Por Alexandre Claudino Simas Santos - 27/08/2015
A Revisão Criminal é matéria já conhecida pelos operadores do Direito Penal (latu sensu), pois figura constantemente em concursos públicos e é amplamente abordada pelos doutrinadores em suas obras. Tratada no art. 621 e seguintes do Código de Processo Penal, a Revisão é uma espécie de impugnação - e não de recurso[1] -, que tem como objetivo “rescindir uma sentença transitada em julgado, exercendo por vezes papel similar ao de uma ação de anulação, ou constitutiva negativa no léxico ponteano, sem se ver obstaculizada pela coisa julgada”[2].
Menos abordada pelo meio jurídico é a Ação de Justificação Criminal, que todavia guarda íntima relação com a Revisão Criminal, uma vez que serve como espécie de medida cautelar preparatória para a propositura da referida ação impugnatória.
No campo da jurisprudência, destaca-se que não recaem dúvidas acerca do cabimento do ajuizamento de ação cautelar (art. 861 do Código de Processo Civil) preparatória da Revisão Criminal, desde que estejam presentes elementos concretos acerca da necessidade da medida, que devem obedecer os mesmos requisitos da Revisão Criminal, discriminados no art. 621 do Código de Processo Penal.
Sobre a Justificação, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. NOVAS PROVAS. DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA. RETRATAÇÃO. PEDIDO DE JUSTIFICAÇÃO. INDEFERIMENTO. PROVA TESTEMUNHAL QUE FUNDAMENTOU ÉDITO CONDENATÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. Quando se trata de ação revisional proposta com fundamento na existência de novas provas testemunhais capazes de infirmar o édito condenatório (art. 621, inciso III, do CPP), estas devem ser previamente produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, por meio do procedimento da justificação criminal, a ser conduzido perante o primeiro grau de jurisdição, nos termos do artigo 861 e seguintes do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente conforme o disposto no artigo 3º do CPP. Precedentes. [...] (Habeas Corpus n. 140.618/SP. 5.ª Turma. Relator:. Min. Jorge Mussi. DJe de 29/08/2011).
No entanto, a controvérsia surge quando a Justificação Criminal é proposta em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença que se pretende ver rescindida, caso em que pode vir a ser questionado o cabimento da cautelar, porquanto a Revisão Criminal somente é admitida em face de sentença transitada em julgado (§ 1º do art. 625 do Código de Processo Penal).
É importante ressaltar que a legislação vigente não estabelece exigências específicas para o ajuizamento de Justificação Criminal, não havendo que se falar em óbice legal à sua propositura anterior ao trânsito em julgado. Em que pese esteja ela relacionada à Revisão Criminal (que inegavelmente só é cabível após o trânsito em julgado da sentença condenatória), não se pode perder de vista a natureza cautelar da Ação de Justificação, cuja urgência é intrínseca. Também não é demais lembrar que a prova produzida em seu âmbito pode conduzir à reparação de um erro judicial dos mais graves, qual seja, a injusta condenação criminal.
Dessa forma, entende-se que o indeferimento da Justificação Criminal, ainda em casos em que a condenação não tenha passado em julgado, pode vir a malferir os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mormente nos casos em que o autor foi sentenciado a cumprimento de pena em regime semiaberto ou fechado. Nesta hipótese, o óbice à obtenção da prova obtida por meio da cautelar pode resultar na prisão do acusado, tendo em vista que, uma vez transitada em julgado a sentença condenatória, proceder-se-ia à expedição de mandado de prisão para cumprimento da pena, desfecho possível de ser evitado com o sucesso da futura Revisão Criminal.
Com efeito, deve-se ainda atentar ao fato de que, considerando-se os recentes entendimentos dos tribunais superiores, não é possível revolver matéria fático-probatória em sede de Recurso Especial ou mesmo de Habeas Corpus, de modo que o ajuizamento de Justificação Criminal acaba sendo a forma mais eficaz de garantir os direitos do acusado quando da existência de material probatório capaz de conduzir à absolvição.
Conclui-se, pois, que não há base legal para que seja indeferida a Ação de Justificação Criminal sob argumento de que não houve trânsito em julgado da sentença a ser impugnada, e que a questão deve ser solucionada em favor das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, da Constituição da República).
Notas e Referências:
[1] PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1284.
[2] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.p. 1094.

Alexandre Claudino Simas Santos é Assessor Jurídico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina desde 2009.
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