Por Charles M. Machado - 18/02/2016
Por força da Emenda Constitucional 87/2015, diversos Estados celebraram Convênios e nesse momento exigem o recolhimento de diferencial de alíquota por parte de contribuintes que optaram pelo SIMPLES. O que a Emenda fez foi introduzir no ordenamento jurídico uma nova regra sobre a incidência do ICMS nas operações realizadas entre Estados. Embora se trate de alteração na redação de apenas dois dispositivos do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal (incisos VII e VIII), a decisão tomada pelo legislador constitucional derivado modificou a essência, do mais importante imposto em arrecadação.
Com o argumento de reduzir a “Guerra Fiscal”, procurou-se estabelecer na venda para consumidores, sejam eles contribuintes ou não do ICMS, o pagamento do diferencial de alíquota que segue, de forma progressiva para o Estado de destino da mercadoria.
A Emenda Constitucional, que inicialmente tinha como foco reduzir a guerra fiscal acabou criando um clima de insegurança e construindo algumas ilegalidades.
É sempre bom lembrar que a lógica que sempre norteou o ICMS no Brasil, foi a regra de que o imposto é sempre devido ao estado de origem da mercadoria ("regra de ouro do ICMS"), com apenas uma exceção: o chamado diferencial de alíquota (DIFAL), que é devido ao estado de destino do bem. Entretanto, isto só ocorre em uma única e bem delimitada situação: quando o comprador-destinatário é contribuinte do imposto e, ao mesmo tempo, consumidor final dos bens adquiridos, nos termos da atual redação da Constituição Federal, artigo 155, § 2º, incisos VII e VIII (antes da EC 87/2015).
Até o advento do comércio eletrônico, a tendência de um consumidor não-contribuinte (pessoa física ou jurídica) era de adquirir a mercadoria desejada no próprio estado em que residia: bastava ir até uma loja próxima. Nestes casos, o ICMS sobre a operação era pago ao seu estado, já que é o estado de venda ("saída") da mercadoria. No caso das aquisições feitas em outro estado pelas empresas (contribuintes do imposto) localizadas nos estados "consumidores", poderia ocorrer uma de duas hipóteses: ou o estado (de destino) se beneficiava de parte do imposto, com o recolhimento do DIFAL a seu favor (se o adquirente o fizesse como consumidor final), ou se beneficiava ao arrecadar o ICMS devido na operação seguinte, quando a empresa vendesse a mercadoria para um terceiro, visto que o crédito era menor e por consequência a agregação de valor era maior, tendo como resultado um ICMS maior à recolher.
Com a internet, foi alterado essa relação, em especial quando os consumidores são não-contribuintes, domiciliados em outros estados, ou seja o consumidor final foi até um site, situado em outro Estado e realizou sua compra, sedno que quase sempre os CDs dessas empresas de comércio “on-line” fica nos maiores centros do Brasil (são Paulo e Rio de Janeiro), e que concederam ainda benefícios fiscais para manterem esses sites de e-comerce em seus estados.
Nesse caso o ICMS, é devido ao estado de origem do bem (São Paulo ou Rio de Janeiro, na maioria das vezes), logo não havendo que se falar, neste caso, em DIFAL, pelo menos na redação dos incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da CF/88 antes da EC nº 87/2015 (04). Na antiga regra, válida até dezembro de 2015, toda empresa comercial que vende para outro estado da federação deve ter duas preocupações básicas para determinar a regra de tributação da operação pelo ICMS: em primeiro lugar, saber se o seu cliente (destinatário) é ou não contribuinte do imposto. Se não for contribuinte do imposto (por exemplo, uma empresa prestadora de serviços sujeita apenas ao ISS ou uma pessoa física), a alíquota de ICMS aplicável é apenas e tão somente aquela prevista na legislação do estado de origem da mercadoria (ou seja, a chamada "alíquota interna" do estado em que localizada a empresa vendedora).
Anteriormente, se o destinatário da mercadoria (em outro estado) é não-contribuinte do imposto, incidirá na operação apenas a alíquota interna. Porém, se ele for contribuinte do ICMS, então a regra se altera: a alíquota incidente na operação será sempre a chamada interestadual (12%, como regra, e 7%, como exceção, além da alíquota de 4% para os casos específicos de mercadorias importadas).
