Coluna Cautio Criminalis
1. Sistemas penais paralelos: o poder punitivo diz onde deve haver direito penal. Não é o direito que diz onde há poder punitivo.
Quando, em meados do ano de 2020, recebi do professor Bruno Gilaberte a incumbência de escrever umas notas curtas sobre a interdisciplinaridade do direito penal com outros ramos do saber jurídico e humano para um breve artigo, não pude me furtar a, pela primeira vez publicamente, rabiscar em papel algumas inquietudes que me são causadas por uma certa paralisação do pensamento crítico no direito sancionador da improbidade administrativa pela literatura amplamente dominante em terras brasileiras, tanto da penalística quanto da doutrina administrativista: parecemos nos debruçar em nossos estudos quase como que exclusivamente sobre a legislação penal manifesta, mas costumamos deixar de lado a legislação penal latente e a legislação penal eventual (as leis penais não manifestas).
Isso é, em alguma medida compreensível, sobretudo a partir das dificuldades na identificação dessas leis não manifestamente penais, que pressupõem, antes de tudo, uma análise desprendida do paleojuspositivismo e do encapsulamento da dogmática para compreender que a racionalidade do direito, em um Estado Constitucional, não está na autoridade política do responsável por dizê-lo (o legislador, o juiz ou o dogmata), mas na justificação concreta das práticas constitucionais a partir de fatores diversos de legitimidade. Um desses fatores, por exemplo, o respeito ao mundo (die Welt).[1]
Em tempos de cólera punitivista na América Latina (e infelizmente também o sentido patológico dessa expressão é atualmente bastante próprio, guardadas as distinções entre os vírus e as bactérias – o leitor mais piedoso há de exculpar a analogia), muito pouco se faz fora da academia pela contenção do poder punitivo (e, portanto, muito pouco se faz pelo fortalecimento daquela característica de filtragem que deve ter um sistema normativo, dê-se a ele o nome de direito penal, de direito administrativo, de direito tributário, ou o que seja) que se habilita pela legislação manifestamente penal, tida que é a pena como uma espécie qualquer de divindade, de elemento canalizador das esperanças e das decepções (no) do mundo. A fórmula declarada para a resolução dos conflitos do cotidiano constitucional (e não declarada, porém real, para a sua insolubilidade permanente) é uma: pena. Se esta não resolve, permanece simples a questão: mais pena. Nos discursos do dia a dia, do jornaleiro ao jornalista, do padre ao pecador, do vegano ao carnívoro, do fiscal ao legislador, quer-se pena, elege-se a pena e acredita-se na pena. Da esquerda para a direita e da direita para a esquerda o poder punitivo é o ponto de convergência política das ideologias do costumeiro.
Nada obstante esse poder político pouco questionado quanto à sua fonte e muito discutido quanto à sua forma de execução (geralmente do ponto de vista justificador) salte aos olhos pelo estudo da legislação penal manifesta e das práticas declaradamente penais, tenderá a encontrar na legislação penal não manifesta (latente ou eventual) um campo também muito fértil para o contágio infeccioso dos juristas e dos práticos das agências do sistema de justiça (isso sem falar dos estudantes, que, na maioria dos cursos de graduação ou de pós, jamais são apresentados a tais problematizações), capaz de se propagar tão rápido quanto os vírus – só que de forma muito mais duradoura, e não há composto químico que desative o seu potencial danoso.
Desde há algum tempo tenho me convencido da ideia de que, latente no âmago do direito sancionador da improbidade, encontra-se uma autêntica manifestação do poder de punir. Para resumir, assim tenho acreditado em razão de uma concepção de pena como realidade a que chego partindo do modelo negativo/agnóstico de Raúl Zaffaroni e Nilo Batista, postura teórica que propõe renegar, para a solução do debate relativo a se tem a ver ou não o direito penal com o direito da improbidade, detalhes meramente linguísticos-classificatórios da legislação positiva, e isso para que se debruce efetivamente sobre a essência – deixando de lado a aparência – da questão posta.
Esse poder punitivo citado umas linhas acima, na essência, é o mesmo que se encontra fluindo pelos tipos penais manifestos do Código Penal e das leis penais extravagantes: também opera seletivamente, também se o pode utilizar – e o cotidiano demonstra que isso frequentemente acontece – como arma política de perseguição a adversários e opositores, algumas funções declaradas são de muito difícil comprovação científica (no direito da improbidade há mais convergências entre as funções declaradas e as funções reais, isso é verdade, sobretudo porque a ação de improbidade pode culminar, e não raras vezes culmina, com um ressarcimento ao erário de prejuízo causado, mas esse tipo de recomposição encontra um âmbito de existência muito restrito no direito penal), é fruto de atos de poder político, não é um fenômeno desde sempre existente na sociedade.[2] Na gravidade, tanto pode ser aproximado quanto superior: a sanção de perda da função pública, por exemplo, que na legislação manifestamente penal está restrita somente a alguns fatos de especial gravidade,[3] no direito sancionador da improbidade é reação jurídica ex ante aplicável a qualquer ilícito cometido.[4] Difere somente no seu modo de execução e nos seus requisitos habilitatórios: mais simplificados, mais vulgarizados, muito menos valorizados pela literatura em uma perspectiva histórica e muito mais bagunçados pela jurisprudência dos dias correntes.
Se, inclusive, nos propusermos a olhar, sob a perspectiva do discurso político, uma das principais funções reais do poder punitivo, qual seja, a promoção da exclusão ou da marginalização social de um sujeito ou de uma classe, perceberemos que o complexo fenômeno da pena pode ser destrinchado em particulares modalidades de privação de dados elementares à vida em sociedade: cidadania, trabalho, patrimônio, acesso a prestações públicas em sentido amplo e liberdade.
(i) Uma exclusão ou marginalização social pela privação da cidadania está na sanção de suspensão de direitos políticos, que se estabelece tanto na LIA (art. 12) quanto na Constituição, referenciada à legislação penal manifesta (art. 15).
(ii) Uma exclusão ou marginalização social pela privação do trabalho está na sanção de perda da função pública da LIA (art. 15) e de perda do cargo, função pública ou mandato eletivo do Código Penal (art. 92, I). No Código Penal há também a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo (art. 47, I), a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público (art. 47, II), a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo (art. 47, III), que podem afetar os motoristas profissionais
(iii) Uma exclusão ou marginalização social pela privação do patrimônio está na sanção de multa civil da LIA (art. 12) ou de multa penal do CP (art. 49 et. seq.).
(iv) Uma exclusão ou marginalização social pela privação do acesso a prestações públicas em sentido amplo está na sanção de proibição de recebimento de benefícios fiscais ou creditícios da LIA (art. 12) e na proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos do CP (art. 47, V). Também se encontra na proibição de contratar com o Poder Público e dele receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios, bem como de participar de licitações, a que está sujeito o condenado pela prática de crime ambiental (art. 10, Lei 9.605/98).
(v) A mais grave repercussão está na exclusão ou marginalização social pela privação da liberdade a que está sujeito aquele que incide nos tipos assim sancionáveis da legislação penal manifesta.
Com reação a essa particular faceta do fenômeno da pena, inclusive, não é difícil perceber que as sanções da LIA podem, progressivamente, conduzir o sujeito a uma progressiva situação de maior sujeição à privação da liberdade. Cada um desses aspectos da vida em sociedade, quando retirados do sujeito (sobretudo patrimônio e trabalho) aumenta sua condição de vulnerabilidade, maximizando, portanto, seu potencial de seleção pelo poder punitivo.
2. Uma indagação fundamental geral sobre o âmbito de projeção do direito penal ou “sobre como está posta a questão da improbidade”
Diz-se correntemente que é preciso responder a três indagações fundamentais: (i) o que é o direito penal enquanto teoria do direito penal; (ii) sob quais pressupostos, enquanto teoria do fato punível, pode ser requerida a habilitação do poder punitivo; (iii) como a agência judicial correspondente deve responder ao requerimento formulado, isso enquanto teoria da responsabilidade punitiva.[5]
Ao primeiro dos problemas é oferecida pela penalística da América Latina uma solução no sentido de que se cuida de um saber pragmático sobre e para a interpretação das leis penais - que se diferenciam das extrapenais pelo elemento pena[6] - e que deve, mediante a criação de standards lógicos de controle da legitimidade das construções teóricas e práticas em matéria punitiva,[7] extirpar de sua aplicação a irracionalidade, o improviso e a arbitrariedade,[8] tendo ainda pretensões de se tornar jurisprudência[9] e de conferir segurança jurídica. O direito penal, portanto, (a) pressupõe a pena, que delimita o seu horizonte de projeção;[10] por isso, (b) não pode ser confundido com o poder punitivo, pois o direito e o poder político por trás (e antes) do direito são entes distintos em permanente estado de contradição – o poder quer se exercer, desejando que o direito se enfraqueça, enquanto o direito quer se exercer, desejando que o poder se enfraqueça; e (c) deve refreá-lo pelas balizas do discurso dogmático racional.
