SOBRE A TAL FELICIDADE  

10/04/2022

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

Mas onde será que habita a tal felicidade?

Em tempos difíceis da modernidade, em meio a tantas vidas perdidas, diante do caos da economia e diante da pior das crises morais em nosso país, é quase impossível conciliarmos o sono. Soma-se ao martírio de uma guerra biológica, onde o inimigo é invisível e imprevisível Que dirá encontrar à tão falada felicidade? Mas é preciso manter a esperança por dias melhores e por situações mais amenas. É preciso perseverar.

Esperamos pelo avanço da ciência, pela evolução de novas tecnologias e passamos a entender melhor a genética e como somos formados. Passamos a conhecer o ser humano “por dentro”. Não foi apenas o avanço da anatomia. Passamos a estudar a mente, e a entender as emoções e sentimentos. Hoje dispomos de uma gama de informações para acessar, aprender e entender um pouco mais sobre o que e, como somos. Mesmo assim, ainda constatamos a segmentação entre os humanos, seja por conta da etnia, da cor da pele, da sexualidade ou do gênero. Cada vez mais estamos nos afastando da tão sonhada unidade da humanidade.

Contudo, é certo que a felicidade existe, embora não esteja fácil de encontrá-la. Ela tem irmãs que se chamam Alegria, Fraternidade, Solidariedade e Temperança. Tem um irmão mais velho que se chama Amor e um irmãozinho caçula chamado Bem-querer.

Para entendermos um pouco melhor sobre essa eterna busca pela felicidade, há uma lenda que diz que no início dos tempos, antes que a humanidade povoasse a Terra, os deuses se encontraram para preparar a criação do ser humano à sua imagem e semelhança. No entanto, eles perceberam que se fizessem isso estariam, na verdade, criando novos deuses que tornariam as coisas perfeitas e causariam inveja, gerando atritos. Então eles pensaram no que poderiam tirar dos humanos para que pudessem diferenciá-los de si.

Depois de pensar com cuidado, um dos deuses  propôs tirar a felicidade e escondê-la em um lugar onde os humanos nunca a encontrariam. Essa parecia ser uma boa ideia. Então um deus propôs escondê-la na montanha mais alta. Discutiram as possibilidades e perceberam que, tendo força e determinação, a humanidade poderia alcançar quaisquer cumes, mesmo os que parecessem impossíveis de escalar e, encontrariam a felicidade.

Outra proposta foi lançá-la no mais profundo dos oceanos. Mas como a humanidade teria curiosidade, paciência e ciência, eles poderiam construir veículos que os levassem às profundezas do mar e a encontrasse.

Outra voz divina propunha trazer a felicidade para um planeta distante. Os demais deuses concluíram que, como os seres humanos têm inteligência, eles poderiam construir naves espaciais que os levariam até a felicidade.

Porém, o mais sábio dos deuses, que permaneceu em silêncio até então, tomou a palavra para indicar que conhecia um lugar onde não a achariam: propôs que escondessem a felicidade dentro do próprio ser humano, para que ficassem tão ocupados olhando para fora que eles nunca a encontrariam. Estando todos de acordo, foi o que fizeram.

E a lenda conclui dizendo que esta é a razão pela qual o ser humano passa sua vida procurando a felicidade do lado de fora, em vez de olhar para si mesmo e perceber que a ela brota internamente[1].

Quando alcançamos a maturidade, trona-se fácil perceber que a felicidade está dentro de nós. É aí que surge mais um questionamento: onde é que guardamos a tal felicidade? Onde será que ela faz morada? Em nossas mentes ou dentro de nossos corações?

Penso que a felicidade não é una, mas que é composta de pequenos pedaços. Tal qual num grande quebra cabeças, vamos unindo as pequeninas peças de sentimentos para formar belas imagens que registramos na memória. Mas é no coração que albergamos a felicidade e seus irmãos.