Logo a premissa necessária para a incidência do DIFAL na vigência da nova emenda é que se trate de operação para consumidor final, seja ele contribuinte ou não do imposto. No caso do adquirente não-contribuinte ele sempre será consumidor final, como óbvio (é uma consequência da finalidade da compra e da natureza do adquirente). Entretanto, na hipótese de aquisição de mercadoria por contribuinte do imposto ele pode ou não utilizá-la como consumidor final. Não o faz, como sabido, se a adquire como insumo de produção ou para revenda, caso em que não haverá DIFAL com a EC 87/2015.
Ocorre porém, que a Constituição Federal não cria Tributos, ela por ser uma Carta Política, apenas divide competências impositivas, e como tal, são autorizações para que os Entes Políticos (Estados) no exercício de suas respectivas autonomias, façam a exigência do tributo, sempre através de Lei.
Logo a obrigação tributária, sempre nascerá de uma Lei Complementar Nacional, que define, como no caso do ICMS, a LC 87/96, onde não está previsto o diferencial de alíquota para Micro e Pequenas empresas que aderiram ao SIMPLES.
Ou seja o recolhimento 2,4% exigido à titulo de Diferencial de alíquota não tem previsão para Micro e pequenas Empresas.
Se isso não bastasse essas empresas, na maioria das vezes adquiriram produtos sujeitos a Substituição Tributária, Logo um novo recolhimento estaria ocorrendo sobre o mesmo fato gerador, o que a legislação veda.
Foi nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal, concedeu a liminar suspendendo a cobrança do diferencial de alíquota das Micro e Pequenas Empresas. Abaixo o inteiro teor da decisão.
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.464 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
REQTE.(S): CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CFOAB
ADV.(A/S): MARCUS VINÍCIUS FURTADO COÊLHO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S): CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA FAZENDÁRIA - CONFAZ
ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
DECISÃO:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), tendo por objeto a cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015 editado pelo CONFAZ, que dispõe “sobre os procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em outra unidade federada”, por ofensa aos arts. 5º, II; 145, § 1º; 146, III, d; 150, I, II e IV; 152; 155, § 2º, I; 170, IX; e 179 da Constituição Federal.
Eis o teor do dispositivo questionado:
“Cláusula nona Aplicam-se as disposições deste convênio aos contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em relação ao imposto devido à unidade federada de destino” (grifei).
Alega o autor, também, haver ofensa ao art. 97 do Código Tributário Nacional e às disposições da Lei Complementar nº 123/06. Sustenta que o CONFAZ não poderia determinar a aplicação do convênio em debate às microempresas e às empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional, em razão da ausência de lei complementar e de norma constitucional nesse sentido.
Relata que o convênio em questão estabeleceu as diretrizes gerais “do novo regime de recolhimento de ICMS em operações e prestações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto, decorrentes da Emenda Constitucional nº 87/2015”.
Expõe que, no regime tributário da LC nº 123/06, criado para dar tratamento diferenciado e favorecido àquelas empresas, os tributos são calculados “mediante aplicação de uma alíquota única incidente sobre a receita bruta mensal e, posteriormente, o produto da arrecadação é partilhado entre os entes tributantes”. Além disso, não haveria a incidência de ICMS “em cada operação de venda realizada, mas sim um fato gerador único verificado no final de cada mês-calendário”. Defende, ainda, que esse diploma limita o poder de tributar e evita surpresas em desfavor do contribuinte.
Assevera que “o CONFAZ alterou de forma profunda a sistemática de recolhimento do ICMS, inclusive para os pequenos negócios do SIMPLES NACIONAL”. Na sua concepção, a norma questionada desprestigia as empresas optantes do Simples Nacional e afeta desfavoravelmente essas empresas, além de ensejar, em face delas, a cobrança do denominado diferencial de alíquotas. Segundo sua óptica, não houve o atendimento das disposições constitucionais que estabelecem às microempresas e às empresas pequenas o direito à cobrança tributária unificada.
Sustenta o autor que a alteração da tributação relativa ao ICMS das empresas optantes do Simples Nacional depende de lei complementar. Alude que novas obrigações acessórias para tais empresas “somente poderiam ter sido instituídas na forma do artigo 1º, § 3º[,] da LC nº 123/2006, cujo desrespeito leva a sua inexigibilidade (§ 6º do mesmo artigo)”. Ademais, afirma não ser possível a cobrança do citado diferencial de alíquotas em razão do princípio da uniformidade geográfica. Da sua perspectiva, a norma enfrentada afeta difusamente a economia nacional e beneficia um reduzido número de contribuintes.
