Sobre as meninas criminalizadas por tráfico de drogas

12/12/2023

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

Esse texto tem a finalidade de discutir algumas das questões sociais, políticas e econômicas que atravessam as vidas das meninas criminalizadas pelo ato infracional análogo ao tráfico de drogas. Histórica, contraditória e em constante transformação, essa realidade não pode ser compreendida sem que a pensemos a partir de olhar mais amplo, sob os impactos diretos de um Estado capitalista, penal e neoliberal.

Muitos são os intelectuais e criminólogos que discorrem sobre os instrumentos e práticas de punição e controle social, direcionado aos setores mais pauperizados da classe trabalhadora. O pensador Loïc Wacquant aponta que o controle social do referido grupo é um dos principais modos de intervenção do Estado na vida dessa população, atuando seletivamente, de maneira repressora e criminalizante. Em um sentido semelhante, a intelectual Angela Davis coloca que a seleção daqueles que serão alvo da punição estatal está intrinsecamente relacionada ao racismo.

Nas teias do Estado criminalizador, o perfil das meninas criminalizadas pelo ato infracional análogo ao tráfico de drogas vai sendo traçado. A maioria das garotas apreendidas pelo referido ato infracional são negras, moradoras das periferias e pobres, pertencentes a uma juventude trabalhadora controlada e desumanizada em nome da manutenção do sistema capitalista, bem como apreendidas com uma quantidade irrisória de drogas. Características semelhantes quando pensamos nas mulheres adultas também criminalizadas por tráfico de drogas.

Nesse contexto específico da criminalização por tráfico de drogas, as consequências das políticas proibicionistas afetam sobretudo as mulheres negras pobres, bem como é a guerra às drogas a maior causa de encarceramento e criminalização de mulheres no Brasil. Se tratando das adolescentes, é necessário discutir algumas especificidades que permeiam essa realidade. Destacamos, primeiramente, que há um distanciamento entre jovens criminalizadas e a noção de uma pessoa em desenvolvimento, reduzindo-as apenas a infratoras; ou seja, uma desconsideração da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento paralelo a uma aproximação ao estigma da delinquente.

Ainda, alguns estudos (Lúcio, 2023) constataram que poucas meninas , embora julgadas por supostamente praticar o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, pareciam estar inseridas no comércio de entorpecentes, produzindo valor de troca. Ou seja, algumas delas pareciam ser apenas usuárias de drogas, outras foram apreendidas levando drogas para companheiros nos presídios (pela primeira vez ou de modo muito pontual). É necessário mencionar que há uma modalidade de trabalho, que se diferencia do trabalho produtivo e podemos a perceber nessas apreensões nos presídios.

O trabalho reprodutivo é aquele em que o valor de troca não é produzido , apenas valor de uso (Vogel, 2013). Trabalho majoritariamente desenvolvido por mulheres em nossa sociedade, fundamental na sustentação do sistema. De modo que, trazendo para a referida realidade, embora algumas adolescentes não trabalhem na produção, elas provavelmente estão trabalhando na reprodução desse comércio.

Outra especificidade que deve ser destacada diz respeito ao fato de que elas são exploradas por uma das piores formas de trabalho infantil. De acordo com a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil), as jovens inseridas no trabalho do comércio de entorpecentes devem ser compreendidas como vítimas de uma das piores formas de trabalho infantil. Desse modo, a partir do momento em que elas são apreendidas, respondem a um processo de apuração de prática do ato infracional análogo ao tráfico de drogas e recebem medida socioeducativa, essas adolescentes são consideradas, pelo Estado, trabalhadoras desse comércio, que deveriam ser protegidas, e não punidas.

Essas questões devem ser mais e mais debatidas, em finais e inícios de ano e exploradas em suas mais diversas particularidades. Elas são de fundamental importância para a compreensão da realidade de uma juventude trabalhadora, negra e criminalizada.

 

Notas e referências

*Este texto foi construído com base na tese defendida no PPGPsi-UFRN em agosto de 2023, intitulada “FILHAS DO MENOR CHUVISCO”: UM ESTUDO SOBRE AS ADOLESCENTES PARAIBANAS CRIMINALIZADAS POR TRÁFICO DE DROGAS.

 

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