Sociedade decente e a cultura da cruz: entre o equívoco e a escusa

02/05/2015

Por Atahualpa Fernandez - 02/05/2015

“No existe una forma amable de sugerir a alguien que ha dedicado su vida a una locura.”

Daniel Dennett 

Um dos grandes aportes de uma «sociedade decente» (aquela que, segundo A. Margalit, as instituições não devem humilhar às pessoas e cujos cidadãos não se humilham uns aos outros, uma sociedade que permite viver juntos sem humilhações, discriminações e com liberdade) é o laicismo fundamentado na liberdade de consciência (de expressão e de ação), na igualdade e na administração da justiça sem ter em conta as posturas de indivíduos cujo sistema de crenças é o único que se interpõe entre eles e um comportamento repulsivo. Um modelo de sociedade, um modo de vida, que não debilita “al mundo, convirtiéndolo en presa de los hombres malvados, los cuales lo pueden manejar con plena seguridad, viendo que la totalidad de los hombres, con tal de ir al paraíso, prefiere soportar sus opresiones que vengarse de ellas.”(Maquiavelo)

Sobra dizer, por um lado, que uma postura como esta fomenta - como não poderia deixar de ser - uma profunda indignação nos iracundos membros da comunidade formada pelos adoradores de Cristo, especialmente entre os católicos apostólicos romanos que ainda vivem ideológica, servil e acriticamente à sombra do poder e influência da Santa Igreja católica[1]. Por outro, que dita postura também dista muito de ser ofensiva para aqueles que são ateus ou não tem religião, para os que professam outros credos religiosos ou desfrutam de outras formas de mover-se pelo mundo. Aliás, dito seja de passagem, o mais perigoso do laicismo para um fanático é que não tenha religião “fuera del ámbito de su intimidad, o ni siquiera”. (G. Morán)

O fato é que, visto assim, a laicidade, como nêmesis pública da tirania religiosa, constitui um bárbaro atentado e/ou uma abominável heresia a uma religião com tendências imperialistas e que considera o símbolo da cruz como seu valor essencial. Uma simbologia extemporânea estabelecida como identidade e característica de um conjunto de crenças, ideias, valores, práticas, instituições, artefatos, costumes e mitos construídos pela imaginação de um determinado grupo humano, e que são passados de uma geração à seguinte (R. F. Baumeister). Uma carga cultural retrógrada, um mundo compartido de sentidos ou significados relacionados com o poder, a dominação e a submissão, em que os cristãos, empacados em tempos pré-modernos de uma ordem teocrática medieval, parecem não estar dispostos a renunciar facilmente à ideia de que «devem ser» (ou «são») os gestores exclusivos da religião do Estado e de que a fé «deve ser» (ou «é») assunto público.

Claro que a estupidez, como uma variante da barbárie e filha da ignorância, existiu sempre e que os estúpidos, independentemente de qualquer outra característica, são perigosos e influem sobre outras pessoas com intensidade muito diferente (C. M. Cipolla). O insólito é que, apesar do difícil que resulta imaginar e entender o poder devastador e destrutor da estupidez, esta nunca havia tido tanta transcendência. O que redunda ainda mais espetacular e chocante, em grado sumo, a supina insipiência teológica da maior parte dos que se dizem cristãos e/ou católicos, consagrados a fazer todo tipo de ginástica mental para vindicar a relevância e a glória do ritualismo, da renúncia da própria autonomia, do obscurantismo, do mais obtuso sentido alegórico da fé, da propagação da «verdadeira» religião e do temor de Deus. Afinal, quantos católicos leem alguma vez (com atenção e sobretudo por inteiro) a Bíblia[2]? Quantos fiéis só conhecem o Novo Testamento através dos fragmentos lidos durante a missa ou outros rituais de purificação? Quantos já miraram alguma vez, simplesmente por curiosidade, alguma encíclica? Quantos têm uma mínima noção da história do cristianismo e da Igreja?

Pois bem, ao abrir o livro negro dessa tradição nos damos conta de que o cristianismo e o catolicismo da Igreja romana escondem, detrás de um crucifixo interpretado como redenção, uma cultura e uma história de violências, intolerâncias, atrocidades e conflitos. Em nome da cruz se promoveu e favoreceu ativamente o assassinato, a aniquilação e a guerra contra as pessoas que professavam outra religião. No passado, e ainda na atualidade (já não mais de forma sutil e a despeito da doutrina da «revelação progressiva»[3]), fanáticos e fundamentalistas religiosos seguem pregando a discriminação de comunidades inteiras, ensinando que Deus quer que disseminem sua sagrada palavra pelo mundo e que, portanto, para a efetiva consecução da «justiça divina», é «bom» excluir, eliminar, destruir, suprimir, discriminar, restringir a liberdade de expressão e «dar socos como resposta» aos inimigos da fé (Papa Francisco).

