Sobre resgatar o encanto de votar em uma democracia fatigada - Por Gabriel Lima Marques

13/11/2016

Por Gabriel Lima Marques – 13/11/2016

A eleição municipal deste ano, sem dúvidas, entrou para a história como aquela com o maior índice de rejeição a classe política no período democrático. Tal como o no nos representan na Espanha e o que se vayan todos na Argentina, por aqui, passado junho de 2013, o sentimento de descontentamento com o que aí está parece que não mudou muito. Apenas a sua canalização, agora através da massificação de votos brancos, nulos e abstenções é que se apresenta como novidade.

Neste ponto, como, porém, conciliar tal contexto, com os vários estudos que comprovam que cidadãos mundo a fora acreditam na democracia como o melhor meio de se governar um país. E ainda que confirmam o crescimento do interesse pela política?[1] Valendo-me de uma expressão cunhada pelo escritor belga David van Reybrouck o problema só pode ser o da síndrome da democracia fatigada. Isto é, a desilusão para com o ato de votar, que é causada pela inexistência de mudanças ao longo do tempo devido ao mais do mesmo.

Com isso em mente, o que então fazer para solucionar a doença?

A meu ver, para além do velho chavão da reforma política. Uma saída interessante, cabível, e que em nada dependeria da morosidade da classe política (justo porque ciosa de perder suas benesses), mas apenas da boa vontade dos operadores do Direito, seria um giro de interpretação do famoso artigo 224 do código eleitoral. O dispositivo, como por muitos é sabido, dispõe que “se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.

Ora, é fato que o Tribunal Superior Eleitoral desde muito e reiteradamente entende que o termo nulidade aí contido quer expressar apenas e tão somente as situações em que haja a comprovação de uma fraude dentre os votos válidos. E que os votos nulos, por seu turno, segundo o que dispõe o texto constitucional no artigo 77, §2º, por serem tomados como uma manifestação apolítica do eleitor, não estariam albergados na dicção do artigo 224.

Todavia, à visto dos últimos acontecimentos, e porque a constituição não deixa claro qual é a consequência advinda da situação de mais de cinquenta por cento dos votos serem nulos, apenas que eles, assim como os em branco, não entram no cômputo da determinação de uma maioria entre os candidatos. O que é bem óbvio. Será então que não seria recomendável tomar o dispositivo da lei eleitoral à luz do princípio da cidadania, fundamento da República Federativa do Brasil, como alude o artigo 1º da lei maior? Com isso, será que permitir um efeito (novas eleições) aos votos nulos não resolveria tanto o problema do diálogo entre sociedade e partidos, tão precário ultimamente, quanto também o do eleitor que vendo o seu não querer menosprezado por isso se abstém? Afinal, será mesmo que o texto de 1988 quis, empurrando a situação ao extremo, que na eventualidade de apenas um por cento dos votos serem válidos, somente essa parcela do eleitorado ter a palavra final em detrimento dos outros 99%? Poderíamos chamar isso de democracia?

Enfim, são perguntas que mais do que responder, minha pretensão aqui foi apenas de semear com elas a reflexão e o debate.


Notas e Referências:

[1] Para mais informações ver os dados recolhidos e publicados pelo World Values Survey.


Gabriel Lima MarquesGabriel Lima Marques é Doutorando em Direito Público na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Especialista em Direito e Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Professor (40H/DE) de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Advogado.


Imagem Ilustrativa do Post: Eleições 2014 // Foto de: Senado Federal // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agenciasenado/15448934632

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura