Suplício por humilhação

12/04/2023

A político\as pedem-se muitas coisas. No geral, há solicitações de pequenas ajudas, sempre acompanhadas de declaração promissória de voto, muitas vezes já empenhado noutro lugar. Esse tipo de pedido não é o típico de pobre, mas dos tanto\as que professam hábitos corruptos ao rés do chão.

Há também casos de verdadeira aflição. Algumas pessoas não têm recurso ou a quem recorrer. Batem à porta do\a político\a porque há acesso, e com causas desesperadoras. Igualmente prometem votos, mas não por desonestidade, e sim porque é a única promessa que podem pagar.

Ao meu tempo de político convivi com isso, como convivem, acredito, todo\as o\as político\as dos interiores do Brasil. Se é estafante conseguir desembaraçar-se de um tipo com pedidos vagabundos, angustia ver a miséria pisar o\a necessitado\a e não deter meios de atendê-lo\a.

Ademais, se o\a político\a prestar ajuda, o que amiúde acontece, ainda que por humanidade, poderá ser visto\a como aproveitador\a – o que muitas vezes é – da pobreza do País. Afora o desesperado pedido pessoal, o hábito geral de pedir nos vem do Coronelismo, um modo de dominação.

Há solicitações de outras índoles: negociatas, folclóricas, e mesmo de interesse público, ainda que dessa última modalidade sejam mais escassas. A minha casa, quero testemunhar, já se a procurou com o fim de trazer contribuições relevantes à cidade. Já recebi, pessoalmente, muito\a eleitor\a honesto\a.

A propósito, não foram pouco\as, também, o\as político\as decentes com o\as quais tratei. Aliás, essa generalização acusatória de desonestidade a político\as serve bem a velhaco\as: quando tudo está nivelado por baixo, o que se perde ao não prestar? Autorizo-me a não prestar, também.

Mas, variei do que me propunha escrever. Queria contar que uma senhora me buscou na esperança de intervenção para que sua mãe não sofresse revista quando da visita ao filho recolhido a presídio. Tratava-se de uma idosa inibida, com dificuldade, inclusive, de se deixar examinar por médico.

Essa mãe sofria por não ver o filho, sofria por não vencer a vergonha de se pôr em posição de vistoria. Haveria de se localizar sobre um espelho, agachar-se, afastar as pernas, abrir a vulva, expor a vagina. Fora, tentara, chorara, não conseguira, daí o pedir ajuda. Atendi-a; indiquei advogado\a.

O tema me veio porque li nos perfis de Marcus Fabiano e de Gabriele Gonzaga, no Facebook, nota sobre foto que denuncia revistas vexatórias nos presídios: “mulheres de todas as idades, dos 13 aos 90 anos, são obrigadas a ficar de cócoras sobre um espelho retrovisor e arregaçar suas vaginas.

Há policiais que às vezes as manipulam usando luvas domésticas lubrificadas com vaselina. E o bolo de aniversário ou o pão caseiro... revirado, esmigalhado, confiscado pela guarda. É pedir muito um mísero detector de metais e um simples aparelho de raio X nesse ‘país rico & sem pobreza’?”

Foto, a íntegra do texto e os comentários podem ser conferidos nas páginas referidas. Duas manifestações, contudo, quero relevar: Virginia Walter faz ver que nesse procedimento há uma punição que se estende à família do preso, que acaba sendo alcançada com castigos de humilhação.

Carla Bacila Sade mostra que essa indignidade programada cumpre a função de marginalizar mais efetivamente o preso, escorraçando-lhe a família. O vexame torna vítimas de punição ampliada os familiares do recluso, e sobre ele incide uma segunda pena, a obstaculização do direito de visita.

Não seria ingênuo em pedir supressão de controle de quem entra nos presídios, mas não faltam meios técnicos civilizados de detectar metais ou localizar objetos entranhados no corpo. Talvez o\as raivoso\as que confundem justiça com brutalidade não percebam a maldade embutida na revista.

Essas formas sistemáticas de supliciar pessoas mais pobres (sem compromisso com o crime do\a familiar em cárcere) está, apenas, vulgarizando a violência, nesse caso, violência de gênero e do corpo, legitimando-a, mesmo, na medida em que é praticada pelo Estado carcereiro.

 

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