Sobre nudges, comportamento e pandemia

26/03/2021

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

No primeiro dia de aula do mestrado, ainda como aluna especial, recebi como missão pesquisar sobre Nudges. Ideia sobre o que era? Nenhuma! Mas o professor já adiantou: “vais gostar”. E como uma boa curiosa, fui atrás, pesquisei na internet enquanto meus livros não chegavam. Devorei-os quando chegaram. Uma das passagens que utilizei no meu trabalho para aquela disciplina foi a seguinte:

Os voluntários, estudantes no último ano de faculdade em Yale, receberam explicações persuasivas sobre os riscos do tétano e sobre a importância da vacinação. A maioria dos estudantes ficou convencida com a palestra e disse que planejava tomar a vacina, mas a boa intenção não deu muito resultado: só 3% deles de fato foram vacinados.

Outros voluntários assistiram à mesma palestra, mas além disso receberam um mapa do campus indicando o posto de saúde onde poderiam tomar a vacina. Em seguida, os pesquisadores pediram que olhassem a agenda marcassem uma data, olhassem o mapa e decidissem que caminho fariam até o posto de saúde. Com esses nudges, 28% dos estudantes tomaram a vacina contra o tétano.[1]

As campanhas de vacinação no Brasil são datadas da década de 60, baseadas no Código Nacional de Saúde, Lei nº 2.312, de 1954, que em 1961 estabeleceu as Normas Gerais sobre Defesa e Proteção da Saúde (Decreto nº 49.974-A). As primeiras campanhas foram para vacinação contra poliomielite, seguida pela varíola, sendo a primeira erradicada no início da década de 90 e a segunda no início da década de 80. Instituía-se um dia para a campanha nacional. Todas as mídias da época esforçavam-se para estimular a ida aos postos. A população era bombardeada com cartazes, propagandas na televisão e no rádio, chamadas em jornais, divulgações com personalidades, etc.[2]

A obrigatoriedade de vacinação é mais antiga, datada de 1837, mas sem força suficiente para convencer a população de que era necessário. Em 1904, quando as internações de pessoas com varíola explodiam muitos ainda achavam esquisita a ideia de ter inoculado em si um líquido com “pústulas de vacas doentes”, sendo ainda que havia boataria de que quem se vacinasse corria o risco de ficar com feições bovinas. Assim, Oswaldo Cruz fomentou junto ao congresso a instituição de campanhas nacionais de vacinação, tentando conscientizar a população sobre os benefícios. Quem não se vacinasse não conseguiria se matricular em escolas, casar, conseguir emprego e ser autorizado a viajar, entre outros.[3]

A história se segue, mas nota-se que é cíclica. O Brasil conseguiu erradicar doenças nesse meio tempo, mas ainda conta com o descrédito de grupos autodenominados antivacina. A coerção em ser vacinado vem aos dias atuais, mas as campanhas em prol de vacinação parecem andar mais tímidas, juntamente com a conscientização da população sobre a vida em comunidade.

Voltando aos nudges da primeira aula do mestrado. No ano de 2008, Cass Sunstein e Richard Thaler, divulgaram seu livro chamado Nudge, Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Nele, discorreram, ao longo das páginas, a respeito de arquitetura de escolhas, tipos de pensamento, entre outros, alicerçados em pesquisas em ciência comportamental e economia, com foco em tomadas de decisão. Tendo como motivação a economia comportamental, os autores trouxeram de suas experiências, Sunstein enquanto advogado, especialista em temas constitucionais, regulatórios e de economia comportamental, e Thaler, um economista, estudioso da economia comportamental e das finanças, com interesse na psicologia da tomada de decisões, uma vasta gama de situações e explicações para pensamentos que povoam a mente da população.

A maneira com que as decisões são tomadas tomam um espaço especial nos estudos de ambos, explorando como seria possível haver uma tomada de decisão mais consciente e benéfica para os cidadãos. Para eles, nenhuma decisão é neutra. Todas elas vêm carregadas de indicativos que podem influenciar na tomada de decisão. São dicas, "empurrões", que podem ajudar a pessoa a ter escolhas mais sábias, ou não tanto. Mas não afetam a liberdade de escolha, deixando ao sujeito em questão, a decisão final.

No conceito, há a introdução do arquiteto de escolhas, figura que tem como tarefa organizar quaisquer que sejam as coisas, em um contexto, que favoreçam ou privilegiem alguma categoria. Nisso, um dos primeiros exemplos dado pelos autores é o da cantina que, por meio de uma readequação da ordem de alimentos, faz com que as pessoas comam de maneira mais saudável, se privilegiar a disposição começando por comidas mais benéficas ao corpo humano. O arquiteto, com essa nova organização, promove um nudge, uma ferramenta de impulsionamento de escolha, a qual estimularia os envolvidos a ter uma alimentação mais saudável, mas também não os proibira de pular a parte das saladas e verduras e ir diretamente as frituras.

