à pena, critérios legislativos abstratos, não judiciais (concretos).
Por isso que em se tratando de crime tentado o magistrado considerará a menor pena cominada em abstrato para o delito, reduzida pela fração prevista no artigo 14, II, do Código Penal.
Defendo este posicionamento na obra “Lei dos Juizados Especiais Criminais – Comentada e Anotada”, pois entendo que “a suspensão condicional do processo deve orientar-se por critério de definição das infrações penais extraídos do direito penal”[5].
Além disso, afirmo que “quando o crime atribuído ao réu na denúncia for tentado, o Ministério Público haverá de considerar, para os efeitos deste dispositivo legal (artigo 89), a maior redução possível, de modo a alcançar real pena mínima em abstrato”[6].
Finalmente há de se levar em conta que a definição jurídica da infração penal, em crime de ação pública, é tarefa cometida ao Ministério Público. Desse modo, eventual discordância do magistrado não tem e poderia ter o efeito perseguido pelo assistente, que objetiva seja negada aos apelados a suspensão condicional do processo.
Com efeito, admitindo-se hipoteticamente – e apenas hipoteticamente – que se trata de crime consumado, a imputação de crime tentado contida na denúncia deveria ser rejeitada pelo magistrado, por meio de sentença que extingue o processo. É assim por conta do princípio da correlação entre a imputação e a sentença (artigo 384 e 395 do Código de Processo Penal) porque não cabe ao juiz acusar.
Claro que na situação hipotética acima mencionada os acusados seriam beneficiados pelo fluir da prescrição, porquanto a suspensão condicional do processo expressamente suspende a prescrição durante o tempo da paralisação da atividade processual.
O caso, porém, é de tentativa conforme reconhece o próprio apelante (fl . 226). Agiu, pois, acertadamente o magistrado e é oportuno, por último, ressaltar que as decisões apontadas nas razões não são aplicáveis a este julgamento.
Posto isso, voto no sentido de rejeitar as preliminares para conhecer o recurso e negar provimento para manter a decisão.
Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2009.
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
* Acórdão proferido pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em julgamento ocorrido no dia 24 de agosto de 2009. Extraído do livro Em torno da Jurisdição, de Geraldo Prado, o qual corresponde a uma coletânea de textos, votos e artigos produzidos pelo autor entre 1995 e 2010.
PRADO, Geraldo. Em torno da Jurisdição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 289-294.
Notas e Referências:
[1] Geraldo Prado, Lei dos Juizados Especiais Criminais – Comentada e Anotada, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 194.
[2] Curso de Processo Penal, 8.ª edição, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007, p. 676.
[3] Entre outros cabe citar: RHC 16028/SP, HC 90584/RS, HC 103053/SP, HC 76439/SP.
[4] Recursos no Processo Penal, Ed. RT, 3ª ed., São Paulo, 2001, p. 83.
[5] Lei dos Juizados Especiais Criminais – Comentada e Anotada, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 194.
[6] Obra citada, p. 194.
. Geraldo Prado é Professor da UFRJ e Consultor Jurídico.
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