A despeito de certa obviedade com que exsurgem essas ideias, há um problema de ordem pragmática, que é responder a uma subquestão dentro da primeira apresentada: o que é essa dita ‘’pena’’ cuja materialização esses standards teóricos lógicos racionais devem conter e filtrar?
É pela perquirição da resposta adequada a essa questão que, (i) decantando da punição outras formas de coerção pública e privada e (ii) reinserindo em seu âmbito de abrangência certas manifestações de poder político que, a despeito de evidentemente pertencentes ao seu léxico, lhe foram subtraídas sub-repticiamente, delinearemos (a) que são os critérios identificadores da pena, (b) onde efetivamente essa coerção se materializa e, portanto, (c) onde deve haver direito penal.
Um desses raptos violentos que surrupiam maldosamente do direito penal (concebido nos termos discursivos em que se o propôs nas linhas primeiras do texto) certas coerções que no seu âmago se inserem materialmente deu-se com a famigerada Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8.429/92 (LIA), vitimada que foi por um romantismo jurídico muito palatável ao nível do discurso, como são palatáveis a maioria avassaladora dos discursos punitivos, que conduziu o pensamento cotidiano, no que toca à sistemática da imputação de responsabilidade pela prática de ato ímprobo, a uma administrativização do direito penal (quando, pelo contrário, deveria ter levado a uma penalização do direito administrativo) nos últimos anos.
Essa administrativização (a expressão deve ser compreendida no sentido de um progressivo afastamento do sistema de responsabilidade por ato ímprobo dos limites impostos pela dogmática penal, reduzindo, portanto, a proteção jurídica do particular contra o Estado de Polícia que permanece sempre encapsulado em qualquer Estado de Direito, buscando vias para exercer-se e materializar-se), que permeia hoje a maioria avassaladora dos discursos sobre a LIA, faz com que a opinião amplamente dominante no âmbito da literatura nacional ateste que nada tem que ver o direito penal com a improbidade, senão, com um fundamento ad hoc no art. 37, § 4º, CRFB/88, aguardar pacientemente a ação própria respectiva, pelo mesmo ato, quando cabível (hipótese em que, inclusive, estarão lá, também esperando de modo sereno e calmo, todas as punições declaradamente penais, nada obstante, muitas vezes, já tenha sofrido o imputado toda sorte de punições realmente penais mas declaradamente extrapenais – como temos nas sanções da LIA, que formalmente ostentam um discurso protetivo, reparador, administrativo, eticizante, moralizador ou o que seja, mas em verdade se materializam da mesma forma como as penas e com um conteúdo muito parecido.
A essa conclusão (que blinda do sistema de responsabilização por improbidade a incidência das categorias protetivas do direito penal) geralmente se chega por muitos caminhos, a maior parte deles pouco convincente.
À guisa de exemplo, afirma-se a natureza civil – ou ao menos extrapenal - da ação por ato ímprobo[11] (a despeito de com isso nada se dizer sobre a improbidade, mas sobre a dogmática formal da persecução por improbidade); diz-se ainda que o agente tanto pode responder pelo ilícito administrativo como por eventual ilícito penal tipificado[12] nas leis penais manifestas (embora isso não diga nada sobre a estrutura dos ilícitos da LIA, mas somente que há outras classes de ilícitos – independentemente da configuração que lhes dá corpo - que não se encontram em relação de exclusão recíproca com eles). Eventualmente diz-se ainda que o direito penal pode até desempenhar um papel subsidiário em relação ao direito da improbidade, orientando, com os seus princípios gerais, a sanção por ato ímprobo, mas os tipos legislativos da LIA, ante o emprego da expressão ‘’notadamente’’, estariam fora do âmbito de abrangência do saber penal porque seriam incompatíveis com o postulado da máxima taxatividade desse ramo da ciência jurídica[13] (essa postura é interessante pois, em um primeiro momento, reconhece que se algo não se adequada ao direito penal deve estar fora da incidência da pena, mas, logo na sequência, opta por lhe excluir da proteção – do direito penal, portanto - e não da severidade – da pena -, o que é um paradoxo e um raciocínio que parece não fazer sentido[14]).
Nessa perspectiva – igualmente contraditória e, ao que parece, carente de lógica -, inclusive se atestou que o conteúdo penal ou extrapenal de uma reação do ordenamento é ditada pela ideologia legislativa (pelas funções declaradas), e não pela sua gravidade (pela materialização real),[15] e que ‘’não se nos seria possível igualar, porquanto vegetais, frutas e leguminosas, pois cada qual possui suas características intrínsecas’’[16] (uma analogia contra a qual possivelmente redarguiria com outra um penalista argentino, atestando que uma vaca já é uma vaca antes de ser definida como uma vaca)[17]. Essa última forma de pensar, que em último grau de análise acaba legitimando uma teoria da pena a partir de uma teoria autorreferenciada de Estado, confunde direito penal e poder punitivo (em outras palavras, confunde o discurso dos juristas – o direito penal - com o ato de poder político - a legislação penal),[18] um erro que perdura há no mínimo alguns séculos mesmo na penalística da Alemanha,[19] e que é porta aberta ao autoritarismo, porque justifica o poder pelo próprio poder, encapsula-o e autorreferencia-o,
Claro, também se diz que entender de maneira diversa, em resumo, é retrocesso social e redunda em ‘’impunidade’’,[20] e que é preciso aplacar esse sentimento ‘’reinante na sociedade’’,[21] o que, em suma, faz ecoar um discurso de agigantamento das hipóteses sancionáveis em sociedade que é construído na linguagem pública desde há uns bons séculos, e que na América Latina encontra terreno fértil para fortalecer o poder interventivo do Estado nas liberdades individuais (um ponto central é que, frente ao poder punitivo, são despidas de sentido as distinções entre administrado e administrador, posto que uma vez que se tornem destinatários de uma persecução punitiva, o que está em jogo é sempre a proteção da liberdade individual).[22]
Da exposição da primeira pergunta fundamental a que deve responder aquele que deseja compreender as relações entre o direito penal e o direito administrativo, é possível extrair duas observações, uma em forma de afirmativa e outra em forma de dúvida, a que procuraremos responder na segunda seção do texto.
A primeira: a literatura amplamente dominante não considera que o direito sancionador da improbidade esteja ou deva estar compreendido no horizonte de projeção do direito penal, isso quase que exclusivamente em razão de elementos formais.
A segunda: já que, formalmente, o direito sancionador da improbidade não está compreendido no horizonte de projeção do direito penal, o direito sancionador da improbidade reúne os elementos materiais que reclamam a sua inserção nesse âmbito de projeção?
3. Sobre se o direito sancionador da improbidade reúne os elementos materiais que reclamam a sua inserção no horizonte de projeção do direito penal
Em linhas gerais, vimos afirmando desde o início dos trabalhos neste problemático e instigante tópico que em certas disposições da LIA também se exerce um poder político punitivo, muito aproximado e semelhante àquele que conhecemos por frequentemente habilitado pela legislação penal manifesta (os tipos legais de crime do Código Penal e da legislação extravagante). E que base dá sustentáculo a essa afirmação? Uma teoria da pena que, surgindo do fracasso de todas as teorias positivas legitimantes tradicionais (ante a sua ineficácia comprovada ou a impossibilidade de sua generalização),[23] afirme-se como um modelo teórico (i) que trate a pena como um fenômeno real no mundo, ou seja, compreenda-a no seu ser e não no seu dever-ser; (ii) de contenção do poder punitivo em todas as suas facetas e, portanto, (iii) de maximização dos espaços de liberdade dos indivíduos frente ao Estado.
Temos aqui a linha geral do modelo negativo/agnóstico de pena, que, incorporando os dados ônticos da realidade social conceitua por exclusão a sanção como ‘’uma coerção, que impõe uma privação de direitos ou uma dor, mas não repara nem restitui, nem tampouco detém as lesões em curso ou neutraliza perigos iminentes’’.[24] Essa concepção ampla de pena permite ao direito penal ampliar o seu horizonte de projeção (reduzindo, por via de consequência, o do poder punitivo), determinando, por via de consequência, que nunca se abstenha de reconhecer a punitividade de práticas estatais, ainda que não nomeadamente penais. Esse o seu papel.
