SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL (S.A.F.) — LEI N. 14.193/2021 ASPECTOS FUNDAMENTAIS  

18/08/2021

1. Apesar de o futebol possuir grande importância como patrimônio cultural brasileiro (relacionando-se com a paixão de milhões de pessoas e com a própria identidade nacional), muitos clubes (a grande maioria) encontram-se extremamente mal geridos e endividados, limitados ao papel de exportadores de jogadores. Estes, cada vez mais cedo, saem do país rumo a mercados mais ricos (não apenas da Europa, mas também norte-americano, chinês, árabe etc.), em troca de pequenos e fugazes respiros financeiros às equipes, sem deixarem qualquer retorno ou legado desportivo por aqui.

1.1. Diversos fatores podem explicar este sucateamento, mas, dentre estes, percebem-se falhas na estrutura institucional do futebol brasileiro, seja em âmbitos mais amplos (como na Confederação Brasileira de Futebol – CBF) seja, em nível mais fundamental, na formatação jurídica dos próprios clubes.

1.2. Isso porque, historicamente, os clubes de futebol são estruturados como associações civis, regidas por normas que não favorecem modelos de governança, transparência e responsabilização de seus mandatários, o que viabiliza sua captura por pessoas e grupos mais interessados em promoção e enriquecimento pessoal do que no desenvolvimento das atividades desportivas (os famigerados “cartolas”). 

1.3. Mesmo em não existindo má-intenção dos dirigentes, a gestão amadora torna os clubes excessivamente dependentes de aspectos pessoais dos mandatários, sem uma desejada estabilidade institucional.

1.4. Este cenário, marcado pela insegurança, torna muito difícil que as entidades desportivas consigam atrair recursos (financiarem-se) a fim de soerguerem-se e superarem eventuais dificuldades, além de manterem níveis desportivos minimamente equivalentes ao de equipes estrangeiras.

2. É por tais razões – e neste contexto – que, no último dia 06 de agosto de 2021 foi sancionada (com vetos) a Lei nº 14.193/21, instituindo a Sociedade Anônima do Futebol – S.A.F, dispondo sobre os mecanismos de governança destas sociedades, além de criar meios de financiamento (como as debêntures do futebol) e manejo do passivo das entidades esportivas ligadas ao futebol (como a possibilidade de gerirem dívidas em concurso de credores e submeterem-se à recuperação judicial ou extrajudicial).

2.1. Fruto de amplo debate entre os agentes do setor (clubes, jogadores, credores, federações etc.), a Lei busca não apenas criar instrumentos específicos de gestão financeira, mas, no que é notável, melhorar o ambiente de negócios do futebol brasileiro (por meio de regras de governança, transparência e responsabilidades), viabilizando soluções de mercado à suas crises.

Ao adotar a forma de S.A.F nos termos da Lei em comentário, as atividades futebolísticas passam a se qualificar como empresárias, submetendo-se ao estatuto do empresário, atraindo-se, inclusive, o direito concursal. Assume-se a condição de companhia, mercantil e empresária, todavia, singular ou única, diante de um importante desafio, que repercute, sobretudo, no modelo de governança, pois a nova entidade empresarial deverá levar em consideração o “futebol” como patrimônio cultural da Nação Brasileira e, nesse aspecto, conciliar, de certa forma e medida, o interesse público com o coletivo. 

2.2. E, deste modo, vale destacar que as soluções de mercado não se apresentam como excludentes dos aspectos culturais (mais românticos, poder-se-ia dizer) do futebol brasileiro, muito pelo contrário, com eles se articulam, permitindo aproveitar todo o potencial econômico dessa paixão, gerando resultados que retornarão em seu benefício (com consequente incremento de competitividade desportiva e ganhos sociais).

2.3. Neste sentido, a Lei nº 14.193/21 expressa destacada preocupação em manter e valorizar os aspectos históricos e culturais dos clubes, não simplesmente transformando-os em sociedades empresárias (o que é possível), mas permitindo a cisão de seus departamentos de futebol para constituição da Sociedades Anônimas do Futebol, além de mantê-los como acionistas desta, inclusive (e principalmente) com direito de veto em questões relacionadas a alterações de nome, sede e modificação dos signos identificativos da equipe (como símbolo/brasão, hino e cores).

2.4. É importante destacar que os instrumentos veiculados pela nova Lei são facultativos, de forma que somente aqueles clubes (associações) que aprovarem sua utilização (na forma de seus estatutos) passarão a deles se beneficiar (não há qualquer imposição legal).

É certo, portanto, que a adoção da forma de Sociedade Anônima do Futebol (S.A.F.) é facultativa, todavia a natureza empresária da organização, em se mantendo a forma de associação, poderá ser alcançada pela inscrição dos seus atos constitutivos perante a Junta Comercial de competência. Deste modo, ter-se-á uma associação equiparada à sociedade empresária, para todos os efeitos. Tal conclusão decorre da adição, pela Lei em comentário, do parágrafo único ao artigo 971 do Código Civil, com a seguinte redação: “Aplica-se o disposto no caput deste artigo à associação que desenvolva atividade futebolística em caráter habitual e profissional, caso em que, com a inscrição, será considerada empresária, para todos os efeitos”.  

3. Sobre a constituição destas novas sociedades, a Lei de saída estabelece todas as ações da S.A.F serão originalmente subscritas pelo clube ou pessoa jurídica que a constituiu (em troca de ações ordinárias de classe A), bem como que ela sucederá estes nas relações contratuais e com as entidades de administração, bem como (e principalmente), nas relações desportivas, assumindo a posição daquele nas competições, sem qualquer prejuízo.

3.1. No caso de cisão do departamento de futebol, todos os direitos de pertinência desportiva deverão ser transferidos à S.A.F. (o clube não poderá mais participar de competições) e os demais bens (sejam imóveis, como estádios, centros de treinamento etc., sejam bens de propriedade intelectual, como nome, escudos, cores etc.) deverão ser conferidos à integralização do capital social desta ou objeto de contratos que regulem sua utilização temporária mediante remuneração. Note-se que, por expressa disposição legal, tais transferências em regra não dependem do consentimento de credores ou outros interessados (salvo se assim decorrer de contrato ou outro negócio jurídico).         

4. Em termos de governança (e, portanto, de criação de um ambiente propício à atração de investimentos), é bastante salutar que a Lei, apesar de criar novos instrumentos, tenha se aproveitado (em larga medida) da sólida base disponibilizada pela Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas - LSA), verdadeiro porto seguro da estruturação da atividade econômica no país.

4.1. Assim, a S.A.F deverá atender a todas as regras de publicidade contidas na LSA em termos de divulgação de demonstrações financeiras, além de garantir todos os direitos aos acionistas minoritários, conforme plexo normativo naquela contido. Ademais, a LSA possui institutos bastante consolidados (com doutrina e jurisprudência muito desenvolvidas a respeito) atinentes ao funcionamento dos órgãos sociais, exercício de voto, distribuição de resultados, responsabilização de administradores e controladores e outros (reforçando a segurança jurídica aos investidores e aos stakeholders em geral).

4.2. Adicionalmente ao direito de veto já referido, enquanto as ações ordinárias de classe A corresponderem a pelo menos 10% do capital votante, o voto afirmativo de seu titular será requisito para aprovação de qualquer alienação ou disposição dos bens originalmente conferidos à S.A.F, atos de reorganização societária ou trespasse, dissolução/liquidação/extinção e participação em competições desportivas. Obviamente, a alteração estatutária para modificação ou supressão dos direitos atribuídos às ações ordinárias de classe A depende da aprovação prévia de seus titulares.

4.3. Em relação ao acionista controlador, este não poderá deter participação direta ou indireta em outra S.A.F e mesmo o acionista que detiver 10% (dez por cento) ou mais do capital de uma S.A.F, sem controlá-la, perderá direito a voz e voto nas assembleias gerais (e não poderá participar de sua administração) se detiver participações em outras companhias do mesmo tipo.

O artigo 4º da Lei 14.193/21 refere-se ao acionista controlador, mas não traz, de modo particularizado, a quem compete o poder de controle, aplicando-se a LSA, mesmo diante das limitações que podem ser opostas pelos acionistas detentores de ações ordinárias da classe A.

Exercer a administração de uma sociedade ou de um grupo de sociedades exige muita atenção, especialmente no caso que se apresenta, diante da necessidade de conciliar as atividades futebolísticas empresárias ao interesse público, vinculado ao patrimônio cultural da Nação. Ao lado disso, a visão do administrador ou dos administradores deve ter estreita relação com os interesses sociais e com as orientações éticas derivadas do poder de controle. Os interesses sociais somente estarão sendo visados se, de um lado, os atos de gestão, as decisões e as políticas forem compatíveis com o objeto social e, por outro, o comportamento dos dirigentes for colaborativo para o justo equilíbrio das forças entre acionistas majoritários e minoritários.

A caracterização do poder de controle é tema candente em direito societário, comportando interpretações das mais variadas, sendo certo, mesmo que tecnicamente questionável, o entendimento de que exercerá o poder de controle aquele (pessoa natural ou jurídica) que detém o poder de fato de fazer maioria e controlar os sistemas de deliberações sociais, fazendo uso desta força e prerrogativa com efeitos concretos.

A LSA (6.404/76) explicita o poder de controle a partir da definição de acionista controlador, nos termos do artigo 116, assim sistematizado:

Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

No parágrafo único do mesmo dispositivo legal supracitado, o legislador ressalva quanto aos deveres adicionais do controlador, a saber: “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”.

Lucas Marsili da Cunha, ao comentar o dispositivo acima, esclarece que “a Lei Societária, portanto, caracteriza como acionista controlador aquele que cumprir o conjunto de requisitos anteriormente colacionados. Então, não basta possuir os requisitos referentes aos votos necessários para decidir as deliberações sociais e eleger a maioria dos administradores, é preciso que se imponha, por meio desses administradores eleitos, sua vontade para dirigir a companhia, orientando o funcionamento dos órgãos sociais”[i].

Por outro lado, o conteúdo do artigo 117 da LSA revela os atos que caracterizam abuso do poder de controle, cabendo a S.A.F redobrar a sua atenção em razão dos interesses envolvidos, não condensados apenas na lógica econômica e nos interesses empresariais.

4.4. Também em prol da governança, a Lei estabelece que as S.A.F obrigatoriamente possuirão Conselho de Administração e Conselho Fiscal em funcionamento permanente. Com o mesmo objetivo, determina que não poderão participar destes órgãos (ou da administração da companhia) os membros de órgãos de outras S.A.F, de outros clubes ou pessoas jurídicas originais, de entidade de administração, bem como atletas profissionais e treinadores com contratos vigentes, além de árbitros em atividade.

Olha só! Já se pode falar de governança corporativa, profissionalização e boas práticas também para os clubes, incipientes para a maioria deles e regra para os que passem a exercer atividades empresárias, diante da nova estrutura jurídica permitida pela L.S.A.F. Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa — IBGC, a Governança corporativa “é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”[ii]. O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC leva em conta quatro princípios básicos, a saber: Transparência, Equidade, Prestação de Contas e Responsabilidade Corporativa.

Objetivamente um bom sistema de governança traz eficiência para a gestão, reduzindo os custos de transação e minimizando os conflitos de agência, diante do estabelecimento de regras claras e transparentes, não limitadas às questões puramente operacionais, até porque é o sistema de governança que estabelecerá como é formado o voto e a quem compete votar nas AGOs, destinadas ao processo de tomada de contas, além de trazer esclarecimentos sobre os impedimentos e as abstenções obrigatórias, seja para votar, seja para representar a controladora, seja para presidir o ato (a assembleia). Percebe-se, assim, a riqueza que um bom sistema de governança traz para as sociedades e que, quanto mais dialogado e democrático, mais eficiente e transparente.

4.5. Neste contexto, a fim de evitar conflitos de interesses, a Lei fixa que os diretores da S.A.F deverão ter dedicação exclusiva à esta, sendo vedada a eleição de diretores e membros do conselho fiscal de empregados ou membros de órgãos do clube-acionista e a remuneração de membros do conselho de administração se estes forem associados ou membros de órgãos deste.

4.6. Ainda neste aspecto, a Lei estabelece importantes mecanismos de transparência, como obrigações de informar à entidade nacional de administração do desporto dados das pessoas naturais que direta ou indiretamente exerçam o controle de pessoas jurídica que detenham participação em S.A.F; além do dever de divulgar em sitio eletrônico diversas informações sobre os negócios sociais, seus administradores e relação de atualizada de credores (esta última se estiver em Recuperação ou em Regime Centralizado de Execuções).