No tocante à concessão de medida liminar, menciona haver risco de “perecimento do próprio direito, no caso, de que os contribuintes do SIMPLES NACIONAL percam competitividade e cessem suas atividades”. Ressalta que o ato em questão está em vigor desde 1º/01/16. Refere que a norma questionada traz variados impactos como: acúmulo de créditos de ICMS, pois o convênio permite ao remetente compensar “os créditos [de] ICMS apenas com o imposto devido ao Estado de origem”; aumento do valor da operação, já que o ICMS não recuperado e o ICMS devido ao Estado de destino serão incorporados ao custo da operação; violação da não cumulatividade, pois o convênio determina a partilha gradual do correspondente ao diferencial de alíquotas entre o Estado de origem e de destino para, em 2019, ser integralmente recolhido para o Estado de destino; violação do princípio da legalidade, em razão da existência de reserva de lei complementar para dispor sobre tratamento tributário diferenciado e favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte; dificuldade em relação à precificação e à oferta das mercadorias, pois, “na metodologia de cálculo do imposto devido para o Estado de destino, o remetente deverá levar em consideração a alíquota interna aplicada naquela UF, assim como a alíquota interestadual cabível na operação”; relevante incremento de oneração relativa ao cumprimento de obrigações acessórias, em razão da “inevitável necessidade de parametrização dos sistemas eletrônicos das empresas e incremento da burocracia referente ao imposto”.
Aplicado o rito do art. 10, caput, da Lei nº 9.868/99, foi intimado o órgão requerido (CONFAZ), para prestar as necessárias informações a respeito do que contido na inicial, nas pessoas do Senhor Ministro de Estado da Fazenda e dos Senhores Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, no prazo comum de cinco dias e sucessivamente, no prazo de três dias (art. 10, § 1º, Lei nº 9.868/99), ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República.
Por intermédio da Petição nº 4.512/2016, protocolada em 11/2/16, o autor requer a juntada dos seguintes documentos: a) Parecer PGFN/CAT nº 1.226/2015; b) Estudo do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícia e Informações e Pesquisas do Estado de São Paulo (SESCON); c) Carta PRESDI nº 011, de 4 de fevereiro de 2016 do SEBRAE, encaminhada ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, contendo informações sobre os impactos do Convênio nº 93/2015, para os pequenos negócios, principalmente do setor de comércio eletrônico.
É o breve relatório. Decido.
Como relatado, diante da plausibilidade da alegada ofensa ao tratamento tributário diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional e dos riscos aduzidos pelo autor, entendi ser o caso de exame da medida cautelar requerida, motivo pelo qual apliquei o rito previsto no art. 10 da Lei nº 8.689/89, determinando a oitiva de todos os integrantes do CONFAZ, da Advocacia Geral da União e do Ministério Público Federal.
Não obstante, sobreveio a Petição nº 4.512/2016, protocolada em 11/2/16, mediante a qual o autor requereu a juntada de documentos agregando novos elementos de convicção. Examinados os elementos havidos nos autos – considerando a relevância do caso e que a impugnada cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015 se encontra em vigor desde 1º de janeiro de 2016 –, em caráter excepcional examino, monocraticamente, ad referendum do Plenário, o pedido de medida cautelar, sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a norma, conforme precedentes desta Corte, tais como: ADPF nº 130/DF-MC, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 27/2/08; ADI nº 4.307/DF-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 8/10/09; ADI nº 4.598/DF-MC, Rel. Min. Luiz Fux , DJe de 1º/8/11; ADI nº 4.638/DF-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1º/2/12; ADI nº 4.705/DF-MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa , DJ de 1º/2/12; ADI nº 4.635-MC, Rel. Min. Celso de Mello , DJ de 5/1/12; ADI nº 4.917-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 21/3/13; e ADI nº 5.184-MC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 9/12/14.
Presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora para a concessão da medida cautelar.
Inicialmente, registro que o Convênio ICMS nº 93/2015 como um todo é objeto de questionamento na ADI nº 5469/DF, também sob minha relatoria. Os elementos até então colacionados, no entanto, permitem a concessão de liminar, ad referendum do plenário, tão somente em relação à cláusula nona do referido convênio, objeto da presente ação direta. A cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015, a pretexto de regulamentar as normas introduzidas pela Emenda Constitucional nº 87/2015, ao determinar a aplicação das disposições do convênio aos contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e pelas Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional -, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em relação ao imposto devido à unidade federada de destino, acabou por invadir campo próprio de lei complementar, incorrendo em patente vício de inconstitucionalidade.