Nessa toada, temos o seguinte:
(i) O poder punitivo formal/oficial (é ele do qual nos ocupamos neste texto, sem que nos olvidemos de outras modalidades, como o poder punitivo subterrâneo exercido por agências policiais ao arrepio da legalidade, o poder punitivo informal exercido por outras entidades sociais de controle, como a Igreja, a família e a escola, e certas manifestações ainda pouco estudadas pela própria criminologia, como o que se observa nos linchamentos públicos) se exerce por meio de coerções não reparadoras nem restitutivas como consequência da causação subjetiva e objetivamente imputada e não exculpada de um conflito não justificado (dito de forma mais simples, opera sabe as bases de um fato típico, contrário à ordem jurídica e que também seja culpável), sendo viabilizado pelos órgãos oficiais de repressão estatal;
(ii) O poder punitivo formal se exerce por meio de leis manifestamente penais mas também por meio de leis penais não manifestas, como as leis penais latentes (ostentam uma função declaradamente não penal, mas em verdade habilitam o exercício de um autêntico poder de punir, sendo em si uma contradição entre função declarada e função real) e as leis penais eventuais (não ostentam função declaradamente penal e, como regra, também não desempenham o papel habilitador do exercício de um poder punitivo, salvo eventualmente em razão do seu mau, desproporcional ou exorbitante uso pelas agências do sistema de justiça);[25]
Aquele que quiser realmente compreender as interseções entre o direito penal e o direito administrativo da improbidade, e saber se, em fato, sim ou não os tipos legais de improbidade (arts. 9º, 10 e 11 da lei respectiva) habilitam penas (e, portanto, saber se sim ou não as sanções do art. 12 do Diploma possuem natureza penal), deve considerar a LIA como uma lei penal latente, cuja função declarada é extrapenal (política, político-administrativa, civil, reparadora, restitutiva, moralizante, eticizante, o que seja), mas, em alguns de seus dispositivos, acaba habilitando, materialmente (e, assim, fazendo valer funções reais divergentes das funções declaradas) um verdadeiro poder de punir subtraído do direito penal – e que deve ser devolvido ao seu horizonte de projeção.
É de se perguntar, então: as medidas do art. 12 da Lei de Improbidade devem estar compreendidas no horizonte de projeção do direito penal?
Certamente que sim, mas somente em parte. Nem todas as medidas estabelecidas no art. 12 da LIA se materializam de forma eminentemente punitiva. São reparadoras as medidas de (i) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio - se concorrer essa circunstância - (ii) ressarcimento integral do dano causado, quando houver (pois essas medidas sempre visam uma restituição, uma minimização do dano efetivamente causado pelo sujeito ativo à pessoa jurídica vitimada pelo ato ímprobo, uma recomposição do status quo, tendo sua eficácia majoritariamente projetada para o passado; a seu turno, são sempre sancionatórias as de (i) suspensão dos direitos políticos, (ii) proibição de contratar com o poder público e (iii) multa civil (pois essas medidas não visam nenhuma forma de recomposição, restituição ou outra circunstância análogo, tendo sua eficácia projetada para o futuro; por sua vez, tanto podem ser sancionatórias como de coerção administrativa direta – para impedir uma ilegalidade imediatamente em curso ou pronta para ocorrer -, a depender do contexto concreto, as de (i) perda da função pública e de (ii) proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios do poder público.
Importa perceber, nessa perspectiva, que a partir do marco teórico adotado, as reações de natureza eminentemente sancionatória habilitam um poder punitivo (pois não restituem nem reparam o dado já causado, projetando-se somente para o âmbito do castigo) que (i) quanto à natureza e a legitimação política não difere em nada do que flui pelos tipos penais do Código e da legislação extravagante; (ii) quanto à densidade, pode eventualmente ser de mesmo patamar ou de patamar inclusive superior àquele (isso será esmiuçado ao longo deste capítulo); (iii) quanto ao modo de habilitação concreta, paradoxalmente (e aqui há um problema grave de ordem metodológica do direito enquanto sistema normativo de garantias oponível ao Estado), é materializado de maneira muito mais simplificada do que aquele que se admite habilitar pelos tipos penais da legislação penal manifesta.
Assim, tenho que apenas uma sistemática classificatória realmente parece importar, a que aglutina as medidas do art. 12 em três grandes grupos: (a) reparação ou restituição – que ao menos a priori não habilita poder político de punir, mas somente impõe a obrigação de recomposição do dano ocasionado, estando em linhas gerais sujeita à incidência das regras fundamentais de direito privado e/ou do direito administrativo não sancionador; (b) coerção administrativa direta – que, em se atendo aos limites da cessação da lesão em curso no caso concreto, também não habilitará poder de punir, mas mera cautelaridade administrativa, estando tipicamente no horizonte de projeção do direito privado e/ou do direito administrativo não sancionador; (c) sanção – pela qual se habilita o poder punitivo latente na LIA, devendo, portanto, incidir o sistema normativo de garantias do direito penal.
Com essa classificação, duas observações parecem pertinentes:
A primeira é que parecem desnecessárias para esse debate as diversas tentativas de ‘’identificação da natureza jurídica’’ de cada uma das medidas do art. 12 da LIA, parecendo relevante, em verdade, descobrir se pela sua interpretação e aplicação concreta se habilita ou não um poder punitivo (pois é dessa consideração que se descobrirá a resposta para a pergunta se deve ou não o direito penal incidir). Fala-se, por exemplo, que nada nesse dispositivo ostenta ‘’índole criminal’’ (uma tentativa de empreender isso que linhas atrás julguei parecer desnecessário e vazio e sem funcionalidade prática), e que a suspensão dos direitos políticos tem natureza jurídica política, a perda da função pública político-administrativa, a proibição de contratar e receber incentivos do poder público administrativa e todo o resto civil.[26] Ocorre que essa estratificação é puramente classificatória e o ‘’descobrimento dessas verdades’’ não traz nenhuma implicação prática, apenas esquematiza ou burocratiza, e o direito (e também os saberes jurídicos, por óbvio) não podem se contentar com algo que é tão somente burocracia e/ou esquematização, menos ainda quando esse algo intervenha diretamente na esfera de direitos fundamentais de pessoas humanas (ainda que sejam agentes públicos em desfavor de quem se imputa ato ilícito cometido por violação de dever para com a Administração).
A segunda é que para as medidas através de cuja estrutura se habilita uma punição (ou seja, uma medida sancionatória que nem restitui e nem recompõe), viabilizando a manifestação do Estado de Polícia, se aplica o direito penal – no sentido utilizado no início do texto, designativo de um discurso sobre a legislação para, mediante a criação de um sistema racional de filtros, represar o poder punitivo. Dito de forma mais simples, devem se aplicar as categorias gerais dogmáticas da teoria do fato punível aos atos de improbidade administrativa cuja prática sujeita o agente a uma punição. Não é necessário fazê-lo, entretanto (embora se possa discutir no âmbito do direito privado da responsabilidade civil e do direito administrativo da coerção direta a sua recomendação ou contraindicação, temas sobre os quais não nos debruçaremos nestes capítulo para que não nos afastemos de nosso objeto), nos atos cuja reação do ordenamento imponha coerção meramente reparadora ou restitutiva ou impeditiva de lesão em curso ou iminente.
Claro, se a alguém apetecer a ideia de chamar um ato de improbidade pela expressão crime[27] ou o que quer que seja, que assim o faça, ou não, pois tão mais relevante do que se prender a essas minudências linguísticas que nada mais fazem do que classificar e esquematizar[28] segundo funções burocratizadas de adestramento e decidibilidade[29] é a contenção do poder punitivo latente nessas searas do direito que a postura aqui adotada se firma no sentido de renunciar à cognição desse debate de palavras.[30] Norteia a configuração da dogmática penal (e, portanto, do horizonte de projeção do saber penal) não a alcunha do objeto da punição (já vimos que vacas são vacas antes que as classifiquemos como vacas), mas a punição do objeto da alcunha. Se a pena como tal não existe, mas somente os sistemas de punição (adequados, claro, a um macrossistema de produção que lhe determina a existência e a validade) e as práticas penais específicas,[31] também não existe idealisticamente o crime e o não-crime, mas o pressuposto de habilitação da sanção.
Essa construção, inclusive, conta com o apoio da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Por exemplo, no caso López Mendoza vs Venezuela, o Tribunal assentou que ‘’las sanciones administrativas y disciplinarias son, como las penales, una expresión del poder punitivo del Estado y que tienen, em ocasiones, naturaleza similar a la de éstas’’.[32] Sob o exato mesmo fundamento, no caso Baena Ricardo y otros vs. Panamá, a Corte decidiu sobre o necessário respeito ao princípio da legalidade no âmbito do direito administrativo sancionador,[33] o que, em suma, também esteve presente no julgamento do caso De La Cruz Flores vs. Perú.[34] É que, ao se debruçar sobre a natureza das penas, a Corte estabeleceu que É que ‘’Unas y otras implican menoscabo, privación o alteración de los derechos de las personas, como consecuencia de una conducta ilícita’’.[35] Nesse mesmo precedente, a Comissão alegou que ‘’existe una identidad entre los principios que inspiran el derecho penal y los que inspiran el derecho administrativo sancionatorio ya que ambos derechos son manifestaciones del poder punitivo del Estado’’.[36] Também no caso Tribunal Constitucional vs. Perú,[37] ainda que o tenha feito mais sob o prisma processual do que o material, a mesma lógica esteve presente.
Ponhamos em termos pragmáticos. Se é pena, no sentido do que trabalhamos até aqui, a coerção pública que, privando de direitos ou impondo dor ou sofrimento não restitui, nem repara, tampouco impede um conflito em curso, então temos as seguintes observações sobre as reações jurídicas do art. 12 da LIA.
4. Sobre porque a sanção de privação de direitos políticos da Lei de Improbidade é decididamente uma pena criminal
Essa medida é, decididamente, uma manifestação de poder punitivo, sendo, então, uma pena criminal. Em qualquer caso, portanto, deve estar sob o horizonte de projeção do saber penal e não do “saber administrativo”.
a) A título de argumento histórico constitucional nacional, é interessante perceber que, no Brasil, a Constituição do Império (1824), reservava, nos incisos I e II de seu art. 8º, duas hipóteses de suspensão de direitos políticos: a incapacidade civil (lá sob a rubrica da ‘’incapacidade physica ou moral’’ e a condenação criminal, por sentença, a pena de prisão ou degredo (o dispositivo provavelmente inspirou-se na redação do art. 24, II, da Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822, cujos termos são, em suma, os mesmos).[38] Percebe-se, portanto, que, como decorrência de um ilícito, a medida, dada a sua gravidade, somente seria imposta como consequência daqueles de maior desvalor no ordenamento: os penais.
A mesma lógica é percebida no art. 71, § 1º, ‘’b’’, da Constituição de 1891, além de estar presente também na Constituição de 1934, nas alíneas ‘’a’’ e ‘’b’’ do seu art. 110, o art. 118 da Constituição de 1937, no art. 135, § 1º, da Constituição de 1946, no art. 144, I, ‘’b’’, da Constituição de 1967 e, por fim, no art. 149, § 2º, da Emenda Constitucional 01/1969, que editou o novo texto da Constituição de 67. O atual art. 15 da Constituição de 1988 elenca também, como ilícito passível de sofrer a sanção ora em comento, o de improbidade administrativa.
É também interessante mencionar o trabalho de Luigi Giuseppe Barbieri Ferrarini, o autor de uma das mais relevantes obras brasileiras sobre privação de direitos políticos de condenados, que realizou minuciosa pesquisa sobre as discussões parlamentares acerca do assunto quando da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 (ele preferiria o termo Congresso Constituinte).[39] À época, Lysâneas Maciel (PDT), então deputado federal, apresentou anteprojeto à Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias cujo art. 11, § 1º, previa a suspensão de direitos políticos daquele a quem se impusesse condenação criminal a mais de dois anos (ou seja, estava por trás dessa propositura uma compreensão no sentido de que tão grave é a privação da cidadania que mesmo os crimes – em sentido estrito – não são, por si sós, aptos a fazê-la incidir, devendo haver, para tanto, delitos com um nível de desvalor jurídico que supere o ‘’ordinário’’ - nessa situação manifestado em um quantum mínimo de penalidade imposta concretamente).[40] A esse dispositivo normativo a então deputada federal Anna Maria Rattes (PMDB) dirigiu críticas, propondo a supressão da privação dos direitos políticos do apenado. Dentre outros argumentos jurídicos, mencionou que ‘’a participação do preso na vida política nacional é também uma forma de recuperá-lo socialmente e prepará-lo para uma futura reintegração na sociedade’’.[41]
No âmbito da Comissão de Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher a suspensão de direitos políticos não somente foi considerada uma efetiva sanção penal: no seu anteprojeto, posteriormente encaminhado à Comissão de Sistematização, defendeu-se que, para a aplicação da medida, era necessária expressa motivação na sentença penal condenatória, não se consubstanciando em um efeito automático do decisum. Essa circunstância restou estabelecida no primeiro anteprojeto da Constituição, cujo relator foi o então deputado federal Bernardo Cabral. (PMDB).[42] O então deputado federal Tito Costa (PMDB), que apresentou emenda tendente a alterar o então art. 28, § 2º, do anteprojeto, também se referiu expressamente à suspensão de direitos políticos como pena.[43] Quando da apresentação de uma emenda oferecida em Plenário ao anteprojeto, o então deputado federal Acival Gomes (PMDB) afirmou a impertinência da matéria ao texto constitucional, dizendo ainda ‘’que deve ser tratada em sede do Estatuto Penal’’.[44] Posteriormente, o Primeiro Substitutivo do relator, o então deputado federal Bernardo Cabral, do PMDB (posteriormente Bernardo viria a ocupar o cargo de Ministro da Justiça no Governo Collor), dispôs, em seu art. 15, que ‘’a sanção penal de suspensão dos direitos políticos depende do trânsito em julgado de sentença’’.[45] Tito Costa (PMDB) propôs alterações no dispositivo para que dele constasse a seguinte redação: ‘’A aplicação da sanção penal de suspensão dos direitos políticos depende de sentença transitada em julgado, que a ela se refira explicitamente, não podendo proibir entanto o direito de voto’’.[46] Vasco Alves (PMDB), quando apresentou sua justificativa para uma emenda no art. 6º do anteprojeto (‘’O preso terá direito de voto. Nenhuma restrição será feita ao preso, no que conserne aos seus direitos civis e políticos, que não aquelas decorrentes de sentença transitada em julgado.’’), mencionou expressamente a suspensão de direitos políticos como uma pena acessória.[47] O então deputado Egídio Ferreira Lima (PMDB) propôs a seguinte redação ao art. 15 da Constituição Federal: ‘’A suspensão de direitos, imposta como pena, só produzirá efeitos a partir do trânsito em julgado da condenação’’, emenda que decorreu de sugestão de José Paulo Sepúlveda Pertence,[48] que viria a se tornar Ministro do Supremo Tribunal Federal em 1989, Corte da qual exerceu a Presidência de 17 de maio de 1996 a 20 de maio de 1997. Ao final dos trabalhos e das discussões, acabou prevalecendo a atual redação do art. 15 da Constituição Federal.
A título de argumento de coerência constitucional nacional, não parece lógico ou sistemático que, para os ilícitos mais graves, a suspensão dos direitos políticos dê-se somente após um processo no qual sejam resguardadas ao sujeito todas as garantias próprias do direito penal e do direito processual penal, enquanto para infrações menos graves ela posse se impor à revelia dessas categorias. Assim, essa situação nos quer fazer concluir que a natureza da sanção não muda: é evidentemente punitiva, e por ser evidentemente punitiva é que deve estar sob a égide do arquétipo normativo designado para conter o poder de punir: o direito penal. Se ela, como consequência, decorrerá de um ilícito tipificado na legislação penal manifesta ou em Diplomas que, a título de discurso, se afirmem como não penais (como a LIA), como causa, isso em nada interfere em sua natureza (e, portanto, também nada pode interferir em seu procedimento para a aplicação). Uma das funções de um sistema dogmático de normas é, sobretudo, conferir coerência interna ao ordenamento, o que parece potencializado na forma de ver aqui desenvolvida.
b) A título de argumento de direito internacional convencional, é preciso perceber que o art. 23.2. da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), internalizado à ordem jurídica interna pelo Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992, somente autoriza um Estado signatário a limitar os direitos políticos de um cidadão, quando o fizer em virtude da prática de ilícito, por condenação em processo penal.[49]
Essa situação, inclusive, já levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no caso López Mendoza vs. Venezuela, a julgar ilegítima a privação de direitos políticos imposta pela República Bolivariana da Venezuela em desfavor de Leopoldo López Mendoza por outra via que não o processo penal.[50] No caso, o país havia, por procedimento administrativo (ou seja, sem as garantias específicas do processo penal), determinado a inabilitação do paciente para ocupar funções públicas (o objeto da demanda era o sufrágio passivo, portanto, o direito a ser votado),[51] isso nos termos do art. 105 da Ley Orgánica de la Contraloría General de la República y del Sistema Nacional de Control Fiscal (LOCGRSNCF)[52] As autoridades venezuelanas internas pautaram-se na perspectiva sendo a qual a inabilitação decorreria de um ilícito administrativo e, portanto, cuidar-se-ia de responsabilidade meramente administrativa,[53] contra o que redarguiu a Comissão no sentido de que ‘’es únicamente un tribunal judicial em un proceso penal el que puede restringir el derecho’’ e de que ‘’cualquier restricción que se derive de dicho proceso deberá guardar estricto respeto a las garantías penales’’.[54] A Corte ainda menciona o fato de que as autoridades incumbidas da punição não são juízes ou tribunais penais em sentido estrito.[55]
Claro que alguém poderia redarguir com a afirmativa de que o Pacto tem status supralegal no arquétipo normativo atual[56] (o que é discutível e, a despeito de ser a postura majoritária do Supremo Tribunal Federal, não é a melhor perspectiva teórica)[57] e que, como o art. 15, V, da Constituição Federal, determina que também os atos de improbidade administrativa poderão ser causa de suspensão de direitos políticos, a norma constitucional prevaleceria sobre a convencional.
Assim, em tese, como a norma constitucional disporia de uma posição hierarquicamente superior à do Pacto no plano abstrato, teria aplicação preferencial sobre ela para que fosse legítima não somente a suspensão decorrente de processo penal (mencionada na norma internacional) mas também a de processo de natureza civil/política/administrativa (seriam os termos do art. 15, V, CRFB/88). Ocorre que essa antinomia normativa é apenas aparente, porque a Constituição Federal não menciona em nenhuma disposição que a ação de improbidade não tem natureza penal: essa construção é feita pela jurisprudência e por setores da literatura. Na realidade, portanto, a norma constitucional e a convencional estão em harmonia: a segunda densifica a primeira, sendo incorreto achar que ela a contraria. De toda forma, ainda que se julgasse haver conflito (e já vimos que não há), diversos dos cânones hermenêuticos do direito internacional recomendariam a aplicação do art. 23.2. do Pacto, como o critério da máxima efetividade (interpretação a favor da extração do maior proveito ao titular da proteção), o critério pro homine (interpretação a favor da concessão de superioridade das normas protetivas de direitos humanos sobre outras e a favor da extração da posição mais favorável do indivíduo frente ao Estado), o critério da primazia da norma mais favorável ao indivíduo (extração do maior benefício ao sujeito independentemente da origem da norma) e o critério da norma que mais promova a dignidade da pessoa humana.[58] Esses critérios, inclusive, fazem prevalecer a norma específica do Pacto de San José sobre aquela do art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (internalizado pelo Decreto nº 592 de 06 de julho de 1992), que somente estabelece a impossibilidade genérica de haver privação de direitos políticos por meio de ‘’restrições infundadas’’. Além de tudo, se se quiser continuar advogando a tese da existência do conflito, deve-se ter em mente que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado, como determina o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, internalizada pelo Decreto nº 7.030 de 14 de dezembro de 2009.
c) A título de argumento histórico legal nacional, a privação dos direitos políticos, no âmbito infraconstitucional, desde sempre esteve atrelada a penalidades de natureza criminal. Temos, por exemplo, o fato de que o Código Criminal do Império, editado sob a égide da Constituição Monarca, determinava a privação definitiva dos direitos políticos de cidadão brasileiro condenado a pena de banimento (art. 50); e a privação provisória – enquanto durassem os efeitos da condenação – no caso do condenado a galés, a prisão com trabalho, a prisão simples, a degredo e a desterro (art. 53). Já no Código Penal de 1890, o condenado a pena de prisão celular maior do que seis anos incorreria em interdição (art. 55; art. 43, ‘’f’’), cujos efeitos incluíam a suspensão de todos os direitos políticos (art. 55, ‘’a’’), situação que foi mantida com a edição da Consolidação das Leis Penais de 1932 pelo então desembargador Vicente Piragibe. Parece, ainda, que, ante a inexistência de Lei Complementar que densificasse o art. 149, § 3º, da Constituição de 67/69, havia tendência doutrinária e jurisprudencial pela aplicação dos ditames do Código Penal para a imediata aplicação da suspensão de direitos políticos ao condenado.[59]
Lembremos que também no Código Penal de 1940 (art. 69, V), a suspensão de direitos políticos foi considerada taxativa, expressa e literalmente uma pena (uma pena acessória compreendida no rol das interdições de direitos, nos termos do art. 67, III, mas ainda assim uma pena).
Na atual redação do Código Penal, após a Reforma de 1984 e a vigência da Lei 9.714/1998, não se mencionou expressamente a suspensão de direitos políticos no Estatuto Repressivo, mas foi mantida, como espécie de pena privativa de direitos, a interdição temporária (art. 43, V). A rigor, não existe nenhuma distinção conceitual ou fundamental entre a suspensão de direitos políticos e a interdição mencionada no citado dispositivo normativo, sendo lícito considerar a primeira uma espécie da segunda. Veja-se que o CP menciona genericamente as interdições (como gênero), enquanto a LIA estabelece uma de suas espécies (não havendo prejuízo, porquanto o princípio da legalidade determina a previsão das penas – sejam elas quais forem – em lei formal, e não necessariamente no Código Penal). Já vimos que também a interpretação histórica está a nosso favor nesse particular, já que a história dos Códigos Penais do Brasil, como se mostrou, é a história da expressa positivação da suspensão de direitos políticos como espécie de pena de interdição.
d) A título de argumento comparativo de fundamentos, muitas são as semelhanças entre as matrizes discursivas que buscam justificar a privação dos direitos políticos dos condenados criminalmente e aquelas que buscam a legitimação da própria imposição da pena criminal, o que faz com que, primeiro, nos perguntemos se em fato existem distinções e, segundo, se não existem, afirmemos que privação de direitos políticos é, em si, pena. O núcleo desse argumento se arrima em duas vigas fundamentais: (i) em uma constatada preferência doutrinária pela lógica segundo a qual se é a norma quem confere o status de cidadão a um sujeito, ela pode também retirá-lo no caso dele ofendê-la ou, de qualquer forma, fazer mau uso da ‘’condição de cidadão’’,[60] o que não difere muito de algumas das construções teóricas do funcionalismo penal no Século XX; e (ii) na ausência de distinções fundamentais entre o que justifica a pena criminal e o que justifica a privação de direitos políticos.
Vejamos, por exemplo, uma gama de comentaristas das Constituições brasileiras. Ao discorrer sobre a privação dos direitos políticos dos condenados, já Carlos Maximiliano diria que o sujeito ‘’Deixava de ser membro da sociedade que brutalmente offendera. Tendo faltado hoje aos deveres de cidadão obediente às leis, fica privado somente dos direitos correlativos, enquanto expia a falta imperdoável’’.[61] Aristides Augusto Milton, a seu turno, estabelecia que ‘’violando as leis da Republica, o cidadão offende-a directa e profundamente. E, por consequencia, não pode pretender que ella o mantenha e garanta no gozo dos direitos a que correspondem deveres, tão desgraçadamente esquecidos e desrespeitados’’.[62]
Enxergando um fundamento ético para a privação de direitos políticos estava Pontes de Miranda.[63] Como é de conhecimento, o penalista cujo trabalho mais fortemente influenciou a configuração dos modernos sistemas de direito penal adotava também um fundamento ético para o próprio direito penal e para a imposição da pena criminal.[64] Também à guisa de demonstração, fundamentos tradicionalmente utilizados como justificativa para a privação dos direitos políticos – como indignidade,[65] falta de ética,[66] falta de integridade, desonestidade e falta de honradez,[67] descumprimento de normas estabelecidas pela vontade geral e oposição contra o Estado,[68] nocividade à coletividade e ao Estado,[69] existência de um ‘’interesse maior’’[70] - são, senão os mesmos, muito próximos daqueles pelos quais se faz a justificação próprio poder punitivo – como a violação a valores fundamentais,[71] a infidelidade para com o Estado,[72] a honradez,[73] a causação de um dano social,[74] o descumprimento de deveres,[75] a periculosidade do infrator,[76] a expiação de uma falta de especial gravidade, dentre outros.
Essa proximidade discursiva (que tão grande é que chega-se a falar em um direito eleitoral de autor, de ato ou de inimigo, a partir de considerações sobre o que se é, o que se faz e o que se pode fazer)[77] é, em resumo, fruto de um dos problemas mais polêmicos das democracias constitucionais, como mostra a literatura internacional.[78] De um lado, pesa a balança para a universalidade do sufrágio (ou para a garantia das liberdades públicas, se continuarmos querendo aproximar os fundamentos da privação de direitos políticas dos da própria imposição da pena criminal) e sua expansão e fortalecimento desejáveis. De outro, pesa para a defesa da higidez do processo democrático e para a proteção das finalidades políticas de um Estado contra aquele que se mostra perigoso (ou a necessidade da defesa social a que incontáveis penalistas, criminólogos e toda gente envolvida com a questão criminal destinaram muitas páginas de muitos livros). De toda forma, o objetivo deste pequeno texto não é adentrar nessa problemática questão à qual desde Platão se debruça,[79] mas desvelar os contornos evidentemente penais nos quais se escora a privação forçada de direitos políticos.
e) A título de argumento de coerência conceitual, é simples perceber que suspender os direitos políticos de quem quer que seja não contribui para ressarcir, reparar ou restituir nada. Ao mesmo tempo, essa medida não impede uma lesão em curso. Portanto, a sanção ora em estudo enquadra-se perfeitamente no conceito de pena que serve como premissa teórica do presente texto.
f) A título de argumento materialista, devemos, mais uma vez, nos atentar mais para o que a intervenção do Estado efetivamente faz do que aquilo que ela deveria fazer. Uma pena é uma pena se ela se materializa como uma pena, e não se o legislador a nomeia como tal. Nessa perspectiva, quando analisamos a suspensão forçada dos direitos políticos de um cidadão (seja ele qual for), percebemos que sua gravidade é extremada: vivemos sob a égide de uma Constituição que se pretende cidadã, e tirar de alguém a possibilidade de participar do processo de construção de sua sociedade é, justamente, estabelecer-lhe a característica de não-cidadão, excluindo-o da grei e tornando-o objeto, e não autor, da democracia.
Quando de um dos muitos Pareceres que editou à época da Revisão Constitucional de 1994, o então deputado federal Nelson Jobim (PMDB), que posteriormente tornar-se-ia Ministro da Justiça do Governo FHC e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Corte da qual assumiu a Presidência em junho de 2004 e cujo quadro funcional abandonou, por aposentadoria voluntária, em março de 2006, resumiu bem esse modo de ver:
Em um Estado democrático o princípio a ser seguido nessa definição é óbvio: todos os membros da demos participam na formação da vontade do Estado. Ao estabelecer, de forma taxativa, os casos de exclusão deste princípio, o artigo 15 determina a punição máxima aplicável a um cidadão enquanto tal: a sua exclusão do gozo ou do exercício da cidadania. Esta punição deve restringir-se, assim, a casos extremos.[80]
Ao longo do Parecer, inclusive, o então deputado Jobim chega a mencionar a suspensão dos direitos políticos como decorrência de um ato de improbidade administrativa. Ele tem a probidade pública em tão elevada consideração ‘’que os atos contrários a ela sejam objeto da punição máxima que o Estado reserva ao cidadão relapso’’.[81]
Apenas a título argumentativo, veja-se que a falta de direitos políticos impõe o cancelamento do alistamento eleitoral (art. 71 do Código Eleitoral); impede a investidura em qualquer cargo público, ainda que desvinculado da prática do ato que serviu de base para a medida sancionatória (art. 5º, II, Lei 8.112/1990); impede ou suspende a filiação partidária, a prática de atos privativos de filiado a partido político, o exercício de cargos de natureza política ou de direção dentro das estruturas da agremiação partidária (art. 16 da Lei 9.096/1995; TSE, RGP nº 305/DF, Rel. Min. Luciana Lóssio, julgamento em 13/08/2015); determina a perda de qualquer mandato político do qual seja titular o sujeito na época do trânsito em julgado da sentença condenatória (STJ, REsp 1.813.255/SP. SEGUNDA TURMA. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em 03/03/2020).
Vejamos que, analisando pragmaticamente, a suspensão dos direitos políticos não se esgota em si. Não raras vezes, nos atos de improbidade administrativa incidem titulares de cargos eletivos (ou pretendentes a eles). Assim, essa medida, com frequência, determinará também, de maneira inelutável, a perda do emprego do condenado e a impossibilidade de retornar à profissão durante alguns bons anos. Se olharmos para as sanções privativas de liberdade, mesmo aquele que se encontra recluso não fica privado da possibilidade de exercer sua profissão, se houver compatibilidade entre ela e a execução – vide a Lei de Execuções Penais a partir do seu art. 31. Sob esse prisma, portanto, devemos pensar: como dizer que não é pena, somente pelo fato de que o legislador não chamou de pena, uma medida que, concretamente, impõe efeitos mais severos do que aquelas que ele chamou?
Isso tudo sem se mencionar o caráter estigmatizante de uma condenação dessa natureza. Suficientemente publicizada pelos veículos de mídia e mais nenhum elemento é necessário para a destruição absoluta e permanente da imagem pública de uma pessoa.
Fora tanto quanto exposto, essa medida ainda acarreta efeitos transcendentes de especial gravidade:
A um, por exemplo, pode deixar sem Prefeito, Governador ou Presidente todo um povo que, após elegê-lo democraticamente, vê sua diplomação obstada pela Justiça Eleitoral em razão de condenação pretérita à medida de suspensão de direitos políticos por ato de improbidade administrativa. Tal situação ocorreu nas Eleições de 2020 no Município de Petrópolis, no Rio de Janeiro. O Prefeito eleito, que concorreu provisoriamente, não assumiu o comando da cidade, isso em virtude de ter concorrido com os direitos políticos suspensos. De acordo com a legislação eleitoral, assumiu interinamente o Presidente da Câmara dos Vereadores, não votado para o cargo.
A dois, pode causar certa tensão democrática, pois pode impedir, por ato de agente público não eleito (magistrado), a assunção do poder por agente público eleito. Situações de tal ordem são sempre indesejáveis do ponto de vista da estabilidade institucional do país.
É verdade que esses casos podem (e, em certas hipóteses, devem) acontecer, e isso não se discute. O ponto é: como dizer que medida dessa natureza não ostenta natureza penal, quando os efeitos individuais podem ser tão ou mais gravosos do que os previstos na legislação penal manifesta? Quando dela podem irradiar consequências de ordem transcendente com potencial para causar crise entre Poderes e convulsão social (basta imaginar qualquer líder populista em um contexto de extrema polarização e brutalização dos discursos políticos para indiciar)?
5. Conclusão
Construir um sistema penal comprometido com as liberdades públicas significa, necessariamente, reconhecer que o poder punitivo, porquanto político, se manifesta muito antes do direito. Aquele que sai em busca do poder punitivo deve sair em busca da pena. E reconhecer que ela se mascara sob discursos não manifestamente penais é uma condição mínima para a formulação de uma teoria crítica do direito penal. Quero dizer, então, que onde quer que se manifeste a pena, é preciso transportar as categorias básicas do direito penal, cuja função instrumental primordial é a contenção do poder punitivo. Se é verdade que, como disse, a suspensão de direitos políticos é uma pena de natureza decididamente criminal – tal qual a privação da liberdade -, então é penal o direito da improbidade administrativa, e todas as garantias materiais e processuais do direito penal e do direito processual penal devem ser transpostas. O tipo, a ilicitude, a culpabilidade, o foro por prerrogativa, enfim. Salvo melhor juízo.
Notas e Referências
[1] ‘’Todo sistema de compreensão elaborado pelo direito penal de contenção, limitador ou liberal, deve reconhecer que os conflitos para os quais projeta decisões e as consequências da criminalização, cujo avanço propõe habilitar, são produzidos em um mundo físico e em uma realidade social protagonizada pela interação de pessoas dotadas de um psiquismo que dispõe de suas respectivas estruturas, e que tudo isso é real, ôntico, existe no mundo dessa maneira e não de outra. Por isso, o sistema deve admitir que, quando o legislador se refere a algum dado do mundo, não pode inventá-lo, mas sim deve respeitar elementarmente sua onticidade. Pouco importa que o impossível o seja por razões físicas ou sociais: em qualquer caso não pode ser considerado juridicamente possível, sob pena de incorrer em um autismo discursivo ou em uma ataviada ficção. Não é surpreendente que, a partir do autoritarismo, sejam defendidas as ficções jurídicas. Um direito penal como discurso, que aspire a alguma eficácia, em qualquer sentido que seja, não pode esquivar-se a um alto grau de integração com as ciências sociais’’. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. Rio de Janeiro, Revan: 2003. p. 174.
[2] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A questão criminal. Trad. Sérgio Lamarão. 1a ed. Rio de Janeiro: Revan, 2013. p. 18 – 30. E também, para aprofundar, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O nascimento da criminologia crítia: Spee e a Cautio Criminalis. 1a ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020.
[3] C.f. o art. 92, I, do Código Penal.
[4] C.f. o art. 12 da Lei 8.429/92.
[5] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. [et. al.]. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume… (op. cit.). p. 39.
[6] Ibidem. p. 40; BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12a ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 114. Procedimentalizando-a em atos de explicação e atos de decisão, TAVARES, Juarez. Fundamentos de teoria do delito. 1. ed. - Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 28. Em sentido semelhante, estabelecendo dogmática como um estudo sobre o direito penal, concebido como o conjunto de normas sancionatórias, SOLER, Sebastián. Derecho penal argentino. Tomo I. Actualizado por Guillermo J. Fierro. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, p. 26.