Fazendo uma checagem em meu Eu, percebo que embora pequeno, no meu coração existe um enorme espaço. Ele é dividido em compartimentos onde vou guardando as minhas felicidades. Num deles, estão armazenadas as alegrias e os momentos felizes vividos na infância. São as lembranças do cheiro da minha casa, dos meus brinquedos preferidos e dos animais de estimação que cresceram comigo. Das brincadeiras ao ar livre e dos dias ensolarados que passei na praia. É uma felicidade livre de qualquer tipo de preocupação e povoada de um colorido maravilhoso.

Em outro compartimento, estão as felicidades da adolescência, que guardam as emoções do primeiro amor. São as felicidades das descobertas como o gosto do primeiro beijo apaixonado. Nesse espaço tenho várias prateleiras onde guardo as pequenas felicidades advindas das coisas simples como escutar as divertidas músicas dos anos 80 e 90, sair com os amigos para dançar, patinar e praticar esporte com “a turma”. Tomar milk shake acompanhado de cachorro-quente ou pizza, sem ter que me preocupar com o peso. Era um período de curtir as coisas singelas, e de saborear cada conquista. Nele as cores são vibrantes e muito fortes. Embora não tivesse muitas posses, os itens que tanto sonhava, vinham como presentes em datas especiais e eram conquistados à medida que meu desempenho escolar era bom. Daí veio o primeiro emprego aos 18 anos, e com ele, as obrigações do dia a dia, passando a vivenciar a fase adulta.

Revisitando essas memórias felizes, entro na sala de minhas satisfações pessoais. Concluir o ensino médio, celebrar minhas formaturas e acresceram os conhecimentos. Dentre elas existe uma felicidade especial, atrelada à aprovação em um concurso que me levou a abraçar a magistratura como carreira. Foram emoções que me marcaram com uma enorme responsabilidade, permeada pela felicidade de uma grande conquista. Ao longo dessa trajetória de muitos anos de carreira, foram enfrentadas muitas mudanças, seja na forma de trabalhar onde o papel foi sendo transformado no virtual, seja na legislação em si. Contudo, as mudanças mais significativas estiveram na forma de entender e aplicar a Justiça.

E prosseguindo com a visita às memórias preciosas, entrei com carinho num momento sublime de felicidade. O nascimento de minha única filha. Foi olhar para a bebezinha que saía das minhas entranhas e perceber que, daquele momento em diante, não havia mais uma solidão que habitava minha alma. Meu ser foi inundado pela felicidade e por um amor profundo. É fato que, por mais que aspiremos nos tornarmos pais, só somos capazes de entender a complexidade dessa tarefa quando nela mergulhamos. Vivenciamos um misto de felicidade com apreensão de não dar conta das inúmeras tarefas, dos medos e das fraquezas. Ao mesmo tempo, somos tocados pela sensação de que o Criador nos elegeu para a multiplicação. E é assim que passamos a compreender melhor nossos pais, nossos professores e todos aqueles que se encarregaram de nos criar e educar. Sem dúvida nesse cantinho do meu coração estão guardadas as imagens das maiores felicidades.

Entrando agora numa câmara ampla, estão as felicidades ligadas aos grandes amores. Nela estão a família de sangue e a família dos amigos de verdade. Guardo aqui aquelas pessoas que elegi como irmãs de caminhada e que estão ligadas a minha alma. São aquelas pessoas especiais que, mesmo não estando fisicamente perto de nós, se fazem presentes. Seja por meio de  uma pequena mensagem trocada, um carinho ou mesmo naquele momento em que precisamos apena de colo e de silêncio. Nesse compartimento estão as memórias das felicidades ligadas a uma gratidão imensa, seja por tudo o que enfrentamos juntos, pelas causas que abraçamos na vida ou apenas pela existência desse amor que nos permeia. É nessa câmara que estão guardados além da felicidade e do amor, uma força para levantar, sempre que a vida nos traz uma queda.

E para concluir, trago um trecho da música “Felicidade” dos compositores Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes.


“A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

 

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar”.

 

Notas e Referências

[1]https://www.tudoporemail.com.br/content.aspx?emailid=12945

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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