Eis o teor dos incisos VII e VIII, alíneas a e b, do art. 155, § 2º, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 87/2015:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
(…)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
(...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
(…)
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
a) (revogada); (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
b) (revogada); (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015).”
Como se vê, a Emenda Constitucional nº 87/2015, alterou, de forma profunda, a sistemática de recolhimento do ICMS. Pela redação originária dos referidos dispositivos constitucionais, a alíquota interestadual somente seria adotada, em relação às operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, quando o destinatário fosse contribuinte do imposto, hipótese em que caberia ao estado da localização do destinatário o imposto correspondente entre a alíquota interna e a interestadual. Caso o destinatário não fosse contribuinte do imposto, adotava-se a alíquota interna.
Nesse contexto é que foi firmado o Protocolo ICMS nº 21, de 1º de abril de 2011, do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), declarado inconstitucional pelo Plenário da Corte nos autos da ADI nº 4.628/DF, Rel. Min. Luiz Fux. Referido protocolo, ao determinar que o estabelecimento remetente seria o responsável pela retenção e pelo recolhimento do ICMS em favor da unidade federada destinatária, colidia frontalmente com a sistemática constitucional prevista pelo art. 155, § 2º, VII, alínea b, bem como com o art. 150, incisos IV e V, da Constituição.
Já o Convênio ICMS nº 93/2015, ora em discussão, adveio com a finalidade de regulamentar a nova EC nº 87/2015, a qual, ao alterar as redações dos incisos VII e VIII do art. 155, § 2º, da Constituição Federal, e ao incluir as alíneas a e b nesse inciso, determinou a adoção da alíquota interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, e dispôs caber ao estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do estado destinatário e a alíquota interestadual. Além disso, atribuiu-se ao remetente, quando o destinatário não for o contribuinte do imposto, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente ao citado diferencial de alíquotas, cabendo o recolhimento ao destinatário quando ele for contribuinte do imposto.
Se é certo que a Emenda Constitucional nº 87/2015 uniformizou o regramento para a exigência do ICMS em operações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outra unidade da federação, contribuinte ou não, não só fixando a alíquota que será adotada na origem (interestadual), como também prevendo o diferencial de alíquota a favor do destino em todas as operações e prestações, não é menos certo que o art. 146, III, d, da Constituição dispôs caber a lei complementar a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte. Dispõe o art. 146 o seguinte:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
(….....)
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de
enquadramento diferenciadas por Estado;
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.”
Com efeito, a Constituição dispõe caber a lei complementar – e não a convênio interestadual – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, o que inclui regimes especiais ou simplificados de certos tributos, como o ICMS (art. 146, III, d, da CF/88, incluído pela EC nº 42/03). A Carta Federal também possibilita a essa lei complementar “instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, observando-se, além de outras condições, a facultativa adesão do contribuinte, o recolhimento unificado e centralizado bem como a imediata distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados, vedada qualquer retenção ou condicionamento (art. 146, parágrafo único, III, da CF/88, incluído pela EC nº 42/03).
Por ocasião do julgamento do RE nº 627.543/RS, anotei que o Simples Nacional surgiu da premente necessidade de se fazer com que o sistema tributário nacional concretizasse as diretrizes constitucionais do favorecimento às microempresas e às empresas de pequeno porte.
Exatamente nesse contexto foi promulgada a Lei Complementar nº 123/06, a qual estabeleceu normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado a essas empresas no âmbito dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, especialmente no que se refere:
“I - à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;
I - ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;
II - ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão” (art. 1º da Lei Complementar nº 123/06).
Ressaltei no voto que proferi no citado recurso extraordinário que o conjunto dos dispositivos constitucionais que versam sobre o tratamento favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte, traduzem, para além de razões jurídicas, questões econômicas e sociais ligadas à necessidade de se conferirem condições justas e igualitárias de competição para essas empresas. Anotei, ainda, que o tratamento favorecido determinado pelo constituinte não importa em desoneração das obrigações fiscais, devendo o regime simplificado afigurar-se como uma adequação da carga tributária às particularidades do microempreendedor.
Dentro desse quadro jurídico especial, o microempreendedor, no tocante ao ICMS, nem sempre se submeterá a todas as regras gerais do imposto previstas no texto constitucional. No caso, a LC nº 123/06, que instituiu o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e pelas Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional -, trata de maneira distinta as empresas optantes desse regime em relação ao tratamento constitucional geral atinente ao denominado diferencial de alíquotas de ICMS referente às operações de saída interestadual de bens ou de serviços a consumidor final não contribuinte. Esse imposto, nessa situação, integra o próprio regime especial e unificado de arrecadação instituído pelo citado diploma. Nesse sentido, essas empresas não necessitam de recolhê-lo separadamente.