[7] COSTA, Daniela Carvalho Almeida da; MACHADO JUNIOR, Elisio Augusto de Souza. A Racionalidade da Dogmática-Penal e sua Função como Estrutura Normativa Garantidora de Liberdades: uma abordagem sistêmica do Direito Penal. Sequência (Florianópolis) [online]. 2019, n.82, p. 221-241. Epub Dec 02, 2019. ISSN 2177-7055. https://doi.org/10.5007/2177-7055.2019v41n82p221.
[8] NOVOA MONREAL, Eduardo. Crítica y desmistificación del derecho. Buenos Aires: Ed. Ediar, 1985. p. 226.
[9] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Doutrina penal nazista: a dogmática penal alemã entre 1933 a 1945. Trad. Rodrigo Murad do Prado. - 1a ed. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2019. p. 23.
[10] Ibidem. p. 91.
[11] NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2018, p. 144. Em sentido semelhante ANJOS NETO, Francisco Chaves. Da plena compatibilidade da aplicação da Lei n. 8.492/92 aos agentes políticos. In: Revista de Informação Legislativa, Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, Brasília, ano 45, n. 177, jan./mar. 2008, p. 67 – 74; COMPARATO, Fábio Konder. Ação de improbidade: Lei 8.429/92. Competência ao Juízo do 1o grau. In: Boletim dos Procuradores da República, ano 1, n. 9, jan. 1999. p. 7. Também próximo está ROLIM, Luciano. Limites constitucionais intangíveis ao foro privilegiado. In: Boletim Científico – Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília: ESMPU, ano 4, n. 14, jan./mar. 2005, p. 111 – 146.
[12] SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei n 8.429/92. Com as alterações mantidas pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04.09.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 1.
[13] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. - 7ed. rev. ampl. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1028. Um raciocínio semelhante está em OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 434 e 435. Aqui, diz-se em suma que sob a ótica do direito penal há tipos legais de improbidade que, em razão de sua vagueza, seriam inconstitucionais. Nada obstante, como o legislador (ainda que o legislador constituinte), em tese, não haveria dito expressamente que o direito penal se aplica, o fundamento de validade das proibições de improbidade decorreria de uma indeterminação da regra constitucional, e como mágica a inconstitucionalidade pela falta de taxatividade desapareceria. Essa perspectiva, além de tudo, incorre em uma invalidade hermenêutica, que é um vício de metodologia interpretativa: em matéria de direito restritivo das liberdades (rectius: direito punitivo), quando se encontra com uma indeterminação se a deve interpretar de maneira a maximizar os espaços de liberdade, contendo o poder de punir, e não ampliando-o. Entender de maneira diversa parece negar um básico princípio liberal de Estado, que é não restringir a liberdade para a qual não se está expressamente legitimado. Claro, há indeterminação na norma constitucional regente (art. 37, § 4º, CRFB/88), assim como há indeterminação em todo enunciado legislativo, que nunca é exatamente preciso (ITURRALDE SESMA, Victoria. Elementos semántico-sintácticos de indeterminación de los enunciados normativos en el lenguaje legal. In: Theoria: an international journal for theory, history and foundations of science. ISSN 0495-4548. Vol. 3, nº 7-9, 1987-1988. p. 157 – 190). Nesses casos, cabe proceder de duas formas: (i) declarar a inconstitucionalidade do dispositivo ou (ii) preenchê-lo pela máxima taxatividade interpretativa – e portanto no sentido de compreendê-lo com a maior estrutura possível de contenção do poder político mitigador das liberdades. Como não é caso de tomar por incompatível com a Constituição o dispositivo constitucional mencionado (primeira hipótese) – a um pois é texto originário e a dois pois a interpretação o pode preservar da nulificação -, só cabe proceder com a densificação hermenêutica (segunda hipótese). Essa hipótese poderia ser rechaçada a partir da ocorrência de interpretação (a) sem apoio normativo, (b) contraditória, (c) sem referencial próximo ou (d) incapaz de sanar uma irracionalidade irredutível (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. [et. al.]. Direito penal brasileiro: primeiro volume… (op. cit.). p. 207.), mas nenhum desses óbices é encontrado. Pelo contrário, a lógica constitucional recomenda o controle, e exige que a interpretação dê-se no sentido de reduzir o âmbito do proibido ao menor possível, isso para reduzir o estado deplorável em que se encontra no direito o princípio da legalidade na práxis e na literatura (NAUCKE, Wolfgang. La progresiva pérdida de contenido del principio de legalidad penal como consecuencia de un positivismo relativista y politizado. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 14, n. 61, jul./ago. 2006., p. 122 – 146). Sobre empreender o processo de interpretação das normas como um elemento garantidor das liberdades, c.f., v.g., TAVARES, Juarez. Fundamentos… (op. cit.). p. 30.
[14] ‘’Es absurdo oponer una garantía para peijudicar al que la garantía ampara. Lamentablemente, éste suele ser el criterio perverso com que se manipulan algunos principios garantizadores [...]’’. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Las penas crueles son penas, en Lecciones y Ensayos, nro.56, Departamento de Publicaciones, Facultad de derecho, Universidad de Buenos Aires, 1996.
[15] Já se deixou entrever na penalística europeia (NAUCKE, Wolfgang. La progresiva… (op. cit.). que postura próxima aproxima o jurista de se tornar um engenheiro da proteção do Estado.
[16] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade… (op. cit.). p. 1034.
[17] ‘’No podemos pasar por alto la observación que seguramente se formulará de que no hay un concepto constitucional de ‘’pena’’ porque la Constitución políticano define a la pena. Este género de argumentos olvida que las vacas eran vacas antes que alguien las definiera y, aún más, las vacas no se han enterado de que están definidas’’. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Las penas crueles… (op. cit.).
[18] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. [et. al.]. Direito penal brasileiro: primeiro volume… (op. cit.). p. 38.
[19] C.f., v.g., BAUER, Anton. La teoria de la advertencia y una exposición y evaluación de todas las teorias del Derecho penal. Traducción de Eugenio Raúl Zaffaroni. 1a ed. adaptada. Ciudad Autônoma de Buenos Aires: Ediar, 2019.
[20] MIRANDA, Gustavo Senna. Da impossibilidade de considerar os atos de improbidade administrativa como crimes de responsabilidade. In: Revista dos Tribunais, ano 96, vol. 857, mar./2007, p. 478 – 511.
[21] PROLA JÚNIOR, Carlos Alberto. Improbidade administrativa e dano moral coletivo. In: Boletim Científico – Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília: ESMPU, ano 8, n. 30/31, jan./dez., 2009. p. 191 – 192. Às p. 223 fala também de um ‘’sentimento de complacência com os atos de má gestão pública’’.
[22] Para um interessante trabalho sobre os discursos da impunidade, c.f., v.g., EL TASSE, Adel. O que é a impunidade. Curitiba: Juruá, 2009.
[23] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. [et. al.]. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume… (op. cit.). p. 98.
[24] Ibidem. p. 99.
[25] Ibidem. p. 89 – 90.
[26] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 7a ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 161 et. seq.
[27] E isso pode ser feito, sobretudo quando se entende que essa expressão designa a atribuição legal de uma pena qualquer a um ilícito qualquer. Como em BATISTA, Nilo. Introdução… (op. cit.). p. 66.
[28] Apegando-se a elas está, por exemplo, OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 439.
[29] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. [et. al.]. Direito Penal Brasileiro: segundo volume… (op. cit.). p. 22.
[30] A ratio dessa ideia está contida materialmente, por exemplo, na seguinte passagem: ‘’Estes sistemas são confusos. Observada a funcionalidade redutora de toda a construção teórica, é muito mais claro separar o pressuposto da possibilidade de resposta punitiva (delito) da própria possibilidade de resposta (responsabilidade) punitiva. A agência judiciária deve responder pela habilitação de poder punitivo, fazendo-se responsável pela formal criminalização do agente. Neste sentido, constrói-se uma responsabilidade penal (ou punitiva) conceitualmente distinta daquela usualmente referida, que se desloca do sujeito criminalizado para a agência criminalizante. Não é o sujeito criminalizado que deve responder, e sim a agência criminalizante – evitando, com sua resposta, que sobre ele se exerça um poder punitivo ilegal, inconstitucional ou irracional. Portanto, é mais correto construir uma teoria da responsabilidade penal (ou punitiva), compreendida como possibilidade de resposta (responsabilidade) punitiva da agência judiciária, que, dado seu pressuposto (delito), ocupe0se do complexo de condições que resultam na forma e medida do exercício concreto de poder punitivo. Para este conceito de responsabilidade penal ou punitiva, que se instaura como responsabilidade pela habilitação do exercício concreto de poder punitivo, não é preciso alterar o conceito de culpabilidade de ato […].’’. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. [et. al.]. Direito penal brasileiro: segundo volume… (op. cit.). p. 64.