4.7. Outro aspecto positivo da L.A.S.F diz respeito à instituição do Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE), com o objetivo de desenvolver ações conjuntas entre a Sociedade Anônima do Futebol e as Instituições Públicas de Ensino, valorizando a formação intelectual dos atletas e o acesso de meninas ao esporte, questões até então, não levadas a sério pelos clubes (art. 28), salvo exceções. Pode-se pensar, em um primeiro momento, que tal exigência repercutiria em aumento dos custos de transação, mas, por outro lado, a tendência é de obtenção de ganhos maiores, pois bons projetos nessas áreas repercutem na atração de investidores, que visam não apenas monetizar os seus investimentos, mas também, e igualmente, alocar recursos em empresas com compromissos sociais e ambientais institucionalizados.  

5. Sobre s obrigações da companhia (manejo de passivo e garantia aos credores), a Lei estabelece que a S.A.F não responde pelas obrigações do clube que a constituiu, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social. Todavia, cria estrutura que garante a responsabilidade destes por tais obrigações, mediante receitas próprias e pelo aporte de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, juros sobre capital próprio ou outra remuneração que o clube receba pela condição de acionista da S.A.F; e pela destinação de 20% (vinte por cento) das receitas mensais desta, no caso de recuperação judicial ou instituição de Regime Centralizado de Execuções pelo clube.

5.1. Dentre diversos mecanismos de garantia estabelecidos pela Lei, pode-se destacar a responsabilidade pessoal dos administradores das S.A.F pelo repasse dos percentuais acima referidos, bem como a responsabilidade pessoal dos dirigentes dos clubes em caso de inadimplemento das dívidas mesmo em face do recebimento destes recursos.

5.2. Outro instrumento criado com o mesmo objetivo é a proibição da transferência ou alienação do seu ativo imobilizado que contenha gravame ou tenha sido dado em garantia pelo clube (exceto mediante autorização do respectivo credor) enquanto este registrar, em suas demonstrações financeiras, obrigações anteriores à constituição da companhia.

5.3. Enquanto forem cumpridas as obrigações acima referidas, fica vedada qualquer forma de constrição (penhora, bloqueio etc.) do patrimônio e receitas da S.A.F, por dívidas anteriores à sua constituição.

6. De forma mais específica, a Lei autoriza os clubes a pleitearem Recuperação Judicial ou Extrajudicial (nos termos da Lei específica), afastando o entendimento pertinente à possibilidade de aplicação de tais institutos às associações (tão somente observando que os contratos de atletas não se resolvem por tal pedido, podendo serem transferidos á S.A.F).

7.1. A Lei também positiva o Regime Centralizado de Execuções, por meio do qual o clube poderá concentrar no juízo centralizador as execuções, as suas receitas e os valores arrecadados da S.A.F, bem como a distribuição desses valores aos credores em concurso e de forma ordenada mediante plano de pagamento.

7.2. Neste, o prazo para pagamento será de até 6 (seis) anos, prorrogável por mais 4 (quatro) se comprovado que, no período inicial, foram quitados ao menos 60% (sessenta por cento) do passivo original. Por outro lado, se findo o período básico sem adimplemento das obrigações, a S.A.F passa a, subsidiariamente, por elas responder (exceto se livremente estipulado no plano, mediante anuência dos credores).

7.3. É interessante notar, neste particular a preocupação da Lei com o incentivo às soluções negociais, na medida em que veicula um parâmetro básico, mas permite que o devedor e os credores, por sua autonomia da vontade, estabeleçam outras condições. No campo das negociações coletivas de dívidas, percebe-se que a Lei não traz cláusula majoritária, o que quer dizer que a minoria dissidente não está vinculada a um quórum majoritário.

7.4. Neste sentido, a Lei permite a cessão dos créditos a terceiros (que se sub-rogam na posição dos credores, inclusive trabalhistas, originais), a negociação para recebimento antecipado com deságio e mesmo a conversão da dívida em ações da S.A.F ou em títulos por ela emitidos).

8. Sobre o financiamento da atividade futebolística, ao Lei traz instrumentos específicos voltados para atração de investidores, a qual, como referido, já é potencializada pela adoção dos parâmetros de governança da LSA (dentre os quais se pode incluir, também, a obrigatória adoção de regras internacionais de contabilidade), já naturalmente voltada à captação de recursos no mercado por meio da emissão de valores mobiliários.

8.1. Para tanto, a S.A.F poderá emitir debêntures especiais denominadas “Debêntures-Fut”, que terão prazo de vencimento igual ou superior a 2 (dois) anos e serão remuneradas periodicamente por taxas não inferiores à poupança, podendo a lhes ser atribuída remuneração variável conforme receitas da companhia (vedada a recompra antecipada por esta ou parte relacionada).

8.2. Em que pese a engenhosidade envolvida no desenho do instituto, resta claro que a atratividade destes títulos para eventuais investidores dependerá, em larga medida, não do formato legal em si, mas da remuneração variável vinculada ao desempenho financeiro da S.A.F. (que dependerá do desempenho de sua equipe em campo – por premiações, aumento de bilheteria, valorização de jogadores – em um ciclo virtuoso de valorização desportiva e financeira).         

9. Como se pôde observar, a moldura institucional e a estrutura de incentivos que lhe é subjacente são determinantes para o sucesso de qualquer empreendimento, seja no que tange à atração de investimentos, seja, de forma mais específica, da própria gestão dos clubes.

9.1. Neste sentido, a Lei nº 14.193/21 veicula importantes mecanismos de gestão, governança, transparência e responsabilidade aos agentes envolvidos no futebol, os quais possuem grande potencial de melhoria deste ambiente de negócios (e, por consequência, de atração de investimentos ao setor).

9.2. Entretanto, há dúvidas se criou suficientes incentivos à adoção de tais institutos, na medida dos vetos presidenciais ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF). Explica-se: hoje, a maioria dos clubes, como associações, beneficia-se de diversas isenções sobre suas receitas. Com a transformação em sociedades anônimas, esta carga tributária, hoje inexistente, passaria para mais de 30% (trinta por cento), inviabilizando a adoção deste tipo societário, a despeito das demais vantagens contidas na Lei. Para evitar isso, a própria veiculava o TEF como forma de mitigar tal impacto, garantindo uma tributação próxima a 5% (cinco por cento).

9.3. Sem embargo, a Presidência da República vetou o Regime TEF, por considerar que implicaria renúncia de receitas, capaz de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Todavia, o argumento não se sustenta, mediante simples constatação do fato de que hoje, tais receitas não existem (os clubes operam como associações, isentas); logo, não haveria renúncia, mas incremento de receita (de zero para o percentual definido na nova Lei para as entidades que passassem a desenvolver suas atividades como S.A.F.). Por tal razão, sabe-se que há, no Congresso Nacional, forte articulação para derrubada destes vetos.

10. Conclui-se, portanto, que a Lei nº 14.193/21 é uma verdadeira luz no fim do túnel, capaz de trazer um sopro de vida ao hoje desolador cenário do futebol brasileiro, (marcado por clubes endividados e sem condições de competir com as principais equipes do mundo), tarefa que se tornará mais provável se derrubados os vetos presidenciais quanto ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF).

11. A primeira conclusão leva ao raciocínio de que a L.S.A.F se constitui num avanço importante para a criação de estruturas jurídicas mais dinâmicas e eficientes para a gestão dos clubes de futebol, diante do acesso às ferramentas capazes de gerar e gerenciar recursos próprios e de terceiros de modo bem particularizado e transparente. Realça-se, mais uma vez, a preocupação quanto ao veto presidencial ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), pois tal fato ofusca as premissas de sustentação da norma.

Por fim, deve-se levar em conta a comunhão entre a lógica econômica, as regras empresariais e esportivas, diante do interesse público e coletivo envolvido, pois, além de concorrer, os clubes, agora empresas, precisam cooperar.

 

Notas e Referências

[i][i] CUNHA, Lucas Marsili. Formas de coibir o abuso do poder de controle nas sociedades anônimas. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 54-55.

[ii] IBGC. Disponível em: <https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa.> Acesso em: 17 agosto 2021.

 

 

 

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