A norma questionada, todavia, contraria esse específico tratamento tributário diferenciado e favorecido. Isso porque ela acaba determinando às empresas optantes do Simples Nacional, quando remetentes de bem ou prestadoras de serviço, o recolhimento do diferencial de alíquotas em relação às operações e às prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em outra unidade federada.
O simples fato de a Emenda Constitucional nº 87/2015 não ter feito qualquer referência ou exceção à situação dos optantes do SIMPLES NACIONAL não autoriza o entendimento externado pelos estados e pelo Distrito Federal por meio da cláusula nona do Convênio nº 93/2015. Ao lado da regência constitucional dos tributos, a Carta Magna consagra o tratamento jurídico diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, conforme arts. 179 e 170, inciso IX, prevendo, no âmbito tributário, que lei complementar defina esse tratamento, o que inclui regimes especiais ou simplificados, no caso do ICMS (Constituição, art. 146, m, d), não tendo havido qualquer modificação dessa previsão constitucional com o advento da Emenda Constitucional nº 87/2015.
Corroborando esse entendimento, destaco as seguintes passagens do Parecer PGFN/CAT nº 1226/2015 (juntado pela autora), elaborado em razão de consulta realizada pelo Estado do Paraná relativamente à Proposta de Convênio ICMS nº 66/2015, da qual se originou a norma em tela:
“23. Entretanto, exclusivamente o fato de a Emenda Constitucional [EC nº 87/2015] não ter feito qualquer referência ou exceção à situação dos optantes do Simples Nacional equivale a dizer que é obrigatória a aplicação da novel regência a estes?
(...)
25. Com efeito, ao lado da regência constitucional dos tributos, a Carta Magna consagra o tratamento jurídico diferenciado e favorecido para as microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme artigos 179 e 170, inciso IX, prevendo, no âmbito tributário, que lei complementar defina este tratamento, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do ICMS (Constituição, artigo 146, III, ‘d’), não tendo havido qualquer modificação desta previsão constitucional com o advento da Emenda Constitucional nº 87.
(…)
27. Com fulcro nesta previsão, foi editada a Lei Complementar nº 123, de 2006, que disciplina, dentre outras coisas, o Simples Nacional, cuja sistemática é excludente do pagamento de diferencial de alíquota na saída interestadual geral de bens e serviços promovida por empresas optantes desta sistemática. (…)
30. Em caso semelhante, em que se questionava o princípio da não cumulatividade excepcionado pela legislação do Simples, o Supremo Tribunal Federal assim se orientou, verbis:
‘Esta Suprema Corte firmou orientação quanto à incompetência do Poder Judiciário para criação de benefícios fiscais. Por outro lado, toda a argumentação da agravante se volta à preservação da neutralidade do IPI pela não cumulatividade, sem versar sobre o fundamento constitucional especifico aplicável ao quadro, que é a racionalidade própria do tratamento diferenciado às micro e às pequenas empresas (art. 146, III, d da Constituição). Agravo regimental ao qual se nega provimento’. (STF, RE n° 488.455 AgR/PR, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, Julgamento 25/09/2012, publicação DJe214 DIVULG 29-10-2012 PUBLIC 30-10-2012-grifos nossos).
31. Constata-se que o referido precedente jurisprudencial encaminhou a solução da questão pelo critério da especialidade das normas, correspondente ao brocardo lex specialis derogat generali.
32. Ademais, considerou a unidade do Texto Constitucional e a coesão das normas, inclusive porque ‘a constituição deve ser interpretada deforma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas’.
(…)
33. Há que se acrescentar que, ainda que se entenda que os artigos 179, 170, inciso IX e 146, inciso, alínea d, da Constituição não têm o caráter de especialidade, seria inafastável a interpretação da Carta Constitucional segundo ponderação de princípios.
34. Efetivamente, se é verdade que a Emenda
Constitucional nº 87 privilegiou o princípio de equilíbrio da distribuição da receita tributária entre os entes federados, promovendo a repartição entre a origem e o destino na hipótese em análise, não menos verídico é que a Carta Constitucional consagra o tratamento jurídico diferenciado e favorecido para as microempresas e as empresas de pequeno porte em diversos artigos.