Poderiam ser eles utilizados em um momento de tamanho descrédito com as pesquisas científicas? Sim. Nudges podem atuar como propulsores por meio de pequenos movimentos que incitariam os comportamentos desejados. O ato de estruturar situações que podem ser benéficas para a população, ainda mais no enfrentamento da pandemia que se instalou em março de 2020 no Brasil e assola o mundo desde o final de 2019, poderia ser visto como uma alternativa de baixo custo para diminuir a quantidade de pessoas infectadas, no geral.

A estimulação da população a usar adequadamente as máscaras, a manter o distanciamento e até mesmo a ficar em suas casas evitando sair desnecessariamente contribuindo para a menor circulação do vírus poderiam ser atitudes incentivadas por meio de nudges, algo também barato tendo em vista a necessidade zero de comprar quaisquer tipos de insumo ou material. Com a falta de estímulo do poder público em incentivar a população a ter confiança em pesquisas que estão sendo feitas há anos, juntamente com a desestruturação da educação, o que deixa em aberto uma lacuna de saberes que poderiam alicerçar melhores hábitos de vida, temos a realidade estampada nos jornais de todo o mundo hoje: o Brasil, de país consciente e engajado na erradicação de doenças, padece frente a Covid-19, trazendo diariamente números de infectados e mortos que aumentam vertiginosamente.

Em 2009, Richard Thaler narra uma passagem sua pelo Reino Unido na qual localizou um cartaz em uma estação de metrô com os seguintes dizeres: “HAVE YOU BEEN NUDGED TODAY? (Você foi nudged hoje?)”. Ainda que a tradução do mesmo não consiga se fazer compreendida, entende-se que o questionamento quer saber se a pessoa que está passando por ali já sofreu interferência de um nudge durante aquele dia, tendo alguma de suas decisões tocadas por algum fator externo a si. Tal passagem traz para a consciência analisar o quanto a população sofre interferências externas e o quanto podem ser benéficas ou não.[4]

Para o momento vivido no Brasil, que não só sofre com a falta de vacinas para toda a sua população (algo que sim, demanda investimentos monetários grandes), com o negacionismo quanto a dimensão do problema que a Covid-19 vem causando, com a ignorância em saber que haveriam mutações ao longo da experiência, já que em contato com diversos organismos isso iria acontecer, com a falta de incentivos a usar daquilo que se sabe e se pode para o momento (o distanciamento, o uso de máscaras, a higiene com maior profusão), seria possível utilizar-se de nudges para atenuar os impactos vividos.

A arquitetura de escolhas também poderia ser utilizada para frear o consumo de soluções que não se mostram eficazes para o tratamento da Covid 19 já que o uso de substâncias indiscriminadamente pode causar diversas reações ao corpo humano. E inclusive é por isso que não se pode comprar quaisquer medicamentos sem que haja prescrição e retenção de receita médica em alguns casos.

Não há uma solução que daria conta de resolver tudo, mas os nudges, se bem utilizados e com parâmetros delineados, poderiam ser uma ferramenta muito útil ao enfrentamento da pandemia que vivemos desde o ano passado. Eles ajudariam a minimizar o sofrimento de muitas famílias que hoje se despedem dos seus familiares e ainda assistem o descontrole que tomou conta do nosso país.

[1] THALER, Richard H., SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Tradução de Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva, 201 

[2] BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos. Conheça a história das Campanhas Nacionais de Vacinação. Disponível em: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1682-conheca-a-historia-das-campanhas-nacionais-de-vacinacao#:~:text=Assim%2C%20inicia%2Dse%20em%201980,tr%C3%ADplice%20e%20contra%20o%20sarampo. Acesso em 08 de março de 2021.

[3]BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Agência Fiocruz de Notícias. A Revolta da Vacina. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/revolta-da-vacina-2#:~:text=No%20Brasil%2C%20o%20uso%20de,e%20para%20adultos%20em%201846.&text=Ent%C3%A3o%2C%20em%20junho%20de%201904,em%20todo%20o%20territ%C3%B3rio%20nacional. Acesso em 08 de março de 2021.

[4] THALER, Richard H. Misbehaving: A construção da economia comportamental. Tradução: George Schlesinger. 1ª. Ed. Rio De Janeiro: Intrínseca, 2019.

 

Imagem Ilustrativa do Post:vaccine // Foto de: Hakan Nural // Sem alterações

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