STJ: afastamento da multa agravada não afasta o crime contra ordem tributária

08/07/2016

Por Charles M. Machado – 08/07/2016

No informativo do STJ n° 0584, foi destaca a posição da casa sobre os crimes contra ordem tributária nos casos em que a multa foi afastada.

O Informativo, busca dar destaque as posições consolidadas no STJ, destacando as teses jurisprudenciais firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal nos acórdãos incluídos na Base de Jurisprudência do STJ.

A decisão que trago para discussão, foi exarada no REsp 1.569.429-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/5/2016, e publicada no DJe 25/5/2016, onde se lê:

“OBRIGAÇÃO DE REMESSA DA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS.”

A Delegacia da Receita Federal deve enviar ao Ministério Público Federal os autos das representações fiscais para fins penais relativas aos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n. 8.137/1990 e aos crimes contra a previdência social (arts. 168-A e 337-A do CP), após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente, mesmo quando houver afastamento de multa agravada. Inicialmente, o art. 83 da Lei n. 9.430/1996 determina que a Receita Federal envie ao Ministério Público Federal as representações fiscais para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n. 8.137/1990 e aos crimes contra a previdência social (arts. 168-A e 337-A do CP), após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. Por sua vez, segundo dispõe o art. 2º do Decreto n. 2.730/1998, "Encerrado o processo administrativo-fiscal, os autos da representação fiscal para fins penais serão remetidos ao Ministério Público Federal, se: I - mantida a imputação de multa agravada, o crédito de tributos e contribuições, inclusive acessórios, não for extinto pelo pagamento; II - aplicada, administrativamente, a pena de perdimento de bens, estiver configurado em tese, crime de contrabando ou descaminho." Da leitura dos citados dispositivos depreende-se nitidamente que o ato normativo secundário (isto é, o Decreto n. 2.730/1998) inovou no mundo jurídico, criando mais um obstáculo para o envio das representações fiscais ao Ministério Público, como se fosse preceito normativo originário. Dessa forma, exorbitou da função meramente regulamentar dos Decretos expedidos pelo Poder Executivo, conforme expresso no art. 84, IV, da CF. A propósito, "O ordenamento jurídico pátrio não admite que o decreto regulamentador, no exercício de seu mister, extrapole os limites impostos pela lei" (REsp 729.014-PR, Primeira Turma, DJe, 11/9/2007). REsp 1.569.429-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/5/2016, DJe 25/5/2016.

É de se destacar que de acordo com o sistema normativo atual, dez são as condutas que quando praticadas e dessa prática resultar supressão ou redução ilegal de tributo e qualquer acessório(multas e juros), encontram-se previstas e tipificadas como crimes contra ordem tributária.

A Lei 8.137/1990, faz previsão nos seus artigos 1°e 2°dessas condutas:

“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

É evidente que os tipos penais são exaustivos e não permitem elasticidade na sua interpretação, quanto a conduta produzida, porém é forçoso lembrar que o término do processo administrativo, por si só não representa a certeza do crédito, apenas a presunção dela que ira irradiar na Certidão de Dívida Ativa, base da Execução fiscal, nascendo dai o risco do processo crime ter seu término antes da constituição definitiva do crédito.

A tipificação criminal também se estende às contribuições previdenciárias, como se lê:

“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

O que a decisão ataca é se a matéria poderia ser tratada por decreto, de acordo com o previsto no artigo 84 da Cosntituição Federal, onde esta prevista a Competência do chefe do Executivo Federal:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

I - .....;

II - ....;

III - .......;

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;”

E com o objetivo de regulamentar o encaminhamento publicou o Decreto N° 2.730em 10 de agosto de 198, que regulamenta o envio ao Ministério Público Federal da representação Fiscal para Fins Penasi de que trata o artigo 83 da Lei 9.430 de 1996, onde se lê:

“Art 1º O Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional formalizará representação fiscal, para os fins do art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em autos separados e protocolizada na mesma data da lavratura do auto de infração, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda ou decorrente de apreensão de bens sujeitos à pena de perdimento, constatar fato que configure, em tese;

I - crime contra a ordem tributária tipificado nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990;

II - crime de contrabando ou descaminho.

A primeira condicionante do Decreto que regulamenta a atividade funcional, é a conduta estar previstas nos delitos penais dos artigos 1°e 2° do referido diploma, e ainda:

“Art 2º Encerrado o processo administrativo-fiscal, os autos da representação fiscal para fins penais serão remetidos ao Ministério Público Federal, se:

I - mantida a imputação de multa agravada, o crédito de tributos e contribuições, inclusive acessórios, não for extinto pelo pagamento;

II - aplicada, administrativamente, a pena de perdimento de bens, estiver configurado em tese, crime de contrabando ou descaminho. “

Nota-se que a ao retirar do envio ao Ministério Público os processos que tiveram suas multas agravadas retiradas e não apenas reduzidas, o que foi feito foi apenas identificar que se a multa agravada foi retirada é porque ao longo do processo ficou comprovada o não dolo na conduta do notificado.

Logo a decisão do STJ, caminha em transformar o processo crime mero instrumento de pressão para cobrança dos créditos fiscais que nem se quer foram constituídos de forma definitiva.

Essa decisão consolida a conduta de transformar o processo crime, independentemente de ser devido ou não o tributo, em ferramenta de cobrança das dividas, banalizando e criando no Brasil a prisão por dívida, fora dos casos já previstos em lei.

Esse comportamento faz com que muitos contribuintes desistam de contestar o processo fiscal (executivo) com receio de ser preso.

Logo leva milhares de contribuinte ao pagamento, seja por parcelamento ou não, mesmo que os mesmos não tenham sido constituídos de forma definitiva, pelo simples receio da prisão.

Tal decisão representa um atraso na consolidação do Estado de Direito Democrático.


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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