35. Ora, em se entendendo aplicável a Emenda Constitucional nº 87 aos optantes do Simples Nacional, não haverá, relativamente a eles, mera repartição de receita do ICMS entre as unidades da federação de origem e destino das operações nesta sistemática, mas concreto aumento de carga tributária, já que a responsabilidade pelo recolhimento do diferencial de alíquota é do remetente.
(...)
Pelo exposto e considerando a orientação que vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal - ao qual incumbe interpretar em definitivo a Constituição -, pode-se concluir que a Cláusula Nona da Proposta de Convênio 66/2015, ao determinar a extensão da sistemática da Emenda Constitucional nº 87 aos optantes do Simples Nacional, adentra no campo material de incidência da respectiva lei complementar disciplinadora, pois, como visto, a nova ordem constitucional não tem aplicabilidade direta a estes contribuintes.”
Em sede de cognição sumária, concluo que a Cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015 invade campo de lei complementar. Por essas razões, tenho que se encontra presente a fumaça do bom direito, apta a autorizar a concessão de liminar.
Presente, ademais, o perigo da demora, uma vez que a não concessão da liminar nesta ação direta conduziria à ineficácia de eventual provimento final.
Isso porque, como aduz o autor, “há risco de perecimento do próprio direito, no caso, de que os contribuintes do SIMPLES NACIONAL percam competitividade e cessem suas atividades”. De sua óptica, a norma enfrentada, em relação às empresas optantes do Simples Nacional, onera os impostos a pagar, traz custos burocráticos e financeiros, encarece os produtos, dificulta o cumprimento de obrigações acessórias, aumenta os “custos de conformidade em um momento econômico de crise” e embaraça a viabilidade de empresas de pequenos negócios que comercializam produtos para outros estados.
Dos estudos apresentados pelo SESCON-SP e pelo SEBRAE sobressai os efeitos nefastos que a exigência contida na cláusula nova do convênio causam aos optantes do SIMPLES NACIONAL, como sintetizado pela autora na petição datada de 11/02/2016.
“Ademais, conforme o ‘Estudo sobre a alteração do Convênio CONFAZ 93/2015 para as empresas do Simples Nacional e RPA’, elaborado pelo SESCON-SP (ANEXO 2), verifica-se o aumento expressivo da carga tributária recolhida pelas empresas do Simples Nacional, o que pode ser observado no gráfico ‘Alíquota Efetiva de ICMS na Operação SP X RJ Convênio 93/2015’, cuja análise ‘valor da alíquota’ por ‘tempo’ demonstra um escalonamento progressivo do montante de carga tributária recolhida pelas empresas de São Paulo que vendem seus produtos para o Rio de Janeiro: (...)
Acrescenta-se, ainda, que o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE – também tem demonstrado preocupação com os impactos que a Cláusula 9ª do Convênio nº 93/2015 do CONFAZ tem causado às micro e pequenas empresas do país (ANEXO 3).
Em documentação encaminhada pelo Diretor-Presidente da Instituição (ANEXO 4) a este Conselho Federal da OAB, o SEBRAE discorreu sobre os prejuízos e danos sofridos pelas empresas aderentes ao Simples Nacional após o Convênio nº 93/2015 do CONFAZ.
O que se extrai desta documentação é que a imposição das novas regras do ICMS às empresas que optaram ao Simples Nacional é uma ameaça à sobrevivência dessas empresas, relatando, em várias reportagens encaminhadas, o fechamento dos pequenos negócios brasileiros.
Cabe ressaltar ainda, que em Ofício nº 1901/2016 encaminhado pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico – Camara.net – ao Conselho Deliberativo Nacional do SEBRAE (ANEXO 5), a Camara.net esclarece que:
A esmagadora maioria dessas empresas (micro e pequenas empresas optantes pelo Regime do Simples Nacional) não está preparada para essa mudança e não tem condições financeiras de se adaptar a ela, eis que gigantes do setor já chegaram a ‘investir’ mais de R$ 1.000.000,00 apenas em sistemas e adaptações para atendimento das novas regras. (Ofício 1901/2016 Cama.net. p. 6)”.
Pelo exposto, concedo a medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário, para suspender a eficácia da cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015 editado pelo CONFAZ, até o julgamento final da ação.
Comunique-se.
Publique-se.
A julgamento pelo Plenário.
Brasília, 12 de fevereiro de 2016.
Ministro DIAS TOFFOLI
Relator
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Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br
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