[31] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Tradução, revisão técnica e nota introdutória de Gizlene Neder. 2a. ed. Rio de Janeiro: ICC: Ed. Revan, 2004. p. 19.
[32] Disponível em: < https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_233_esp.pdf >. p. 46. Acesso em: 28/01/2021.
[33] Disponível em: < https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_72_esp.pdf >. Acesso em: 28/01/2021.
[34] Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_115_esp.pdf >. Acesso em: 31/01/2021.
[35]Disponível em: < https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_72_esp.pdf >. p. 84. Acesso em: 28/01/2021.
[36] Ibidem. p. 87.
[37] Disponível em: < https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_71_esp.pdf >. Acesso em: 31/01/2021.
[38] Disponível em: <https://www.parlamento.pt/Parlamento/Documents/CRP-1822.pdf >. Acesso em 25/01/2021.
[39] FERRARINI, Luigi Giuseppe Barbieri. Cárcere e voto: a morte social pela suspensão dos direitos políticos do condenado. 1 reimp. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2020. p. 41 et. seq.
[40] Em sentido semelhante foi a posição do então deputado federal Nelson Jobim (PMDB) quando de um dos muitos Pareceres que, na condição de Relator, editou na Revisão Constitucional de 1994. O então futuro Ministro do Supremo Tribunal Federal sustentou posição no sentido de que ‘’não se pode admitir a indeterminação da hipótese (qualquer situação criminalmente tipificada)’’. Ele, então, analisa duas possibilidades: circunscrever a sanção aos delitos dolosos e àqueles apenados com privação de liberdade. Disponível em: < https://www.senado.leg.br/atividade/baseshist/asp/detalheDocumento.asp?codBase=6&codDocumento=29904&sgBase=REVI&q=nelson+jobim >. Acesso em: 26/01/2021. Voltaremos a isso mais a frente no texto.
[41] Disponível em: <https://www.camara.leg.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-75.pdf>. Acesso em 26/01/2021.
[42] FERRARINI, Luigi Giuseppe Barbieri. Cárcere… (op. cit.). p. 52.
[43] Ibidem.
[44] Disponível em: < https://www.camara.leg.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-229.pdf >. Acesso em: 26/01/2021.
[45] Disponível em: < https://www.camara.leg.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-235.pdf >. Acesso em: 26/01/2021.
[46] Disponível em: < https://www.camara.leg.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-236.pdf >. Acesso em: 26/01/2021.
[47] Disponível em: < https://www.camara.leg.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-238.pdf >. Acesso em: 26/01/2021.
[48] Disponível em: < https://www.camara.leg.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-239.pdf >. Acesso em: 26/01/2021.
[49] Artigo 23. Direitos políticos.
1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b) de votar e se eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades e a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.
[50] Disponível em: < https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_233_esp.pdf >. Acesso em: 28/01/2021.
[51] Resolução Nº 01-00-000206 de 24 de agosto de 2005, emitida pelo Contralor General de la Republica.
[52] Artículo 105:
La declaratoria de responsabilidad administrativa, de conformidad con lo previsto en los artículos 91 y 92 de esta Ley, será sancionada con la multa prevista en el artículo 94, de acuerdo con la gravedad de la falta y el monto de los perjuicios que se hubieren causado. Corresponderá al Contralor General de la República de manera exclusiva y excluyente, sin que medie ningún otro procedimiento, acordar en atención a la entidad del ilícito cometido, la suspensión del ejercicio del cargo sin goce de sueldo por un período no mayor de veinticuatro (24) meses o la destitución del declarado responsable, cuya ejecución quedará a cargo de la máxima autoridad; e imponer, atendiendo la gravedad de la irregularidad cometida, su inhabilitación para el ejercicio de funciones públicas hasta por un máximo de quince (15) años, en cuyo caso deberá remitir la información pertinente a la dependencia responsable de la administración de los recursos humanos del ente u organismo en el que ocurrieron los hechos para que realice los trámites pertinentes.
En aquellos casos en que sea declarada la responsabilidad administrativa de la máxima autoridad, la sanción será ejecutada por el órgano encargado de su designación, remoción o destitución.
Las máximas autoridades de los organismos y entidades previstas en los numerales 1 al 11 del artículo 9 de esta Ley, antes de proceder a la designación de cualquier funcionario público, están obligados a consultar el registro de inhabilitados que a tal efecto creará y llevará la Contraloría General de la República. Toda designación realizada al margen de esta norma será nula.
[53] C.f., v.g., o Oficio Nº 01-00-00104 de 9 de julho de 2007, emitido pelo Contralor General de la Republica aos Alcaides da República Bolivariana da Venezuela; e c.f. a Resolução Nº 01-00-00004, de 09 de janeiro de 2006, emitida pelo Contralor General de la Republica.
[54] Disponível em: < https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_233_esp.pdf >. p. 43. Acesso em: 28/01/2021.
[55] Ibidem.
[56] STF, RE 466.343/SP. TRIBUNAL PLENO. Rel. Min. Cezar Peluso. Julgamento em 03/12/2008.
[57] Há doutrina de peso em sentido contrário à decisão do STF, seja pela incompatibilidade natural entre a condição de direitos fundamentais e qualquer hierarquia infraconstitucional, ou seja pela consideração de que os direitos garantidos nos tratados internacional de direitos humanos, independentemente da forma prevista no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal (constitucionalidade formal), já ostentam, intrinsecamente, o caráter de constitucionais (constitucionalidade material). C.f., v.g., SARLET, Ingo Wolfgang. Considerações a respeito das relações entre a Constituição Federal de 1988 e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. In: Rev. TST, Brasília, vol. 77, no 4, out/dez 2011. p. 162 – 185. p. 176.
[58] SARLET, Ingo Wolfgang. Considerações… (op. cit.). p. 176.
[59] FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 316.
[60] ‘’E porque a soberania tem o jus de prescrever as regras para acquisição de taes direitos, cabe-lhe igualmente o de estabelecel-as para o caso da perda ou suspensão deles.’’ In: MILTON, Aristides Augusto. A Constituição do Brazil: notícia Gistorica, Texto e Commentario. 2. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898. p. 368.
[61] MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira de 1891. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005. p. 681.
[62] MILTON, Aristides Augusto. A Constituição… (op. cit.). p. 368.
[63] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960. Tomo IV. p. 209.
[64] WELZEL, Hans. Derecho penal: parte general. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956. p. 3 – 5.
[65] FERREIRA, Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1962. Tomo I. p. 266 – 267.
[66] Ibidem.
[67] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 15.
[68] FERRAZ, Anna Cadndida da Cunha (coord.); MACHADO, Costa (org.). Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 4. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 104 – 105.
[69] COSTA, Elcias Ferreira da. Comentários breves à Constituição Federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989. p. 66.
[70] AGRA, Walber de Moura; BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 505 – 506.
[71] WELZEL, Hans. Derecho… (op. cit.). p. 3.
[72] Ibidem.
[73] Ibidem.
[74] Ibidem. p. 4.
[75] Ibidem. p. 7.
[76] Isso, no mínimo, desde o Malleus Maleficarum (1487), o famoso ‘’Martelo das feiticeiras’’, de Heinrich Kraemer e James Sprenger, obra fundacional dos discursos legitimadores do poder punitivo modernos, que se dirigia, à época, contra o perigo das ‘’bruxas’’, postura teórica fundamentada na inferioridade biológica da mulher. ‘’O Malleus foi elaborado sobre a emergência que impunha a necessidade de combater o complô do diabo com as mulheres, do que resultava uma racionalização do poder destinada a controlar a mulher com brutalidade: os atos de bruxaria (o mal) eram justificados pela inferioridade genética na mulher, estigmatizada por meio de pomposas citações e adjetivos difamatórios. Tudo se devia ao fato de que a mulher foi feita de uma costela que, sendo curva, se contrapõe à postura vertical própria do homem, isto é, implica um defeito genético. Tal curvatura lhe dava menos fé, era mais fraca que o homem na fé, mais capaz de ofender o Criador, o que se reafirmava por meio de uma improvisada etimologia – derivando femina de fe e minus.’’ In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl. [et. al.]. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume… (op. cit.). 512.
[77] RÍOS VEGA, Luis Efrén. El canon europeo e interamericano de la privación de sufragio pasivo. Cuestiones constitucionales. In: Revista Mexicana de Derecho Constitucional, núm. 36, enero-junio, 2017. p. 113.
[78] Ibidem. p. 110.
[79] ‘’Quem deve governar?’’ é uma das questões em A República.
[80] Disponível em: < https://www.senado.leg.br/atividade/baseshist/asp/detalheDocumento.asp?codBase=6&codDocumento=29904&sgBase=REVI&q=nelson+jobim >. Acesso em: 26/01/2021.
[81] Ibidem.
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