Essa é a verdadeira mensagem que em sua essência transmite hoje, por exemplo, a Igreja de Roma, comodamente instalada na avidez da riqueza e na imunidade fiscal, na usurpação espiritual e no sistemático abuso sexual de menores, na intolerância e na marginalização, na exclusão sexual[4] e na pedofilia, no palavreado místico e na dessorada «retórica da atração», na ameaça com o fogo infernal[5] e em mistérios radicalmente inacessíveis ao entendimento humana - e cuja validez, há que dizer, depende exclusivamente do que dizem as Sagradas Escrituras. Uma multinacional dedicada a explorar a corrosiva gangrena da ignorância alheia e das fraquezas do intelecto humano, obcecada com manter a raça humana em um estado constante de miséria e sofrimento, inclusive se para isso necessita recomendar que os pais golpeiem e castiguem a seus filhos (Papa Francisco); um sistema de pensamento ou fenômeno institucional que “ha hecho y sigue haciendo mucho daño al mundo, por más que reivindique que la bondad es su patrimonio” (A. C. Grayling).

Que os fiéis cristãos, pastores e os sacerdotes busquem em nome da cruz, e no reino de Deus, impor mediante impacientes impulsos sádicos essa forma de ideologia dominante, discriminatória e excludente é algo que entra em suas prerrogativas inalienáveis. Mas, em uma dimensão mais terrenal e constitucionalmente laica, essa prerrogativa tem um limite muito claro: os direitos próprios dos demais, dos indiferentes e dos avessos ao despotismo religioso e/ou à superioridade moral em nome de um deus qualquer.

Daí que a presença de crucifixos no âmbito público pode representar um desconforto e um transtorno para os indivíduos-cidadãos que professam outras religiões e para os (indíviduos-cidadãos) ateus, uma forma de «silenciosa» domesticação ou perigoso condicionamento de que se serve a religião para aumentar sua autoridade, supremacia e influência, minando a liberdade de pensamento com determinadas doutrinas (e símbolos) como se fossem verdadeiras e com a intenção de que todos as aceitem independentemente das razões que possam existir a favor ou em contra destas e de outros credos e/ou teorias em disputas.

Um indivíduo pode crer em Deus; outro pode sofrer ao pensar na enorme quantidade de crianças que ainda vivem em situação de extrema pobreza ou denunciar o fato de que inculcar “a los niños las diversas falsedades de las distintas fes que compiten (que compiten, sí) es una forma de abuso infantil y un escándalo” (A. C. Grayling)[6]. Um indivíduo pode aceitar os ditados da Igreja, tolerar os abusos e a pedofilia dos sacerdotes, e condenar «à tort et à travers» aqueles que exercem o legítimo direito de crer que “a palavra Deus não é nada mais que a expressão e produto da debilidade humana, a Bíblia uma coleção de lendas honoráveis mas ainda assim primitivas lendas e a religião uma encarnação das superstições mais infantis” (A. Einstein). Outro pode comungar e/ou ocultar uma espécie de desprezo disfarçado às demais religiões, uma maneira de não considerar os «não cristãos» ou «não católicos» nunca como iguais ou, baixo a máscara da caridade[7], patrocinar (ativa ou passivamente) o triunfo do preconceito, o amor pela discriminação e o ódio pelo ser humano.

Mas, independentemente de nossas posições pessoais, seja de acordo com uma ideologia progressista ou conservadora, em termos confessionais ou laicos, é absolutamente necessário e indispensável reconhecer que em nome dessa religião (o cristianismo) e desse «símbolo» (a cruz) já se cometeram os crimes mais inumanos e bestiais de que a história nos mostra todo um catálogo de monstruosos exemplos. E se seguem cometendo com as proibições contra o inalienável direito dos seres humanos de administrar a autonomia do conhecimento, a liberdade individual e a identidade sexual – para dizer o mínimo. Se é essa  nossa «herança cultural» segundo declaram os que qualificam de «aberrantes» o laicismo e a liberdade, por que não assumir também o lado escuro e turvo da cruz como simbologia de poder, dominação e intolerância fanáticas?

Afirmar que o crucifixo tem “uma função simbólica altamente educativa e que sempre foi um sinal de oferta do amor de Deus e de união e acolhida para toda a humanidade", que a religião constitui um “mecanismo eficaz de inibição da violência, da correção de rumos e da solução de desentendimentos”, que “tantos ensinamentos filosóficos que constam das escrituras sagradas (...) poderiam ter levado à solução pacífica dos conflitos e guerras que assolaram a humanidade” ou que “a justiça humana será tanto menos falha quanto mais se inspirar nos valores cristãos e na justiça divina, uma vez que 'fazer justiça' é, de certo modo, exercer um atributo divino”, é fácil, rápido e barato. Uma amostra da intencionada e arbitrária dificuldade na experiência de dar-se conta de que a realidade, para o bem ou para o mal, resiste à distorção mental fácil e, o que é ainda mais grave, de um cinismo atroz e sádico e/ou de uma ignorância imperdoável e irredimível. É «vender» sem remordimentos o que em certa ocasião disse Leibniz sobre a conveniência de negar a evidência: “Es necesario hacer caer al mundo en la trampa, aprovecharse de su debilidad, y engañarlo para curarlo”.

Também não faltam os fiéis de plantão e os habituais peritos em legitimação -  esses mestres das contorções mentais atrelados ao insaciável desejo de mandar e a inexorabilidade de ser mandado[8] - para afiançar, justificar e propagar, com airado júbilo, que a retirada do crucifixo dos espaços públicos é «ideológica». Que nos falem então da violência na cultura histórica do cristianismo e da Igreja romana apostólica, das fogueiras contra a razão herética que por si só fez avançar a humanidade.

Se o que se pretende defender e predicar é sua função salvadora para todos, então do mesmo modo há que reconhecer e indicar que a crença em um determinado estado de coisas (algo que dá a impressão de ser normal no momento presente) é o resultado da história (ou evolução) do objeto ou o processo de que se trate (J. McWhorter), porque ao princípio a cruz não era mais que um signo para identificar os lugares clandestinos de oração e culto; um símbolo tardiamente imposto que vale por um ritual de morte, um objeto de tortura especialmente doloroso e cruel, de extrema, despiedada e descomunal violência, hostil aos demais, às outras culturas, histórias e religiões. Com efeito, a qualquer pessoa dos tempos de Jesus[9] lhe haveria resultado igual de ridículo, patético e chocante ver a um cristão com uma cruz ao pescoço ou ajoelhado ante a imagem de um crucificado.

Portanto, e aqui termino, a postura de restringir este símbolo cristão ao âmbito privado não somente plasma toda uma «declaração de princípios», senão que também (i) afirma a máxima segundo a qual em uma sociedade decente, livre e aberta, as crenças fundamentais relativas a compromissos religiosos e axiológicos devem adotar-se de maneira autônoma e voluntária; (ii) recorda que as normas da moral a que chamamos civilizada proíbem privilegiar uma crença religiosa em detrimento de outras; (iii) assegura o imperativo segundo o qual ninguém, nem as comunidades religiosas, tem direito a solicitar o auxílio do Estado para que os ajude a inculcar seus credos e doutrinas particulares, nem tão pouco para que seus dogmas, símbolos, costumes, normas ou mitos fundacionais se perpetuem através de seus (e de outros) descendentes[10]; e (iv) garante a premissa segundo a qual em uma sociedade liberal, pluralista e multicultural o Estado tem a obrigação e a responsabilidade ética, jurídica e política de promover, em condições de igualdade, a tolerância e o reconhecimento de valores diferentes, religiosos e não religiosos.

Mantendo-se tudo igual, a liberdade é sempre melhor. Não existe nenhuma escusa ou argumento moral sólido em sentido contrário, tenhamos em conta ou não todas as crenças religiosas que nos ensinam a amar a opressão, a adorar todos os meios que nos reduzem à passividade e à inércia, a admirar aqueles que anulam nossa capacidade para pensar com autonomia e sensatez, “a maior e mais universal causa da corrupção de nossos sentimentos morais”. (Adam Smith)


Notas e Referências:

[1] “A Puta de Babilônia”, como chamavam os albigenses à Igreja de Roma ao perorar contra “las riquezas y la corrupción del clero”, segundo a expressão do alucinado Livro que escreveu São João na Ilha de Patmos aos 100 anos, o Apocalipse: “Ven y te mostraré el castigo de la gran ramera con quien han fornicado los reyes de este mundo. La mujer estaba vestida de púrpura y escarlata; resplandecía de oro, de piedras preciosas y perlas; y tenía en la mano una copa de oro llena de las inmundicias de su fornicación, y escrito en la frente su nombre en forma cifrada: Babilonia la grande, la madre de las meretrices y abominaciones de la tierra (Apocalipsis 17:1-5). [...] “Al papa lo llamaban «el Anticristo»." (F. Vallejo)

[2] Que, segundo Saramago, “es un manual de malas costumbres, un catálogo de crueldad y de lo peor de la naturaleza humana”. Uma genial e singular resenha literária da Santa Bíblia como uma antologia de horror de escala e longitude épicas: http://revoltdaily.org/review-of-the-holy-bible/.

[3] A crença cristã de que Deus foi revelando pouco a pouco sua mensagem à humanidade. E, nesta revelação, uma mensagem pode suplantar a anterior. A teologia de São Paulo é talvez a mais emblemática disto: “Con Cristo, muchos aspectos de la antigua revelación, contenida en la Ley de Moisés, quedan superpuestos por la nueva revelación. Y, por regla general, en el cristianismo, la revelación que superpone a la anterior suele ser más pacífica. No es del todo cierto que en el Nuevo Testamento todo sea paz y amor, […] pero sí podríamos decir que, en términos generales, el Dios del Nuevo Testamento es más amable que el vengativo Yahvé del Antiguo Testamento”. (G. Andrade)

[4] Quatro séculos depois de Paulo outro Santo, Jerônimo (coetâneo de Santo Agostinho), o pai ocidental da Igreja e autor da versão latina – a  Vulgata – da Bíblia oficialmente admitida pela Igreja romana (e a única versão canônica depois de Trento, em 1548), havia transformado a misoginia paulina em aberta ginecofobia: “La mujer es el portal del diablo, el camino  de la  maldad, el aguijón del alacrán, en una palabra, una cosa peligrosa”. “Dicho sea de pasada, otra fórmula ginefóbica de Jerónimo gozó de mucha reputación durante toda la Edad Media y el primer renacimiento: es aquella que declara la sabiduría filosófica incompatible con la atención a la mujer: "non posse simuli uxori et philosophiae servire" (Adversus Iovianum). Hans Baron describe la influencia de esta consigna de Jerónimo entre los humanistas italianos del trecento.” (A. Domènech).

[5] Ao castigo eterno no lugar mais mais horrível, para sempre, muito distante da persuasão racional. Afortunadamente, nem sempre esse signo de intransigente condenação/salvação presidiu este tipo de iniciativa. A função dos sacramentos, sobretudo o da penitência, é aliviar ao fiel de uma terrível tensão e permitir-lhe alternar a culpa, o arrependimento e absolução em um vai e vem que escandalizava tanto a Calvino como a Freud. Por outro lado, não há dúvidas de que foi um verdadeiro golpe de gênio por parte da Igreja inventar no século XII, baixo pressão popular e em resposta aos milenarismos, a noção de Purgatório, essa grande sala de espera, um lugar entre o Paraíso e o Inferno que autoriza aos seres humanos de vida medíocre, nem muito boa nem muito má, a saldar suas dívidas com o Altíssimo. Ao modificar “la geografía del más allá”, o Purgatório instaurou todo um sistema de “mitigação de condenas”, introduziu na fé a noção de ragateio com todos os excessos que conhecemos e que desencadearam a fúria dos reformados, e se converteu em uma técnica, um tranquilizante psicológico que permite que qualquer falta deixe de acarretar uma infinita e eterna degradação no Inferno (S. Freud, em seu prefácio a Los hermanos Karamazov, de F. Dostoyevski). Ademais, esta espécie de recuperação póstuma, sempre condicionada e dependente da infinita misericórdia do Criador, também proporciona aos vivos um meio para obrar e dialogar com os defuntos graças às orações (P. Bruckner).

[6] Richard Dawkins o expressa assim: “Creo que todos deberíamos hacer una mueca de dolor cuando oímos que un niño pequeño es etiquetado como perteneciente a una religión particular o a otra. Los niños pequeños son demasiado jóvenes como para decidir sus puntos de vista sobre los orígenes del Cosmos, sobre la vida y sobre la moral. El propio sonido de la frase “niño cristiano” o “niño musulmán” nos debería dar tanta dentera como las uñas arañando una pizarra (…) Nuestra sociedad, incluido el sector no religioso, ha aceptado la ridícula idea de que es normal y correcto adoctrinar a niños pequeños en la religión de sus padres, y colocarles etiquetas religiosas –“niño católico”, “niño protestante”, “niño judío”, “niño musulmán”, etc.-, aunque no acepta otras etiquetas comparables: no se dice niño conservador, niño liberal, niño republicano, niño demócrata. Por favor, por favor, mejoren su conciencia acerca de esto y súbanse por las paredes cuando lo escuchen. Un niño no es un niño cristiano, ni un niño musulmán, sino un niño de padres cristianos o un niño de padres musulmanes. Esta última nomenclatura, por cierto, sería una pieza excelente para la mejora de la conciencia de los propios niños. Una niña de quien se dice que es “hija de padres musulmanes” inmediatamente se dará cuenta de que la religión es algo que ella puede elegir –o rechazar- cuando sea lo suficientemente mayor como para hacerlo.”

[7] Não percamos de vista o mal que há na caridade: a caridade é a antítese dos direitos humanos. A dignidade humana é pisoteada pela caridade e sua forma cristã de humanitarismo, donde as espórtulas de «aceitação», «tolerância» e «redenção» se oferecem de forma seletiva ou são impostas desde o exterior de maneira caprichosa, contingente e temporal. A caridade, pelo geral, só beneficia ao doador, quase sempre em algum tipo de ato público interessado, e ofende a humanidade daqueles que se encontram no lado receptor: sua humanidade resulta maltratada pela dependência forçosa de outras pessoas (D. Raventós & J. Wark). A caridade, enfim, como uma questão de imagem e sutil forma de perversão da noção de respeito, "degrada a quien la recibe y enaltece a quien la dispensa"(George Sand).

[8] “El vicio de la servidumbre voluntaria”, para empregar a expressão do autor do famoso « Discours de la Servitude volontaire», Étienne de La Boétie. Recordemos algo que, provavelmente, olvidamos no caminho: tal e como aponta La Boétie, a reflexão, a observação, os livros e a educação, mais que qualquer outra coisa, realmente  «brindan el juicio para comprender la propia naturaleza de la tiranía y aborrecerla. […] No les pido que coloquen las manos sobre el tirano para derribarlo, sino simplemente que ya no lo apoyen más, entonces lo verán, como un gran coloso cuyo pedestal ha sido apartado, caer por su propio peso y romperse en pedazos». É interessante reflexionar sobre a razão pela qual La Boétie considerava a servidão voluntária um vício e não uma virtude, tal e como se encarregaram de sublinhar durante largos e monótonos séculos os fundadores do cristianismo, as sucessivas religiões do mundo e as convenções sociais mais arraigadas em nossas carnes. A chave estriba em que, segundo La Boétie, a servidão contradiz, na verdade, nossa própria natureza: a libertade é um bem cuja perda para toda «persona de honor hace que la vida sea amarga y la muerte un beneficio».

[9] Nota bene: “Jesús no fue nunca cristiano. Era un hebreo observante, que permaneció como tal hasta su muerte y que jamás habría imaginado dar origen a una nueva religión y mucho menos fundar una «Iglesia». No se proclamó jamás y rechazó siempre el título de Mesías. Joshua bar Joseph era un profeta judío itinerante, exorcista y sanador, un misionero apocalíptico que anunciaba en las aldeas de Galilea el euangelion (buena noticia) de la llegada inminente, más aún amenazadora, del Reino por obra de Dios, el triunfo del Reino en donde los últimos serían los primeros. Predicaba en arameo, exclusivamente para sus correligionarios judíos, y si alguno de los apósteles barruntó que fuese Cristo (traducción griega del hebreo meshiah y del arameo mashiha, «ungido») lo fulminó con un anatema: «Vade retro me Satana!» (Marcos 8, 33) [expresión de la Vulgata latina, incorporada al uso proverbial, con el que Jesús rechaza violentamente la esperanza de Pedro («Tú eres el Cristo», 8, 29)]. La idea de ser considerado «Dios verdadero de Dios verdadero, engendrado, no creado, de la misma naturaleza que el Padre» - según el «Credo» del concilio de Nicea, aún en vigor en la Iglesia católica – le habría ocasionado un indecible horror.” (P. Flores d´Arcais).

[10] Depois de tudo, todos “los niños nacen ateosellos no tienen idea de dios”. (Paul Henri Thiry d'Holbach)


Atahualpa Fernandez

Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España


Imagem Ilustrativa do Post: Anzac Day (...) // Foto de: badjonni // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/badjonni/471367815 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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