Suicídio do trabalhador em decorrência do assédio moral no contexto das relações de trabalho 4.0

09/10/2021

Coluna Stasis / Coordenadores Luiz Eduardo Cani e Sandro Luiz Bazzanella

O caso France Télécom

O assédio moral no ambiente de trabalho é uma realidade presente na vida de grande parte dos trabalhadores. Não raro, há uma pressão exacerbada para que metas sejam cumpridas, a produtividade seja aumentada ou ainda, para que sejam feitos pedidos de demissão em massa.

Coagir os trabalhadores a pedir demissão foi o objetivo da empresa de telecomunicação francesa France Télécom. Após a privatização ocorrida em 2004, a empresa decidiu cortar 22 mil postos de trabalho. Porém, grande parte dos funcionários não puderam ser demitidos, pois eram funcionários públicos e tinham estabilidade garantida por lei.

A solução adotada pela diretoria da empresa foi promover uma espécie de “assédio moral institucionalizado” e tornar a vida dos trabalhadores insuportável, obrigando-os a pedir demissão.

Toda a pressão e assédio culminou em uma onda de suicídios. Entre 2008 e 2009, pelo menos 35 funcionários ceifaram a própria vida por não suportar mais as condições no ambiente de trabalho.

O caso se tornou emblemático, pois, com base em uma lei francesa de 2002 que coíbe o assédio moral, tanto a empresa quanto seus diretores foram processados e responsabilidades pela onda de suicídios.[i]

Regulação jurídica do assédio moral no Brasil

No Brasil não há uma legislação unificada sobre o tema. Existem várias leis esparsas, muitas delas estaduais e municipais que vedam práticas abusivas no ambiente de trabalho. Em termos gerais, a Constituição Federal tem assegurado o direito à saúde, ao trabalho e à honra (artigo 5°, X e 6°), assim como, o dever de indenizar danos materiais e morais (artigo 5º, X). No caso do assédio moral, a indenização é devida por ofensa moral ao trabalhador.

O caso da France Télécom não é isolado. Segundo dados divulgados no boletim epidemiológico do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, entre 2007 e 2015 o Brasil registrou 77.373 suicídios de trabalhadores, perfazendo uma média de 8.597 por ano. A agropecuária lidera o número de mortalidade, seguido pela indústria.[ii]

Apesar de não se saber o impacto do assédio moral no total de casos, sabe-se que não se trata de casos isolados. A título de exemplo, em pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão foi constatado que 40% das mulheres declararam que foram tratadas a gritos ou xingamentos no ambiente de trabalho, enquanto 13% dos homens entrevistados passaram pela mesma situação[iii].

Assédio moral premium: o trabalho 4.0 no contexto pós-reformas e pandêmico

Que o assédio moral faz parte da rotina laboral de grande parte trabalhadores é notório. É evidente também que as reformas nas legislações trabalhistas contribuíram para a precarização das condições dos trabalhadores e proporcionaram ferramentas para o cometimento de abusos por parte dos empregadores.

Um exemplo disso são as novas formas de contrato, dentre as quais as mais precárias são as modalidades de contrato intermitente e de teletrabalho. No primeiro tipo de contrato, o trabalhador não tem garantia de salário que permita sua subsistência, sendo levado a aceitar qualquer condição do empregador. No segundo, há uma carga excessiva de cobrança e metas, pois o trabalhador não está nas dependências da empresa, consequentemente, está exposto a meios eletrônicos de controle.

Soma-se a isso a pandemia de coronavírus e a aceleração da informatização no trabalho. Desde o último ano, viu-se um aumento generalizado do uso de aparelhos eletrônicos, do trabalho em home office, bem como o aparecimento de novos mecanismos de controle de jornada e de produtividade. Dentre os principais mecanismos de controle estão os sistemas que elaboram relatórios de produtividade, não raro, apresentados em reuniões infindáveis por vídeochamadas.

Não há dúvidas que a precarização das relações e os abusos cometidos pelos empregadores têm contribuído consideravelmente para o adoecimento e o suicídio de trabalhadores. Resta questionar até quando os trabalhadores serão submetidos a essas condições? Quando teremos uma lei que efetivamente vise coibir a prática de assédio moral, tanto por parte da empresa quanto de seus responsáveis? Talvez, quando ocorrer um caso semelhante ao da France Télécom e uma onda de suicídios decorrente de assédio institucionalizado. Ou quando a nossa sociedade perceber que já perdemos mais de 8 mil vidas por ano! São trabalhadores e familiares vitimados por uma política que negligência, precariza e cada vez mais desprotege quem produz riquezas no Brasil.

 

Notas e Referências

[i] UCHOA, Pablo. Em julgamento histórico, executivos na França respondem por suicídio de 35 funcionários. BBC Brasil, São Paulo, 12 jul. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48963405?fbclid=IwAR2Cnkcsb8xdGmbume_HFfcRtUYwrRDDAGL3sy3ustbDuezqy7amTwbH9bA.

[ii] BRASIL. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Saúde Coletiva. Boletim Epidemiológico, N. 14, ano IX, agosto/2019. Disponível em: http://www.ccvisat.ufba.br/wp-content/uploads/2019/08/SUICIDIO_BOLETIM_CCVISATfinalFINAL.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.

[iii] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/12/07/40percent-das-mulheres-dizem-que-ja-foram-xingadas-ou-ouviram-gritos-em-ambiente-de-trabalho-contra-13percent-dos-homens-diz-pesquisa.ghtml

 

Imagem Ilustrativa do Post: Lady Justice // Foto de: jessica45 // Sem alterações

Disponível em: https://pixabay.com/photos/lady-justice-legal-law-justice-2388500/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura